Certo “Dia das Mães”, me deparei com uma homenagem de uma atriz famosa para a sua mãe. No texto, ela reconhecia a ajuda, a presença e a dedicação de sua mãe. Para ilustrar a homenagem, ela usou a foto da mãe vestida de mulher maravilha. Uma declaração bonita e tocante, replicada por sites de notícias e afins. Não há nada mais precioso do que a própria vida. Sentir-se beneficiário deste presente, perceber que alguém sacrifica a própria vida para que você viva melhor, certamente nos faz sentir amados e importantes.
A entrega implícita na maternidade não é apenas bonita, ela dá sentido à vida. De certa forma, filhos nos dão propósito. Propósito é sobre sentir que você adiciona valor para uma causa, pessoas, ou objetivos que são importantes para você, mas que transcendem seus desejos autocentrados. A maternidade nos dá a oportunidade de colocar nossos interesses em segundo plano para beneficiarmos outra pessoa. Contribuímos para algo grandioso, o desenvolvimento de nossos filhos. A vida passa a ter um sentido para além de nós mesmas. De fato, os estudos mostram que quando comparadas às mulheres sem filhos, mães reportam um maior número de momentos significativos durante o dia e um maior senso de propósito.
O paradoxo da maternidade
No entanto, para sermos felizes precisamos mais do que propósito. Roy Baumeister, um dos maiores psicólogos contemporâneos, chamou de “paradoxo da parentalidade” o fato de que a maioria das pessoas deseja ser feliz e ter filhos, quando na prática estes objetivos são contraditórios. A parentalidade reduz a felicidade. Há um grande número de trabalhos científicos que constatam que as mães são geralmente menos felizes do que as mulheres sem filhos, e que estamos menos felizes do que em gerações passadas. As exigências da maternidade, as preocupações e os sacrifícios, fazem com que nós, mães, tiremos notas mais baixas nos questionários que mensuram a satisfação com a vida.
Vínculos para além dos filhos
Pesquisas demonstram que para sermos felizes, precisamos atender às nossas necessidades básicas. De acordo com Ryan e Deci, psicólogos conhecidos por formularem a teoria da autodeterminação, três necessidades psicológicas desempenham um papel fundamental no nosso bem-estar. A primeira delas é o vínculo social, seres humanos precisam sentir que têm laços de amor, confiança e amizade. E aqui temos um problema, porque as exigências da maternidade somam-se a tantas outras, subtraindo o tempo e energia necessários para a construção e manutenção de laços afetivos. Isso explica porque a satisfação com o relacionamento diminui depois que os casais têm filhos. Temos menos tempo para o lazer, e muitas vezes não temos apoio necessário para ampliarmos nossas vidas para além de nossas casas. O nosso estilo de vida urbano, apartado de uma rede de apoio, nos faz sentir ainda mais solitárias.
Necessidades básicas são para seres humanos, e não para super-heroínas
Antigamente, vivíamos em tribos e a responsabilidade pela criação dos filhos era coletiva. Hoje, esta responsabilidade se resume a duas pessoas, pai e mãe, e frequentemente a uma só, a mãe. Mais de 5 milhões de estudantes brasileiros não têm o nome do pai na certidão de nascimento e 45% dos nossos lares são chefiados por mulheres. Mesmo quando o casal vive junto, a mulher normalmente assume uma proporção maior do trabalho da casa e relacionado aos filhos, independentemente se ambos trabalham. A sobrecarga dificulta que as mães consigam satisfazer a segunda necessidade psicológica humana, que segundo Ryan e Deci, é a competência pessoal.
Para sermos felizes, precisamos sentir que somos capazes de atingir os objetivos que são importantes em nossas vidas. Quando percebemos que não damos conta do que é importante, nos sentimos incompetentes e inadequados. Mas é impossível realizar objetivos de uma tribo inteira e ainda com excelência. Assumir tantos papéis pode ser possível quando se é super-heroína. Mas para mulheres humanas, isso chama-se violência.
É como dormir com um cobertor curto, se cobrimos os pés descobrimos os ombros. Se nos dedicamos ao acompanhamento das aulas online, deixamos de entregar resultados no trabalho, se nos dedicamos aos relacionamentos, sentimos culpa porque nossos filhos estão sozinhos, se nos dedicamos ao trabalho, a qualidade dos nossos relacionamentos com os filhos é prejudicada, se paramos de trabalhar, sacrificamos nossa autonomia. Além disso, porque somos as principais responsáveis pela criação dos filhos, ficamos superidentificadas com o desenvolvimento das crianças. Achamos que a culpa é nossa se o bebê não parar de chorar, se a criança não ler na idade certa, ou se o adolescente for rebelde.
