Gabriela Santos, 35 anos, atua há 12 anos na educação infantil em São Paulo, sendo 7 deles na rede pública. Ela trabalha em duas escolas: um CEI (Centro de Educação Infantil) e uma Emei (Escola Municipal de Educação Infantil). Praticamente de um dia para o outro, toda a estrutura pedagógica em que acreditava e trabalhava desmontou, e teve que ser reinventada. A pandemia, que fechou as escolas, tirou todos os professores da sala de aula e as angústias começaram.
“Tive que adentrar em uma proposta pedagógica que, para mim, não existe, que é a educação infantil à distância, e utilizar plataformas e aplicativos em uma sociedade tão desigual, onde metade da população não tem acesso à internet. Não havia como atravessar a pandemia sem isso, era o único jeito de manter o ano letivo”, explica. “Eu e alguns professores tivemos até que contratar nossos próprios pacotes de dados. Faltava estrutura, era muito insuficiente.”
Além de administrarem as demandas da própria família, os professores foram obrigados a transformar a casa num local permanente de trabalho. Além disso, se somaram às dificuldades na pandemia a dor de pensar nas dificuldades dos alunos. “Foi muito difícil saber das dificuldades das famílias, com os pais perdendo seus empregos, com a questão da alimentação, que não chegou a todos os pratos. Lidar com essa situação mudou muito, afetou tudo, é uma pressão psicológica muito grande. Lidar com as desigualdades é um conflito”, relata Gabriela.
A professora é uma integrantes de um projeto de atendimento gratuito com foco na saúde mental dos professores durante a pandemia – o Apoio Emocional, realizado pela Quero na Escola e Fundação SM – que, em sua primeira edição, em 2020, atendeu dois mil docentes. O objetivo é ajudá-los a lidar com emoções neste momento. Para isso, a iniciativa busca psicólogos e psicoterapeutas que possam atender voluntariamente.
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Lia Gonsales, psicóloga clínica que foi voluntária do projeto em 2020 – e pretende retornar –, conta que os professores enfrentam diversas angústias, desde a distância de seus alunos e a dificuldade de acompanhamento, até a cobrança de pais, diretores e dirigentes escolares. No caso da escola pública, os problemas se somaram à falta de estrutura para aulas online. “E o retorno neste mês de abril, o mais letal da pandemia, trouxe a sensação de retorno ao começo, de uma situação que não evolui”, destaca ela. “É um ‘looping’ sem fim, no qual os educadores não mudam de ambiente e produzem o tempo todo, e isso leva a uma estafa”.
Para a professora Gabriela, o atendimento do projeto ajudou muito. Ela se inscreveu para ter o atendimento do grupo da escola e também o individual. “Foi um momento de escuta, que mostrou que também éramos passíveis de desconforto, assim como todo mundo – medo da doença, as demandas e exigências, que foram muito grandes. Foi possível colocar as aflições para fora e sentir que não estávamos sozinhos”, conta. “Já o atendimento individual me ajudou em todos os âmbitos da minha vida, não só na parte pedagógica – nem tanto a achar respostas, mas para mediar questões pessoais e profissionais. Foi de muita valia, e ainda está sendo, pois ainda estou sendo acompanhada pela profissional que me atende de forma voluntária”, acrescenta a professora.
Iniciativas também nas escolas particulares
Algumas escolas da rede privada estão apostando em palestras para ajudar os professores nesse momento difícil. É o caso da Rede Adventista de Educação do ABC e Baixada Santista, com o projeto “Cuidando de Quem Cuida”, também direcionado ao corpo docente. A proposta é realizar, até o mês de junho, cinco encontros virtuais com palestras sobre temas envolvendo psicologia, nutrição, educação física, direito e ciências contábeis, segundo explica Marizane Piergentile, diretora de educação da rede. “O processo de reinvenção é de longo prazo e a pandemia infelizmente continua progredindo. Os educadores estão encarando inúmeros desafios, e o papel da escola é estar presente mostrando que eles não estão sozinhos na hora de enfrentar este cenário”, ressalta Marizane.
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Segundo ela, o que mais tem pressionado os professores agora, com o retorno das aulas no formato presencial, é a chamada “volta que não voltou”. “Nós temos somente os 35% dos alunos que podem vir. O educador precisa se dividir em dois ambientes: o virtual e o presencial. Precisa administrar os ruídos que existem nos dois lugares, precisa se atentar à linguagem e à fala, manter a conversa e sanar as dúvidas dos alunos nos dois cenários. Isso tem gerado um nível altíssimo de estresse, preocupação e exposição”, diz Marizane. “Lidar com a instabilidade das famílias e o emocional dos próprios alunos exige que o professor esteja bem e muitas vezes é ele quem precisa de ajuda”.
