Taylor Swift está no Brasil e sua turnê começou apocalíptica, no mal sentido, por aqui. Para quem tem filhos jovens que são alucinados pela cantora, às vezes, é difícil entender essa idolatria. É paixão, gente, como pedir para uma pessoa jovem e apaixonada para avaliar riscos? Impossível.
A pessoa só quer estar lá. Ela vende a alma pro diabo para conseguir comprar o ingresso, porque vamos combinar, preço de show no Brasil é algo estratosférico e incompatível com a renda do brasileiro médio. Mas o ídolo vem e a gente faz qualquer coisa, hipoteca a casa, faz empréstimo e vai.
Acontece que, no meio do caminho, tinha uma crise climática e um Rio que, de 40, passou para 60 graus. Um calor digno do fogo do inferno e uma produção completamente despreparada para lidar com ele. Não era permitido entrar com água. Precisava jogar água de mangueira na plateia numa chuva artificial. Tinha que ter água sendo distribuída a rodo.
Mas como já diziam os Titãs, “homem primata/ capitalismo selvagem” que levou à morte a jovem de 23 anos, Ana Clara Benevides. Ana Clara, que estava realizando um sonho, que viajou de avião pela primeira vez e só gastou a passagem de ida, não soube o que é voltar para casa com aquela emoção que a gente sente depois de um show dos sonhos.
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O sonho dela virou o pesadelo da família que teve que providenciar o traslado do corpo da filha para ser sepultado no Mato Grosso do Sul. Sem ajuda da Taylor que sequer mencionou o nome da fã morta. “‘Cause we are living in a material world, And I am a material girl”, como cantava Madonna (Porque nós vivemos em um mundo materialista/ e eu sou uma garota materialista).
Além da morte da Ana, centenas de fãs passaram mal e desmaiaram durante o show por causa do calor, outros se queimaram em chapas metálicas que estavam no estádio.
No dia seguinte, sabendo que a temperatura estaria ainda mais alta, depois que as pessoas já estavam dentro do estádio, suportando o bafo do capeta na nuca, o show é cancelado. Desrespeito com quem se organizou por meses. O arrastão na saída foi uma cortesia da cidade maravilhosa.
Foi preciso que uma jovem morresse e outras tantas desmaiassem para que, no segundo show, a água fosse oferecida “gratuitamente”, entre aspas mesmo, porque é o mínimo a ser incluído no valor do ingresso.
Não tenho dúvidas de que foi um show incrível para quem conseguir assistir sem desmaiar ou morrer. Data inesquecível também para a moça que não sabia que estava grávida e pariu durante a apresentação da cantora. Bem-vinda ao padecer!
Eu adoro show, já fui em vários, mas os últimos shows que fui na capital carioca foram no Rock in Rio de 2001, desde então prefiro escolher cidades menos quentes e menos selvagens. Eu já desmaiei de calor no Rio e não foi bom. Escolha pessoal de quem aprendeu a calcular os riscos.
Se meu filho quisesse ir a esse show, ele tendo 14 anos, eu iria com ele, e poderia levar os amigos dele também. Acredito que, com essa idade, ainda há necessidade de um adulto acompanhando.
Acho que vale o preço que a gente paga para sentir uma coisa muito boa, muito inesquecível. O custo da experiência! Mas também acredito que essa lógica capitalista deve ser revista, que devem haver leis que regulamentem esses grandes eventos para que outras pessoas não morram pelos seus ídolos dessa forma. Fica a sugestão para a criação da Lei Ana Clara Benevides. Tem que ter água à vontade em shows, e, se o calor estiver extremo, outras medidas devem ser tomadas para que ninguém desmaie.
Ser ídolo exige muita responsabilidade, e sim, o que acontece no show de um astro vai ficar marcado na carreira desse astro, mesmo que a responsável pelos absurdos seja uma empresa. A família da Ana Clara foi convidada para estar no último show da Taylor Swift e tirar fotos com a artista. Foi o mínimo, o mínimo do mínimo. Antes disso, teve gente justificando a falta de apoio à família, dizendo que a Taylor havia feito um story e tocado uma música em homenagem à fã. Nos contentamos com pouco, aceitamos migalhas. Para muitos, um story já havia cumprido o papel. Astros são pessoas, e pessoas precisam ter humanidade.
A Internet é um tribunal, se você se expõe você será julgado, ser uma pessoa pública exige muita responsabilidade para com o seu público.