Sempre gostei do pensamento de que as crianças ao nascerem são caixinhas vazias que a gente vai enchendo de coisas com o passar dos anos. Cada uma a seu modo, mas todas elas puras, inocentes, sem pinturas na embalagem, sem forma definida, sem rótulo algum, sendo apenas elas mesmas.
Com o tempo, entendemos que essas caixinhas puras precisam receber algumas coisas, precisam de características, valores e personalidades. Então, com nossas atitudes, e a partir de tudo que cremos ser bom, passamos a personalizá-las. “O feijão preto é mais saudável que o fradinho ou que o branco”, “Não vamos colocar essa camiseta azul, pois isso é cor de menino”. De brincadeiras inocentes a valores reais intrínsecos ao ser humano, vamos moldando essas caixinhas com o que dizemos e como agimos.
Muitos livros de educação parental trazem a máxima de que as crianças são excelentes observadoras e não tão boas intérpretes. Gosto de pensar que elas são boas observadoras e excelentes repetidoras. Adoram reproduzir frases e atitudes de adultos por buscarem, inocentemente, o desejo de pertencerem a aquele espaço ou lugar.
E assim, vendo os pais fazerem, ouvindo eles dizerem, elas vão construindo em si seu julgamento de certo e errado.
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Eu vi o filme Mogli, o menino lobo com as crianças e eles me perguntaram porque aquele bebê perdido na selva, quando encontrado por uma pantera, não sentiu medo dela. A resposta foi simples, em uma linguagem lúdica expliquei que aquele bebê ainda não percebia o conceito de medo que as panteras geram em nós adultos.
Uma criança negra e outra branca percebem a diferença entre elas, mas sem o valor de serem melhor ou pior, superior ou inferior, são apenas crianças diferentes.
O hábito de praticar a discriminação está relacionado aos valores e comportamentos que as crianças aprendem com os pais ao longo da jornada parental. Como você reage a um casal homoafetivo na mesa ao lado no restaurante é informação e conteúdo para geração de valor no seu filho que está no seu colo. A forma como você reconhece o trabalho de uma pessoa humilde que limpa o chão na presença do seu filho se torna referência em como lidar com pessoas de diferentes classes sociais. E isso vale para todas as discriminações presentes e assustadoramente praticadas em nossa sociedade. As crianças percebem a diferença, mas o critério de valor dessa diferença é dado pelos pais.
Notem que pessoas que sofrem discriminação tendem a ser menos discriminatórias, pois muitas vezes pela dor, entenderam que as diferenças não são critérios de valor para superioridade ou inferioridade, que as preferências nos relacionamentos são gostos a partir de sentimentos, que a amiguinha com Síndrome de Down costuma agir diferente, e isso não é valor suficiente para ser mais ou menos.
O grande problema nesse contexto é o recurso que possui o educador, seja ele pai, mãe, professor, orientador ou técnico. A bagagem que ele recebeu e o conhecimento que adquiriu ao longo da vida determinarão a maneira responsável que trata as diferenças num país com tantas culturas, raças e credos como o nosso, e de fato, na primeira infância, quando as caixinhas ainda estão vazias, o conteúdo é absorvido de maneira profunda, pois tudo é novidade, é interessante, e acaba-se replicando tudo o que se vê e se ouve.
Vale aqui, para nós, como agimos e abordamos as diferenças interpessoais na presença e na ausência de nossos filhos, o cabelo loiro e liso é realmente mais bonito que o preto e encaracolado do coleguinha? Tudo isso para eles é informação que os forma e os ensina, o que estamos passando?
*Este texto é de responsabilidade do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Canguru News.