No mês de fevereiro participei de uma roda de conversa sobre doenças raras na minha cidade, Cachoeiro de Itapemirim (ES). Estiveram presentes representantes do poder legislativo, executivo, judiciário e algumas mães. A ideia era que o promotor, os vereadores e os representantes da prefeitura ouvissem as demandas que não estavam sendo atendidas.
E de fato são muitas questões: das dificuldades decorrentes da falta do diagnóstico à pouca informação sobre o assunto e os desafios do acesso a alguns exames e tratamentos que são caros.
É uma realidade que eu conheço bem, mas ainda assim fiquei tocada com a situação daquelas famílias tão humildes. E voltei do evento com uma pergunta ecoando na minha cabeça: “o que EU posso fazer para ajudar essas mães?”
A maioria das mulheres que têm filhos com doenças raras são mães solos. Cuidam sozinhas do filho e dos irmãos – algumas têm três, quatro, cinco filhos. Elas não têm rede de apoio, não podem trabalhar fora e vivem de BPC – Benefício de Prestação Continuada – um salário mínimo por mês.
Era visível que essas mães estavam esgotadas física e emocionalmente. Mas em nenhum momento elas falaram de si. Elas estavam ocupadas demais pensando e cuidando dos filhos. Estavam ali como leoas defendendo a sua cria.
Elas pediam o direito dos filhos frequentarem a escola, denunciavam a falta de uma medicação que não chegava na farmácia popular há meses. Uma reclamava que a filha tem uma doença que dá bolhas, faz a pele descamar e ficar em carne viva e ela precisava de um transporte para levar a pequena para a escola, já que a filha não pode pegar sol.
A outra precisava levar a filha cadeirante com frequência em consultas na capital, mas o carro que a prefeitura disponibiliza sai às 5h da manhã e só volta à noite quando todos os pacientes acabam. Seus olhos marejaram enquanto contava como aquilo era penoso para a filha que sentia dores na coluna. Uma outra mãe reclamava que o leite que o filho toma é muito caro e ela não tem dinheiro para comprar.
Eu, no meio dos meus privilégios, não aguentei! Desabei, comecei a chorar e tive dor de cabeça naquele dia. A realidade delas é muito dura!
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Mas por que essas mães não estão sendo atendidas? Por que seus filhos não estão recebendo o básico? Porque não existem políticas públicas que pensam nas famílias raras? Para onde vai a quantidade de imposto que a gente paga?
Temos hoje aproximadamente 13 milhões de pessoas no Brasil com alguma doença rara.
Apesar de que para algumas pessoas, aquelas crianças representam apenas números que incomodam, para suas famílias elas são o João, a Alice, a Luisa, a Veronica, o Samuel… São vidas que importam!
Como educadora parental, me senti tocada a começar um trabalho com elas e em abril demos início ao grupo de educação parental para mães de raros.
No primeiro encontro, pedi que dissessem como estavam chegando. E as respostas foram:
— Exausta, cansada, deprimida, preocupada, desanimada.
É importante dizer que “exausta e cansada se repetiram algumas vezes.”
Depois de uma hora de dinâmicas, escuta, trocas e reflexão, lanço a pergunta:
— Como vocês estão saindo daqui hoje?
— “Aliviada, esperançosa, feliz, grata”
Sei que muitos dos problemas delas continuam lá, mas naquela tarde eu consegui ser ponte e trazer acolhimento, afeto e esperança.
Definitivamente, não é fácil falar de educação respeitosa, disciplina positiva, inteligência emocional e comunicação não violenta para quem não tem nenhuma rede de apoio, não tem acesso a livros e cursos, não tem tempo para praticar o autocuidado, apanhou muito na infância e ainda usa palmadas e ameaças para educar. Mas eu estou disposta a seguir, construindo junto com elas um novo caminho.
Em novembro, quando encerrar esse ciclo, espero ter muitas boas histórias para contar aqui.
*Este texto é de responsabilidade do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Canguru News.