Durante a infância, especialmente a partir dos três anos de idade, é comum observar crianças com o hábito de roer as unhas. Elas podem recorrer a essa ação por vários motivos, como ansiedade, agitação psicomotora, fuga a situações adversas ou até mesmo por fadiga ou tédio, e tal situação pode causar preocupação entre os pais.
Apesar das causas variadas, a associação entre o hábito de roer as unhas na infância e situações de estresse e ansiedade é a mais comum. Ana Marcia Alves, membro do Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), explica: “O hábito de roer as unhas, chamado de onicofagia, possui causas predominantemente de fundo emocional. Qualquer situação que abala a segurança da criança ou que esteja provocando dificuldades de ajustamento podem levar ao hábito de onicofagia”.
Avalie o bem-estar emocional da criança
Roer as unhas está diretamente conectado ao bem-estar emocional da criança, pois essa ação proporciona uma espécie de alívio a algum desconforto ou inquietação. Segundo Katia da Silva Wanderley, diretora do serviço de psicologia do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE), a boca é uma das várias regiões do corpo que proporciona prazer diante de diferentes situações do cotidiano.
“Quando nos alimentamos, comunicamos algo; quando desabafamos, expressamos nossa raiva, dentre outras situações”, exemplifica a especialista. “Assim, quando a boca é utilizada para roer as unhas, temos um sinal de ataque a nós mesmos que evidencia alteração na autoestima, como sentimentos de inferioridade ou de culpa. Portanto, temos um sintoma alertando que algo no emocional não está bem”, completa.
Nesse contexto, caso percebam que os filhos estão com frequência roendo as unhas ou já observam esse hábito há algum tempo, é muito importante que os pais se atentem ao cotidiano da criança e analisem o que mudou no contexto familiar. “Há dois anos vivemos uma pandemia que mudou os hábitos de modo abrupto, colocando-nos em casa para trabalhar, estudar. Sem dúvida, a alteração na rotina foi imensa e geradora de ansiedade”, exemplifica Kátia da Silva Wanderley.
“A pandemia ilustra uma grande mudança no convívio familiar. Todavia, nem sempre o que acontece no dia a dia infantil é algo intenso, mas o suficiente para acarretar ansiedade a uma pessoa que ainda não está preparada para enfrentar, conviver e suportar determinadas vivências”, completa a psicóloga.
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Impactos na saúde
Apesar de ser um sintoma, e não uma doença por si só, o hábito de roer as unhas com frequência pode trazer consequências à saúde da criança, caso não seja interrompido. “A onicofagia pode gerar muitos impactos negativos para a criança, como inoculação de germes patogênicos na boca, dores de cabeça por causa do aperto dos músculos da face, desgaste do esmalte dos dentes, além de lesões nas extremidades dos dedos, que são portas de entrada para bactérias”, explica Ana Márcia Alves, da SBP.
Além disso, muitas vezes a criança pode roer as unhas até que se forme um machucado, que também pode infeccionar e trazer outros malefícios para a saúde da criança, ao colocar a mão na boca.
Como ajudar a criança
Para que os pais possam ajudar os filhos a parar com o hábito de roer unhas com frequência, é preciso descobrir o que há por trás dessa ação, ou seja, o que está trazendo a necessidade de um alívio da carga emocional da criança por meio de roer as unhas.
Dayanne Costa, psicóloga clínica infantil, ressalta também que se os pais querem ajudar a tirar esse hábito da rotina da criança, é importante que eles conversem com ela, respeitando sua idade e capacidade de compreensão que terá, mas buscando trazer uma conscientização a respeito das consequências que roer as unhas na infância pode trazer.
“Na medida em que ela tome consciência, os pais podem também propor um ‘código secreto’: quando a criança esquecer e roer as unhas, os pais vão falar o código secreto, para a criança lembrar e tirar o dedo da boca. Mas é importante que não seja uma repreensão, que seja um código combinado, preestabelecido, onde a criança também demonstre essa motivação para largar esse hábito”, sugere a especialista.
A psicóloga reforça que é essencial não dar broncas ou repreender o ato de roer as unhas quando observado, pois isso pode até mesmo piorar a situação. “Dar bronca vai contribuir para chamar atenção para o hábito que a gente não quer que aconteça, para o comportamento inadequado que a gente não quer que a criança continue fazendo, e essa atenção acaba reforçando o hábito.”
“A bronca também gera uma pressão maior em cima da criança, pelo adulto demonstrar que ela está fazendo um comportamento indesejado, e esse desconforto deixa a criança ainda mais tensa. Isso gera mais estresse, mais ansiedade, e consequentemente a criança vai buscar mais esse alívio no hábito de roer a unha”, explica Dayanne .
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Evite punições
No processo de ajudar os filhos a parar com o hábito de roer as unhas, muitos pais podem utilizar métodos caseiros, como enrolar os dedos da criança com esparadrapo ou outros curativos e fazer uso de esmaltes de pimenta ou outras substâncias com gosto amargo. Dayanne Costa pontua que esses métodos não devem ser considerados uma forma de ajudar os filhos com a onicofagia. “Usar esse tipo de método é como punir a criança por ela ter um problema, ao invés de ajudá-la a solucionar. Nada de pimenta, gostos amargos, esparadrapo, pois tudo isso vai aumentar o sentimento de inadequação dessa criança, a angústia e provavelmente os níveis de estresse e ansiedade também, não ajudando a resolver o problema.”
Kátia da Silva Wanderley também ressalta que esses métodos caseiros são apenas estratégias paliativas, e são capazes de apenas deslocar o sintoma, pois não tratam a causa. Assim, mesmo que a criança passe a não roer mais as unhas na infância, é possível que ela busque outra forma de aliviar sua carga emocional, já que a causa do estresse ou ansiedade ainda existe.
“Melhor que os pais fiquem atentos, com um olhar voltado para o que mudou no cotidiano da criança na escola, na casa de parentes, no meio social e no próprio lar. É importante também ter atenção à reação da criança diante de ir à escola ou casa de um amigo ou familiar, procurando entender o que acontece nesses ambientes”, diz a psicóloga.
Kátia pontua que conforme a criança cresce a sensação de insegurança ou angústia que sentia perante a determinadas situações já não será tão frequente, pois se sentirá mais segura e preparada, e isso pode já ser suficiente para que o hábito suma. Contudo, proporcionar um ambiente acolhedor e saudável para a criança dentro de casa é uma boa forma de os pais ajudarem as crianças a pararem com esse hábito, colaborando para não proporcionar gatilhos de estresse para os pequenos.
“É importante proporcionar um ambiente doméstico saudável do ponto de vista emocional, acolhendo a criança em suas dificuldades e auxiliando-a a ter boa autoestima e boa capacidade de resolução de problemas. São de grande valia também os hábitos de prevenção do estresse tóxico infantil, como a higiene do sono, os bons hábitos alimentares, disciplina com afeto, tempo de brincadeiras ao ar livre, práticas de esporte, hábitos de leitura e diminuição do tempo de exposição às telas”, finaliza Kátia.
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