Além do cuidado convencional que um filho exige, a jornada da mãe atípica ainda é permeada por muitas barreiras impostas pelo preconceito e desafios médicos, terapêuticos, financeiros e emocionais, o que exige bastante resiliência e provoca uma carga mental extra.
No geral, o trabalho de cuidar recai de maneira desproporcional sobre as mulheres. São elas que ficam responsáveis pela higiene, alimentação, planejamento da rotina, marcação de médico e terapias, reuniões na escola, acordar à noite e garantir todo o cuidado necessário para manutenção da vida dos filhos que têm alguma deficiência, transtorno ou doença rara.
Essas mães, muitas vezes, têm que abrir mão do estudo, da carreira e do lazer, para se dedicar às atividades de cuidado constante e garantir o bem-estar dos filhos. Seus esforços, que acontecem nos bastidores, frequentemente passam despercebidos. Elas não são remuneradas por isso e muitas vezes, vistas como mulheres que “não trabalham”.
Já o pai atípico não costuma afetar a sua carreira, já que no geral ele continua na esfera pública ou privada ganhando dinheiro e tendo o seu trabalho e valor reconhecido. E muitos, diante dos desafios, ainda abandonam a família.
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Burnout parental
Essa invisibilidade, desvalorização e sobrecarga, podem acabar adoecendo as mulheres. Muitas entram num estado de esgotamento e exaustão chamado de burnout parental. Os sintomas podem variar de pessoa para pessoa, mas geralmente incluem uma combinação de fatores emocionais, físicos e comportamentais como: sentimentos persistentes de tristeza; ansiedade ou irritabilidade; dificuldade em lidar com as emoções dos filhos; sensação de desespero ou impotência; baixa autoestima; cansaço constante, problemas de sono, dores no corpo e de cabeça; dificuldade em se concentrar nas tarefas diárias; isolamento social e um sentimento constante de culpa.
Recentemente, eu estava em um grupo de mães atípicas, desenvolvendo um trabalho como educadora parental, quando escutei de uma delas:
— Mônica, eu estou exausta, cheia de dores no corpo. Lá em casa sou eu que faço tudo. Meu marido não ajuda nos cuidados com nossos dois filhos autistas e recentemente ameaçou ir embora. Eu não estou aguentando mais viver assim.
O pedido de socorro dessa mãe ficou ecoando na minha cabeça a ponto de eu ter uma enxaqueca por dois dias seguidos e desabar no choro. Me senti impotente e lembrei que já tínhamos perdido uma outra mãe em agosto, que faleceu aos 38 anos, com fibromialgia e estava em tratamento de câncer, enquanto exercia a maternidade solo de um filho diagnosticado com autismo e TOD (transtorno opositor desafiador).
No meu trabalho, vejo mulheres-mães que amam seus filhos e gostam de cuidar deles, mas não querem a sobrecarga de ter que cuidar sozinhas. Elas também têm a necessidade de descanso e autocuidado, mas não conseguem um tempo para si, por falta de amparo.
É fundamental que a sociedade reconheça e valorize o trabalho de cuidado das mães atípicas e ofereça apoio. É preciso também que o poder público promova uma escuta a fim de entender as demandas e criar políticas públicas eficazes do cuidado como: a remuneração das mães cuidadoras; investimento em serviços de saúde e assistência social; oferta de programas de treinamento e capacitação das mães com educadoras parentais e psicólogas; investimento e preparo dos profissionais da educação para receber as crianças com deficiência nas escolas e creches; construção de moradias assistidas para jovens e adultos com deficiência, já que as mães envelhecem e junto ao envelhecimento, vêm as limitações físicas; oferta de horários flexíveis e redução da jornada de trabalho para as mães cuidadoras; extensão da licença parental para os pais a fim de que o casal possa sair para cuidar juntos dos filhos no período pós parto; democratização do acesso à terapia que ainda é muito elitizado a fim de melhorar a saúde mental dessas mulheres.
Temos que lembrar que o trabalho do cuidado é fundamental para nossa economia funcionar. Essa é uma pauta que eu venho falando nos meus posts e palestras, e foi tema da redação do Enem 2023. O meu desejo é que o governo, os empresários e a sociedade de um modo geral, se empenhem em transformar essa narrativa de invisibilidade do cuidado em uma história de respeito, apoio, reconhecimento e compreensão. Pois cabe a cada um de nós ajudar a construir uma sociedade mais inclusiva, justa e igualitária.
*Este texto é de responsabilidade do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Canguru News.