Dicas para administrar
Para Paula Morgana, psicóloga organizacional e do trabalho, não é possível analisar a atual situação da saúde emocional dos professores como algo pontual, de causa claramente definida. “Devemos levar em consideração a soma das mudanças e ações que eles foram vivenciando ao longo do ano que passou e as incertezas do momento. Todos estes aspectos intensificam sintomas de ansiedade, estresse, insegurança, tristeza, entre outras emoções que são significativas para que eles se sintam pressionados”, resume. Dessa forma, cada um lidará com as situações de maneira diferente, e não existem fórmulas prontas, e sim as estratégias individuais que vão ser criadas. “Recomendo que os profissionais busquem auxílio profissional logo que comecem a se questionar sobre sua prática e os resultados positivos e negativos que o trabalho pode estar gerando”, sugere. “Mesmo em casa, é importante manter uma rotina e se possível ter uma alimentação balanceada e atividades físicas. Contudo, caso não seja possível, não devemos nos exigir tanto; uma boa noite de sono já é capaz de promover satisfação, bem-estar e qualidade de vida”.
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Entre as recomendações dadas aos professores em 2020 no projeto Apoio Emocional – e que continuam atuais –, a psicóloga Lia Gonsales destaca a necessidade de viver ‘um dia de cada vez’, e torná-lo o mais confortável possível. “Minha orientação é também que cada profissional da educação cuide do que está ao seu controle – uso de máscara, higienização correta – e que também cuide de si, com uma alimentação saudável e boas noites de sono.”
Outro item essencial a ser levado em conta é a compreensão com os próprios educadores, ressalta a psicóloga. “Só porque estão em casa, pode dar a impressão de que os professores não estão trabalhando. Isso não é verdade. Eles estão trabalhando, e muito, na linha de frente, e tendo que lidar com cobranças diversas, desde a adaptação repentina e a falta de estrutura até cobrança de resultados por seus superiores e a administração de suas vidas pessoais”, afirma a psicóloga.
Segundo Marizane, da Rede Adventista, o projeto “Cuidando de Quem Cuida” tem tido “um lindo resultado”: “Nós tínhamos dúvidas se os educadores participariam de mais um evento online, mas por ser um momento voltado para eles, tem gerado um ótimo retorno. Na nossa comunidade temos um envolvimento de 60% dos nossos professores. É um número maravilhoso, pois os encontros acontecem à noite e mesmo depois de um dia inteiro exaustivo, conseguir reunir 60% do grupo mostra a importância do conteúdo ofertado e sua relevância”, conta. “O projeto busca alcançar aqueles que precisam de apoio e muitas vezes não têm tempo ou recurso financeiro para buscar um profissional. Ele serve como um gatilho para mudança, serve como uma tomada de consciência e um grupo de apoio no qual os profissionais da educação compartilham o que estão vivendo.”
Como achar serviços de saúde mental no País
O Ministério da Saúde elaborou um mapa interativo que lista os estabelecimentos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) que fornecem atendimento em saúde mental no Brasil. A iniciativa inédita permite que o cidadão identifique os locais disponíveis na sua cidade e mais próximos à sua residência. No total, estão no mapa 3.164 serviços disponíveis aos brasileiros que sofrem com depressão, ansiedade ou outros transtornos mentais. A medida visa ampliar o acesso da população aos serviços pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O mapa pode ser consultado aqui.
A ferramenta aponta a localização dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Infantil (CAPSI) e para álcool e outras drogas (CAPS AD), das Equipes Multiprofissional de Atenção em Saúde Mental (AMENT) nas unidades ambulatoriais, além dos serviços de referência em hospital geral e hospitais psiquiátricos.
SERVIÇO
Criada em 1977, a Fundação SM tem a missão de contribuir para o desenvolvimento dos indivíduos por meio da Educação, atuando de forma colaborativa com governos municipais, estaduais e federal, organismos internacionais, organizações da sociedade civil, institutos e fundações. Já o Quero na Escola é um projeto que usa a tecnologia para ouvir as demandas dos estudantes por aprendizados, além do currículo obrigatório. Para se cadastrar no projeto Apoio Emocional, como atendido(a) ou como voluntário (a), acesse queronaescola.com.br/apoioemocional.
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