‘Estou amando não ‘ser mãe’ por algumas horas’

A escritora Sheila Trindade conta da alegria de poder voltar a estudar de forma presencial e de ter tempo para si: "Por incrível que pareça, eu descobri lá na escola, que posso me sentar. Até comer, no intervalo, sem ser interrompida, acredita?"

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Mãe sorridente sentada no chão lendo livro; conceito de poder trabalhar ou estudar sem filhos por perto
"Luiza, minha filha, já coleciona seringas, luvas e um estetoscópio velho que descolei para ela. Passa as tardes brincando de enfermeira com as bonecas, ciente que a mãe dela faz o que ama", conta Sheila
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Todo ano é sempre igual. Ao término das festividades de fim de ano, começamos a planejar a volta às aulas. Se tem um momento satisfatório na vida de uma mãe, pelo menos desta aqui, é a volta às aulas. Este ano, porém, eu me preparei para o início do ano letivo não dos meus filhos, mas meu. Após um ano inteirinho cursando enfermagem via Ead (educação a distância), sendo uma profissão em que a prática é tão importante, estava empolgada para aprender presencialmente.

Enfatizando bem que, para ser presencial, eu teria que sair de casa, sozinha e me deslocar para um local em que eu não mais precisaria falar, pensar ou fazer só coisas ligadas a minha maternidade. Veja só que loucura! Uma mãe que, pela primeira vez, não precisaria se preocupar com lanche, tarefas e apartar brigas a cada dois segundos. Por incrível que pareça, eu descobri lá na escola, que posso me sentar. Até comer, no intervalo, sem ser interrompida, acredita?

Eu sei, dizem por aí que boas mães gostam mesmo é de ficar grudadinhas nas crias 24 horas por dia. Dizem que absolutamente tudo na vida das mães precisa girar em torno e com o único objetivo de fazer os filhos felizes.

Mas ó, só para te contar, que não. Não é verdade. Filho não precisa ser sua única fonte de satisfação, dá para fazer planos que não são relacionados à maternidade.

Isso me faz uma mãe ruim? Se sim, devo ser líder do clubinho, com carteirinha plastificada e tudo, porque estou amando, não “ser mãe” por algumas horas. Lembrei-me de uma amiga contando que a mãe dela quando saia para trabalhar sempre dizia que queria poder ficar em casa, mas que TINHA que ir trabalhar. Ela se recorda também que, mesmo diante deste “sacrifício”, sua mãe saia toda arrumada e feliz para o trabalho. A minha também era assim. Sempre cheirosa, em cima de um salto para ir trabalhar. Eu percebia o quanto a profissão a fazia feliz, a mesma que ingresso agora, com os meus 30+. É engraçado pensar que, quando era adolescente, acreditava que aos 30 tudo estaria resolvido: carreira, vida financeira, família, tudo!

Na minha turma, composta em sua maioria por mulheres, há muitas mães 30+. Todas com essa força de vontade e coragem para recomeçar. Todas felizes por sair de casa para estudar. O ano passado, em EAD, foi uma loucura, já contei aqui. Teve criança respondendo minha chamada, teve atividade sendo feita enquanto fazia o jantar também. Sinto que fiz tudo pela metade, não me dediquei de fato a nada. Me sentia uma impostora que fingia ser boa mãe, enquanto enganava meu professor com aulas que eu mal assisti, a todo instante interrompidas por alguma urgência doméstica.

Agora não. Assim como minha mãe, saio feliz e arrumada, não fingindo lamento para meus filhos. Carregando meus materiais, sento na carteira e me concentro apenas na matéria. Faço meu lanche tranqüila enquanto converso com minhas amigas e volto para casa cheia de novidades. Luiza, minha filha, já coleciona seringas, luvas e um estetoscópio velho que descolei para ela. Passa as tardes brincando de enfermeira com as bonecas, ciente que a mãe dela faz o que ama.


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