Entramos na segunda semana de confinamento aqui em Portugal. As notícias que entram pela tela da televisão, revelam um cenário assustador na Itália e na Espanha. Não podemos sair à rua, as entradas nos supermercados fazem-se em certos períodos do dia e muitos têm o trabalho suspenso. Outros, trouxeram o trabalho para casa e assumiram, simultaneamente, uma nova profissão: a de professores dos filhos, ganhando também a função de dono e dona de casa. Ou seja, passamos a conciliar três empregos full-time – e esta equação tem tudo para dar errado.
Temos duas opções: ou aceitar que é assim e vai passar, ou desejar que o mundo continue a ser perfeito, recusando a nossa parte de responsabilidade.
Eu sei que não é justo, mas creio que levo vantagem, neste caso. Durante anos, os meus filhos estudaram numa escola que tinha sete semanas de aulas e duas semanas de férias. Ou seja, ao fim de um mês e meio tinha os filhos de férias e precisava conciliar a vida profissional com essa pausa escolar. A figura de babá, em Portugal, não existe – são os pais que assumem 100% desse papel. E, na maior parte dos casos, muitas das famílias aqui também não tem empregada doméstica todos os dias – normalmente são umas 8 horas semanais.
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Esta espécie de estágio mostrou-me como conciliar e equilibrar todos estes pratos nesta balança e eu vi, logo, que o mais importante é decidir, em conjunto, uma rotina que seja boa para todos, flexível o suficiente, nesta situação completamente extraordinária.
Sei que enquanto pais damos o mote e eu sei que precisava de os acompanhar nos estudos, que seriam feitos da parte da manhã – mas de manhã há muitas coisas a acontecerem em termos de trabalho. É por isso que acordo bem cedo. Faço as coisas mais importantes, faço a minha ginástica e, de seguida, trato de mim, tomamos o café, organizamos a vida doméstica e, às 9h estamos a estudar. Estou com os miúdos o tempo que for necessário para concluírem as tarefas.
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Curiosamente, mais do que explicar, parte do meu trabalho é pedir que o meu filho mais novo, que está no 1º ano, se concentre. Mas pedir não adianta – preciso lhe mostrar como é que isso se faz. Hoje, uma semana depois, vejo-o a fazer menos pausas, mais concentrado e muito entusiasmado com a aprendizagem.
Desenhar as letras e fazer tarefas mais repetitivas são ações que passaram de aborrecidas a fazerem parte de uma lista que se executa e que nos torna mais competentes para ler e fazer cálculos. A leitura e a escrita são utilizadas quando ele me faz a lista de compras ou lê a quantidade de farinha que existe na embalagem, por exemplo. A aprendizagem tem sempre uma utilidade. No final da manhã, brincam os dois, guardam o material e ajudam a preparar o almoço. Ao escrever estas palavras sinto-me irritante porque parece perfeito, mas descansa, não é.
Ainda tenho de pedir ao meu filho para se concentrar e relembrar à mais velha outras coisas. Mas, no final do dia, quando percorro as imagens desde o acordar até ao dormir, a sensação – que é uma interpretação subjetiva, claro – é muito positiva. Os miúdos estão, a cada dia que passa, mais cooperantes e responsáveis. Para além disso, estão a fazer uso de todos os jogos e brinquedos que têm, inventam brincadeiras e deixam-nos trabalhar. É possível que outro pai se sentisse, em nossa casa e nas nossas circunstâncias, completamente desgastado e cansado. Depende do ponto de vista.
O segredo, qual foi? Creio que a clareza do ambiente que eu gostaria de criar em casa e ter procurado torná-lo real, através dos meus comportamentos e das opções dadas. Ao mesmo tempo, ter decidido com os miúdos quais eram as rotinas e o compromisso foi, seguramente, uma das melhores decisões.
Dizem que a quarentena é uma excelente oportunidade para ensinarmos todas estas coisas aos nossos filhos. E eu não podia estar mais de acordo.
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