Acabam de ser divulgados os resultados do Ideb, o indicador do Ministério da Educação para a qualidade do ensino. Calculado com base em testes de leitura e matemática, além do percentual de alunos que conseguem passar de ano, o Ideb reflete uma preocupação com variáveis essenciais da educação básica − as mesmas que guiavam as escolas onde estudaram os adultos de hoje, seus pais, seus avós…
Longe de mim menosprezar o Ideb. Se há algo de que a educação brasileira precisa é de indicadores capazes de mostrar o que está funcionando na sala de aula. Como dizem os gestores, tudo que é mensurável pode ser melhorado. E o conhecimento de matemática e língua portuguesa é premissa para a cidadania e o desenvolvimento. Portanto, legítimo e necessário o foco do Ideb nas habilidades e competências que nossos estudantes desenvolvem − ou não − na escola.
Mas chamo atenção aqui para outra dimensão no repertório de atribuições da escola: a das habilidades socioemocionais, a capacidade de lidar com as próprias emoções e de se relacionar (bem) com os outros. Em meio à pandemia e à série interminável de lives a que passamos a ter acesso, tive a sorte de assistir a uma apresentação do psicólogo e jornalista norte-americano Daniel Goleman, autor do best-seller “Inteligência emocional”.
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“O grande diferencial é a habilidade emocional de tomar decisões e de fazer escolhas”, destaca Goleman
Falando a educadores, ele enfatizou dois pontos: saber lidar com as emoções não só potencializa a aprendizagem, mas é uma habilidade mais importante e decisiva para o futuro profissional − ainda mais de quem sonha voar alto na carreira.
“As habilidades que se aprendem na escola são necessárias para poder cumprir o seu trabalho. Mas essas habilidades não serão o diferencial para a alta performance”, disse Goleman. “O grande diferencial é a habilidade emocional de tomar decisões e de fazer escolhas.”
O modo como agimos diante de uma frustração diz muito da nossa inteligência emocional − ou da falta dela. Gerenciar contratempos requer a habilidade de transformar emoções negativas em combustível para a busca de soluções. “Qualquer um pode ficar com raiva, isso é fácil”, pontuou Goleman. Bem diferente, segundo ele, é “ficar com raiva da pessoa certa, no tempo certo e do jeito certo”.
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Exercícios de controle emocional
A palestra foi realizada no último dia 19 de agosto, em evento promovido pelo “SAS Plataforma de Educação”, empresa que desenvolve conteúdo, tecnologia e serviços para escolas no Brasil. Goleman falava a uma plateia virtual de professores e gestores escolares às voltas com o ensino remoto, após meses sem aulas presenciais. Logo, nada mais oportuno que uma conversa sobre
inteligência emocional.
Mas como ensinar habilidades emocionais às crianças? Goleman contou sobre uma visita a uma escola de Nova York, em área de famílias de baixa renda. Diariamente, crianças de 7 anos faziam um exercício de controle emocional: deitadas no chão, colocavam um brinquedo sobre a barriga e respiravam, vendo o brinquedo subir e descer, no ritmo em que inspiravam e exalavam o ar.
“Esse tipo de exercício aumenta a concentração e a capacidade cognitiva, ajuda a controlar impulsos e a gerenciar emoções”, disse ele, lembrando que respirar fundo, segurar o ar ao máximo e soltá-lo bem devagar gera efeitos positivos para todos. “Se você faz isso três ou seis vezes, há uma mudança imediata na sua fisiologia, você fica mais relaxado. Biologicamente muda o seu corpo.”
De acordo com Goleman, habilidades emocionais podem ser ensinadas. E, nas escolas que fazem isso, os estudantes tiram notas mais altas. De alunos na faixa dos 6 a 8 anos, espera-se que saibam dizer por que é errado machucar os outros; dos 12 aos 15 anos, que consigam explicar atitudes como compaixão e honestidade, além de ter consciência do impacto de suas ações.
Ele citou uma questão a ser discutida com crianças de 7 anos: “Imagine que alguém roubou o seu lápis de cor, o que você pode fazer para melhorar ou piorar a situação?”
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Pandemia: um ritmo mais devagar de ensino
Se é verdade que a suspensão das aulas presenciais afeta todos, as reações ao isolamento − e ao confinamento em casa − variam conforme a faixa etária. Goleman acredita que crianças pequenas gostam da maior convivência com os pais. Para meninos e meninas de 10 anos, porém, a distância dos amigos pode ser traumática.
“Toda criança sente a ansiedade no ar em relação a esse vírus. E a ansiedade se manifesta de várias maneiras: dificuldade de dormir, pesadelos, raiva”, afirmou. “Uma coisa que podemos fazer é ensiná-las a gerenciar a ansiedade.”
Aos professores, Goleman deu pelo menos duas sugestões: primeiro, cuidar de si mesmos antes de mais nada, pois só terão condições de ajudar os alunos se estiverem bem; durante as aulas, reduzir o ritmo do ensino e considerar que nosso cérebro tem dificuldade, diante da tela do computador, de captar as reações dos estudantes e de sentir o pulso da turma.
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Contar histórias é um meio poderoso para ensinar com mais leveza, diz o psicólogo
É preciso, assim, trabalhar com mais leveza: “Um meio poderoso para isso é contar histórias. Claro, você tem que contar uma história que se encaixe no conteúdo. Outra forma são as piadas, fazer as pessoas rirem”, indicou.
“Recomendo irem num ritmo mais devagar de ensino. De vez em quando, parar, contar uma história, uma piada, porque é uma situação muito difícil.” Goleman observou que não se sabe ainda como a suspensão das aulas presenciais e o isolamento vão impactar a atual geração de meninos e meninas. “Crianças aprendem habilidades sociais estando com outras crianças. Vai demorar anos até a gente saber”, disse ele, antes de concluir: “Por outro lado, o cérebro tem a capacidade de aprender e de mudar ao longo da vida e poderá desenvolver esse lado. Sob esse ponto de vista, fico otimista.”
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Canguru News.
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Oi, Helena, que bom que você gostou. Obrigada!
Maravilhosa essa palestra. Tive o privilegio de assistir ao vivo. Parabéns pela publicação!