Se não tem escolha, vai com ressentimento mesmo
As mães também encontram problemas para satisfazer a terceira necessidade psicológica humana, que é a da autonomia. Para sermos felizes, precisamos saber que podemos escolher as nossas ações de acordo com nossos valores. Uma forma que muitas mães sacrificam a autonomia é quando deixam de trabalhar para cuidar dos filhos, já que o senso de escolha na sociedade moderna vem junto com a independência financeira. Outra forma é quando nos sentimos obrigadas a fazer o contrário do que julgamos adequado. Sentimos que precisamos descansar, mas não temos quem possa ajudar com a criança que acorda a noite. Gostaríamos de fazer a adaptação na escola, mas tememos a reprovação se chegarmos mais tarde no trabalho. O apoio e a divisão de tarefas criam o espaço para tomada de decisão. Mas como não temos apoio, fazemos o que é necessário mesmo que ressentidas, ponto final.
Macieiras não podem dar laranjas
E se você chegou até aqui pensando que a nossa infelicidade é o preço que pagamos pelo bem estar dos nossos filhos, enganou-se. Pesquisas demonstram que a nossa capacidade de sermos competentes no papel materno é prejudicada quando não atendemos as nossas necessidades básicas. Ou seja, nossos filhos também pagam o pato. Um estudo constatou que quando não temos um senso de conexão com outros adultos, podemos cobrar demais dos nossos filhos, muitas vezes manipulando as emoções das crianças para que elas se tornem dependentes da nossa atenção, aprovação e amor. Outro estudo identificou que quando nos sentimos incompetentes, podemos utilizar técnicas de disciplina autoritárias e castradoras, que impedem que a criança construa um senso saudável de autonomia. Um terceiro estudo identificou que quando a nossa necessidade de autonomia não é preenchida, podemos abusar do controle e do autoritarismo para que nossos filhos atendam expectativas e demandas externas.
Mães sobrecarregadas e que se sentem isoladas, incapazes ou pressionadas tendem a usar com maior frequência o autoritarismo, a frieza, a manipulação emocional e psicológica. Isso acontece porque estas técnicas tendem a ser mais eficientes no curto prazo, as crianças respondem mais rapidamente. O problema é que estas técnicas funcionam justamente porque são dolorosas demais para a criança. No longo prazo, elas prejudicam o desenvolvimento da personalidade, a saúde emocional e o futuro dos nossos filhos.
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No seu dia, liberte-se de capa
Um estudo ficou famoso por ilustrar a nossa necessidade de pausa. Com o intuito de mensurar a importância do lazer e das tarefas prazerosas para o nosso bem-estar, pesquisadores pediram a voluntários que se envolvessem apenas com atividades produtivas durante alguns dias. Seriam dias sem livros, sem televisão, sem hobbies. Após 48 horas de produtividade pura, o nível de ansiedade e estresse dos voluntários chegou a níveis patológicos e a pesquisa precisou ser interrompida por razões éticas. Mulheres-maravilha podem até conseguir passar semanas, meses ou anos vivendo dias similares aos voluntários desta pesquisa. Mas mulheres humanas adoecem.
Existe um romantismo em volta da dedicação materna, que nos faz orgulhar de sermos super-heroínas. Como se a nossa exaustão fosse um troféu e nossa capacidade de suportar o estresse fosse um sinal de força. No dia das mães, é comum recebermos presentes acompanhados de mensagens que honram nosso sacrifício. Desta vez, aproveite para distribuir responsabilidades que você assume sozinha. Faça uma lista do que pode ser feito por outras pessoas. Faça regras para você mesma, por exemplo, não trabalhar depois do jantar. Apare os excessos. Converse com pessoas que possam te apoiar e firme compromissos com elas.
O verdadeiro superpoder materno
É possível reequilibrar tarefas, mas não é possível ser perfeita. Acolher as nossas imperfeições e dificuldades com gentileza é o primeiro passo para a autocompaixão. Ser autocompassiva envolve reconhecer que seus erros e dificuldades significam que você é normal e humana, e não diferente e inferior. Na autocompaixão, o respeito que sentimos por nós mesmas vem do reconhecimento de que estamos fazendo o nosso melhor para lidar com dificuldades que não escolhemos, e que na maioria das vezes não controlamos. Mães autocompassivas lidam melhor com os próprios erros, aprendem com as dificuldades e recuperam mais rápido das falhas. No longo prazo, mulheres autocompassivas se tornam melhores mães. Além disso, a autocompaixão nos dá resiliência emocional, conseguimos ser apoio para nós mesmas em vez de nos cobrarmos sempre mais. Autocompaixão é sobre entender os seus limites e saber pedir ajuda. Por isso, mães autocompassivas são menos estressadas e reativas, conseguem adotar técnicas de disciplina mais gentis e lidam melhor com as imperfeições dos filhos. Como resultado, elas têm uma conexão mais forte com as crianças. Na minha pesquisa com 246 pares de mães e adolescentes, descobri que mães autocompassivas tem filhos mais autocompassivos também. Quando honramos a nossa humanidade, inspiramos nossos filhos a fazerem o mesmo. Se existe um superpoder na maternidade, este poder é a autocompaixão.
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