Depressão não é pauta para ganhar likes

A escritora Sheila Trindade reflete sobre a crise de saúde mental que enfrentou no ano passado

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Mulher em depressão sentada na cama abraça travesseiro
A depressão é uma doença sutil e silenciosa
Buscador de educadores parentais
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“Eu queria sentir o vento no rosto voar. 
Mas meus pés estão grudados no chão. 
Sinto-me como em carne viva, qualquer toque dói. 
Então, prefiro não sentir. 
Prefiro ser cicatriz: inerte, anestesiada, insensível, indolor. 
Eu não suporto o toque. 
Sou uma ferida aberta e só o vento me consola.“

Escrevi esses versos há cerca de um ano e os encontrei recentemente dentro de um livro anotado em papel amassado. Depois de todo esse tempo, percebo no texto toda a dor que eu sentia em silêncio. Porque depressão, diferentemente do que dizem por aí, é uma doença sutil, ardilosa, silenciosa. 

Tudo acontece aos poucos. Seu tom de voz sobe todos os dias um pouquinho, a vontade de levantar da cama se esvai juntamente com o sorriso fácil da vida cotidiana. Morremos um tanto, pouco a pouco e nem percebemos. 

Eu só notei o quanto precisava de ajuda quando além dos gritos, quase parti para a agressão ao meu marido. Senti que me tornara perigosa para mim e todos ao redor. O processo de sair às pressas e ir ao médico foi até rápido. Mais especificamente, coisa de minutos. Fui sozinha. Era algo que eu mesma queria fazer. 

Diagnosticada com depressão e ansiedade, o tratamento parecia simples: 

– Só tomar esse remédio uma vez ao dia, tá? – Disse pacientemente o psiquiatra. 

Fui cética. Não acreditei que uma pílula pela manhã me traria a vontade de viver. 

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– Quando a gente tem uma doença no coração, cuidamos, tomamos remédio, fazemos até cirurgia. O coração está doente e você precisa tratar. Mas quando é na cabeça, não aceitamos. Achamos frescura. Porque a doença do coração está no coração. A doença da cabeça está na gente. E não gostamos de admitir que tem algo de errado conosco. – Dizia o médico. 

– Qual o seu medo? – Me perguntou, em seguida. 

– Tenho medo de perder o humor. Preciso de humor para escrever. 

Na minha cabeça, melhor do que ser saudável, queria ser produtiva. Morrer de tristeza, ok. Sem fazer algo significativo, jamais!

Felizmente, estava errada. O humor continua intacto. Minha cabeça, antes vacilante, hoje pensa com mais clareza. Redescobri meu tom de voz e minha risada. Pude ver o ambiente ao meu redor mudar também. A família toda sentia de alguma forma o que eu estava passando. Como uma pedra jogada na água, dava para ver o raio das ondas indo longe a cada grito, no silêncio, quando eu precisava dele para não surtar. 

Não pense que não tive mais crises. Na última, cortei meu cabelo que estava deixando crescer. Chorei por me sentir doente e não ter meu emocional sob controle. Tudo porque fiquei dois dias sem meu remédio. Emocional saudável é para quem pode pagar por ele. Terapia, remédios e – por que não? – contas pagas, comida na mesa fazem parte do combo “mente sã”. Nem todo mundo tem acesso. Eu, por dois dias, não tive e fiquei daquele jeito. 

Me lembrei nesta hora das infinitas publicações sobre setembro amarelo. Dentre tantas informações sérias, há também as “soluções de sofá”, de quem não sabe o que o outro está passando. A falsa empatia de quem só sabe postar textão apoiando quem é depressivo, mas que, na prática, tira a paz de quem precisa dela. 

Depressão não é pauta para ganhar likes. E pensar em todos que lutam, com recursos ou não, para ficarem bem, é o primeiro passo para de fato se conscientizar.

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