Por que o relacionamento entre casais com filhos ficou mais difícil na quarentena

Especialistas explicam por que casais começam a se relacionar mal depois dos filhos e por que ficou ainda mais difícil, para muitos deles, conviver bem com o outro nesta quarentena

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O relacionamento entre casais com filhos – como mostra esta foto em que o pai está sentado com uma criança na colo e a mãe tem um bebê nos braços – enfrenta conflitos na quarentena, muitos dos quais já existiam e agora se intensificaram
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A China, país de origem do coronavírus, registrou um número recorde de pedidos de divórcio durante as semanas de isolamento social no país. Segundo publicou o jornal chinês “The Global Times”, desde que os cartórios foram reabertos após o controle da pandemia por lá, não está fácil encontrar horários disponíveis para resolver questões relacionadas a divórcios em várias províncias do país. Há quem diga que, no Brasil, não será diferente.

É o caso da advogada Debora Ghelman, especialista em Direito Humanizado nas áreas de Família e Sucessões. “O isolamento social obriga as pessoas a conviverem 24 horas por dia e com isso muitos dos conflitos que sempre existiram ganham maior evidência”, afirma a especialista. Há diferentes causas possíveis para conflitos no relacionamento entre casais. Um dos mais comuns, entretanto, é a divisão pouco equilibrada, entre mães e pais, dos cuidados com a casa e com as crianças. O incômodo não surgiu com o coronavírus (estava entre os dois há tempos), mas ficou ainda mais evidente depois que marido e mulher foram juntos para o home office imposto pela quarentena.

Uma pesquisa realizada por economistas das Universidades de Cambridge e Oxford, da Inglaterra e da Suíça respectivamente, mostrou que, na quarentena, as mães do Reino Unido estão dedicando pelo menos 50% a mais de seu tempo que os pais para cuidar das crianças e passam de 10% a 30% mais tempo que eles em atividades escolares dos filhos. Mas antes mesmo da pandemia, outros estudos já comprovavam a falta de equidade de gêneros nas relações familiares: as mulheres gastam uma hora a mais por dia em cuidados infantis e uma hora a mais por dia em trabalhos domésticos do que os homens.

E isso não acontece apenas no relacionamento entre casais de gerações do século 20. Segundo uma pesquisa recente do instituto Gallup, casais formados por pessoas de sexo oposto com idades de 18 a 34 anos não são mais propensos que casais mais velhos a dividir a maioria das tarefas domésticas de maneira equitativa. É cultural. Mas as mulheres parecem só se dar conta verdadeiramente desse fato depois que os filhos chegam, o trabalho doméstico aumenta e explode o sentimento de injustiça.

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Jancee Dunn, escritora americana que se vê nesta foto, entrevistou Matthew Fray, um coach de maridos, para o jornal The New York Times
A jornalista Jancee Dunn | Foto: reprodução do Instagram @janceedunn

Jancee Dunn, uma jornalista norte-americana que viu seu casamento quase desmoronar depois da chegada da filha, resolveu partir da sua própria história para escrever um livro que mistura pesquisa e muito bom humor para explicar porque muitas mulheres começam a ter tanta raiva dos próprios maridos depois que os filhos chegam. “How Not To Hate Your Husband After Kids”, publicado em 2018 (e ainda sem tradução publicada no Brasil), traz explicações científicas para explicar o comportamento da maioria dos maridos em relação às crianças. E propõe “técnicas de negociação com o inimigo” para reestabelecer o bom relacionamento entre casais.

Na semana passada, a jornalista e escritora entrevistou, para o The New York Times, Matthew Fray, um “coach de maridos”. O que ele faz? Treina homens para evitar o divórcio. E cobra US$ 175,00 por sessão. Qual a formação dele? Ter sido abandonado pela mulher depois que o filho deles nasceu. “Ela se divorciou de mim porque deixei a louça na pia” foi o título de um post que ele escreveu e viralizou na internet, depois da sua separação.

Matthew Fray, um “coach de maridos” ajuda os homens a manterem o relacionamento e não se divorciarem após a chegada dos filhos
Matthew Fray, o coach de maridos | Foto: reprodução do Facebook de Matthew Fray

Na entrevista a Jancee Dunn o coach de maridos confessa que, só depois do divórcio, compreendeu como deixou sua ex-mulher sobrecarregada com os cuidados da casa e dos filhos. Ele conta que não conseguia entender os argumentos dela, que não entendia porque ela se chateava tanto por ele deixar copos na pia em vez de colocá-los na máquina de lavar. Hoje, ele entende que não se tratava do copo exatamente. Mas da falta de parceria que sua atitude simbolizava. “Ela não queria ser minha mãe”, conta. “E cada vez que ela levava um copo da pia para a máquina, mais perto ficava do fim do nosso casamento”, diz. Segundo ele, seu propósito é conseguir evitar que outros homens cheguem ao divórcio pelos mesmos motivos que levaram ao dele.

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De acordo com dados do IBGE, 1 em cada 3 casamentos termina em divórcio no Brasil. Em 2018, último ano pesquisado, foram  385.246 divórcios registrados  – 3,2% a mais que no ano anterior. Em uma década, entre 2008 e 2018, a duração média dos casamentos caiu 3 anos, de 17 para 14 anos.

Em seu livro, a americana Jancee Dunn garante que é possível, sim, restaurar a paz no relacionamento entre casais nos tempos sem filhos. Mas não dá para chegar ao final feliz com um passe de mágica. Segundo ele, é preciso muito boa vontade das duas partes e, sim, terapia. Uma das suas dicas é não envolver os filhos pequenos nas brigas e tomar muito cuidado com determinadas palavras que funcionam como um gatinho para uma saraivada de xingamentos. Ela lembra que brigas corriqueiras relacionadas às tarefas domésticas e ao cuidado com os filhos têm o poder de arruinar uma relação a longo prazo – exatamente como ocorreu com seu entrevistado da semana passada, Matthew Fray.

A decisão por um divórcio é quase sempre bastante difícil – e demorada. Casais que começaram a discutir sobre essa possibilidade durante a quarentena muito provavelmente já tinham feridas abertas antes, que acabaram ficando mais dolorosas nesses tempos de convívio forçado. O que, de acordo com muitos especialistas, não é necessariamente ruim. O psicólogo Alexandre Coimbra costuma dizer que a quarentena transformou as paredes das casas de todos em espelhos. É preciso ter coragem para enxergar o que esses espelhos estão mostrando e decidir o que fazer com a informação. Educadora parental, Isa Minatel lembra que não esconder a poeira debaixo do tapete é o primeiro passo para “arrumar a casa”.

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1 COMENTÁRIO

  1. Ivana, excelente o artigo. Já estou indo para 27 anos de casado, e sempre tive esta preocupação de equilibrar tarefas e responsabilidades. Sempre encarei isso como uma questão de bom senso, e equilíbrio do justo na relação. Para nós isso é trivial, mais para muitos casais passa desapercebido, e quando vem a tona, geralmente não tem mais jeito. Mais justiça seja feita, acho que a culpa nem sempre é do homem, muitas vezes as mulheres absorvem o excesso de tarefas, e “mimam” os homens. Dai, quando se dão conta, percebem que criaram um bicho papão. Eu mesmo, na minha experiencia tive que me opor algumas vezes aos mimos da minha querida esposa, para preservar o equilíbrio da relação e da minha independência. Forte abraço! Gosto muito do seu trabalho.

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