Os desafios de crescer em um mundo que não acolhe as diferenças

A educadora parental Mônica Pitanga fala sobre os desafios enfrentados por crianças neurodivergentes a partir de análise do filme O Primeiro da Classe, baseado na história real de um jovem com a Síndrome de Tourette

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Foto: reprodução
Buscador de educadores parentais
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O que você faria se as pessoas rissem de você, fizessem piadas sobre o seu jeito de ser e não acreditassem na sua capacidade?

Essa é a pergunta que atravessa o filme O Primeiro da Classe (2008), baseado na história real de Brad Cohen, um jovem com Síndrome de Tourette que sonhava em ser professor. Para pais, mães e educadores, trata-se de uma obra indispensável para refletirmos sobre os desafios enfrentados por crianças neurodivergentes – e sobre o poder do acolhimento, da escuta, do encorajamento e da esperança.

A Síndrome de Tourette é uma condição neurológica que envolve tiques motores e vocais involuntários. No caso de Brad, esses tiques o acompanharam desde a infância e foram, inicialmente, interpretados como má educação ou provocação – por colegas, professores, seu pai e até por médicos. A dificuldade de diagnóstico é um dos primeiros obstáculos enfrentados por muitas famílias atípicas, gerando sofrimento e atrasos importantes em termos de apoio e intervenção. No filme, foi a mãe – cansada de sofrer junto com o filho – quem descobriu, nos livros, o que Brad tinha e mostrou ao médico. Ao ligar para contar ao pai sobre o diagnóstico, o garoto diz, aliviado: “Existe uma razão, pai. Eu não sou esquisito de propósito. Eu não consigo controlar os movimentos.”

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Na escola, vemos como o bullying, a falta de compreensão e a demora no diagnóstico levaram Brad ao isolamento e à baixa autoestima. As cenas mostram colegas rindo, professores chamando sua atenção e o retirando da sala. Como mãe atípica, reconheço essa dor e sei o quanto o caminho é cansativo: são inúmeras as vezes em que precisamos explicar, justificar, proteger, defender… E ainda assim nossas filhas e filhos continuam sendo alvo de olhares, exclusões e julgamentos.

A relação familiar de Brad também revela nuances importantes. Enquanto o pai tem dificuldade em aceitar o diagnóstico e insiste para que o filho “controle” os tiques, sua mãe é aquela figura de afeto e encorajamento que estuda, se informa e está ao lado dele – mesmo sem saber todas as respostas. Esse contraste é comum em muitas famílias e ressalta a importância da orientação parental e da educação anticapacitista como caminhos para promover pertencimento e respeito à singularidade de cada criança.

Brad também enfrenta o preconceito na vida adulta. Ao tentar ingressar no mercado de trabalho como professor, sofre uma série de recusas e julgamentos. O filme nos convida a refletir sobre como as barreiras atitudinais atrapalham a inclusão: quantos talentos não são desperdiçados todos os dias por conta de estereótipos e de um sistema que não está preparado para acolher as diferenças?

Para mim, a cena mais bonita do filme é quando o diretor da nova escola, vendo seu sofrimento, o convida a subir ao palco diante de um auditório lotado de crianças e adolescentes, e pergunta:

— Você gosta de fazer esses barulhos e atrapalhar as pessoas, Brad?
— Não.
— E por que faz?
— Porque tenho a Síndrome de Tourette, um distúrbio no meu cérebro que envia movimentos desregulados para o meu corpo, como um espirro, que é involuntário. Eu gosto de fazer esses barulhos tanto quanto vocês gostam de ouvi-los. E eles pioram quando estou estressado, quando vocês não aceitam que eu não posso evitá-los. Mas quando me sinto aceito, eles melhoram.

Depois dessa atitude do diretor e da explicação de Brad, as crianças o aplaudem e passam a tratá-lo com empatia, porque entendem sua condição. Brad Cohen se tornou um professor premiado, autor e palestrante. Não porque superou a Tourette, mas porque foi acolhido com suas características, desafiado com respeito e teve quem acreditasse nele.

Como educadora parental de famílias atípicas e como mãe de uma filha com deficiência, carrego comigo a convicção de que nossos filhos têm direito ao sonho, ao amor e à dignidade. A travessia não é fácil. É feita de dores e lutas que só quem vive entende. Mas também é feita de alegrias e vitórias. Que a gente possa ser essa presença encorajadora na vida das nossas crianças. E que elas possam ocupar seus lugares no mundo, não apesar de… mas justamente por serem quem são. 

Mônica Pitanga
Mônica Pitanga é mãe atípica e rara. Formada em Administração de Empresas. Certificada em Parentalidade e Educação Positivas, Inteligência Emocional e Social e Orientação e Aconselhamento Parental pela escola de Porto, em Portugal. Certificada também em Disciplina Positiva pela Positive Discipline Association. Fundadora da ONG Mova-se Juntos pela inclusão.

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