A neurociência por trás das relações entre pais e filhos

Novo livro de Telma Abrahão, "Educar é um ato de amor, mas também é ciência", explica o desenvolvimento do cérebro infantil e como isso interfere no comportamento da criança; obra será lançada neste sábado (20), em São Paulo

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Telma Abrahão lança novo livro: Educar é um ato de amor , mas também é ciência
Para Telma Abrahão, entender como funciona o cérebro da criança permite que os pais ajustem suas expectativas e não esperem dos filhos comportamentos que eles não são capazes de ter
Buscador de educadores parentais
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Educar não é instintivo, tem que buscar conhecimento para agir de maneira saudável, digna e respeitosa”, diz a biomédica mineira Telma Abrahão, que usa os conhecimentos da neurociência para orientar mães e pais a educarem seus filhos. Mãe de um casal, ela conta que começou a pesquisar a educação positiva em 2018, após sentir na pele os desafios no dia a dia com os filhos. Os aprendizados deram tão certo em casa que ela se apaixonou pelo assunto, fez vários cursos, se certificou como educadora parental e passou a trabalhar com isso, fundando a escola de pais Positive Parenting Education, na Flórida (EUA), onde vive.

Em 2020, em plena pandemia, Telma lançou seu primeiro livro, “Pais que Evoluem”, que em poucas semanas se tornou um best-seller no Brasil na categoria não ficção, ao falar sobre a importância do autoconhecimento para promover mudanças e ajudar os filhos a se desenvolverem de forma emocionalmente saudável. Agora, ela lança sua nova obra, “Educar é um ato de amor mas também é ciência”, que explica o desenvolvimento do cérebro infantil e como isso impacta nas emoções e no comportamento da criança, em situações como a birra ou a malcriação, por exemplo.

“O maior problema dessa falta de entendimento em relação ao comportamento infantil é esperar da criança um comportamento que ela ainda não é capaz de ter”, diz Telma, que é especializada em Neurociência Comportamental Infantil.

Uma maior compreensão do assunto é fundamental, segundo a autora, para que os pais possam ajustar suas expectativas e evitem reproduzir padrões de educação que vivenciaram na infância, como a punição e o castigo, hoje considerados ineficazes por boa parte dos educadores. “Viemos de uma geração que não aprendeu a lidar com o que sentíamos, aprender a sentir raiva sem ferir, sem machucar nem agredir”, lembra.

Situações estressantes na infância podem resultar em impactos negativos de longo prazo, afetando a vida e a saúde da criança até quando adulta, ressalta a especialista. Mas há como mudar isso. A seguir, Telma fala mais sobre o novo livro, que conta com prefácio de Ivana Moreira, fundadora da Canguru News, e será lançado em sessão de autógrafos neste sábado (20), às 16h, na Livraria da Vila, no Shopping Morumbi, em São Paulo.

1. Qual a importância da neurociência para a educação dos filhos?

Embora seja no Brasil algo ainda muito novo, nos Estados Unidos a neurociência já é levada em consideração e estudada na educação, nos relacionamentos entre pais e filhos, há mais de 40 anos. Ela é extremamente importante porque leva em consideração a biologia humana, a forma como fomos programados para sermos cuidados e nos relacionarmos com os nossos pais. A criança humana nasce com o cérebro imaturo e 100% dependente de seus cuidadores, então a falta de entendimento do desenvolvimento infantil acaba levando a criança a sofrer traumas, abuso emocional, abuso físico, e hoje a ciência já comprovou através de estudos o quanto as adversidades vividas na infância impactam a saúde emocional, física e mental do futuro adulto.

2. Por que os pais têm de entender como funciona o cérebro das crianças?

Quando não entendemos o comportamento infantil nem que a criança tem um cérebro imaturo, que ela não é um mini adulto, temos expectativas irreais em relação ao comportamento dela. Podemos esperar, por exemplo, que uma criança de 3 anos fique sentada no sofá quietinha, ou então que siga todos os seus comandos, ou que você fale uma única vez e ela compreenda, só que não é assim que funciona. O aprendizado humano é um processo que leva tempo, que leva anos, e a criança vai se desenvolvendo não só com o passar dos anos, mas também com as experiências que ela tem no meio ambiente em que ela vive, naquele ambiente em que pai e a mãe se relacionam com ela. Então, por exemplo, se os pais são pessoas explosivas, não adianta querer que essa criança aprenda a ser uma criança calma ou que saiba lidar com as próprias emoções. O maior problema dessa falta de entendimento em relação ao comportamento infantil é esperar da criança um comportamento que ela ainda não é capaz de ter, e isso acaba levando os pais a usarem a violência e a agressividade com os filhos, porque acreditam que a criança está agindo de determinada forma, de maneira proposital, para poder atacar ou testá-los, e isso acaba gerando a violência nas famílias.

3. Poderia dar exemplos das consequências de traumas vividos na infância?

Quando a criança vive um trauma ou traumas durante a infância, aquilo molda a forma com que ela se relaciona não somente com o mundo, mas com ela mesma. A percepção que ela tem sobre o mundo, sobre as relações, a forma como se vê na relação com o amigo, com a amiga. A criança que apanhou muito, que nunca foi ouvida, nunca foi vista, não se sentia segura dentro da própria família, vai precisar se defender, vai precisar se cuidar sozinha, porque ela não aprendeu a confiar em ninguém, não aprendeu a contar com esse adulto cuidador. Então ela pode se tornar uma criança agressiva, uma criança que bate e que reage, antes mesmo que alguém faça algo para ela, porque o cérebro dela vai reconhecer a ameaça no outro. Ela não aprendeu a confiar no outro, então todo mundo pode ser visto como uma ameaça para ela, os amigos, colegas, professores, e aí vira aquela criança agressiva, que vai se relacionar mais tarde, num casamento, no namoro, também com agressividade, porque foi a forma que ela experimentou os primeiros anos de vida. Então, ela acaba se defendendo para não sofrer, acaba entendendo que é assim que se relaciona. O trauma traz essa sensação de que aquela situação, aquele problema vivido lá atrás, continua se repetindo constantemente.

4. Obrigar a criança a comer tudo. Gritar com ela ou bater para que faça o que desejamos. Quais os prejuízos desse tipo de comportamento?

Os adultos acabam olhando para a criança como se ela não tivesse importância, não tivesse valor, como se ela não sentisse, ou ainda pior como se fosse um ser terrível, um ser que nasceu para nos manipular, nos atacar, e que precisamos nos defender dela. O entendimento antigo é que é preciso bater, punir e castigar para que essa criança se torne um adulto bom, e não é isso. Nós nascemos bons, o que nos torna mal é o meio, é a violência do meio em que vivemos, é a agressividade, a falta de respeito, a falta de dignidade com que somos tratados. A violência gera violência. Quando um pai ou mãe obriga uma criança a comer, ele está violentando aquele corpo. Uma criança às vezes está satisfeita, ela tem um estômago pequeno, e o pai ou a mãe coloca um monte de comida no prato e quer obrigar a criança a comer. Você está desrespeitando a biologia humana daquela criança. Sentimos quando estamos satisfeitos, então temos que dar aos nossos filhos para comerem e ficarem satisfeitos e não para limpar o prato.

5. Como você diz, os pais repetem padrões de sua infância, ou seja, eles educam seus filhos da maneira como foram educados. Como mudar esse ciclo?

Quando um pai ou uma mãe grita e bate, muitas vezes está considerando só o que esse pai pensa, o que ele sente, mas não considera o que a criança sente. Ela não se sente vista, não se sente importante, amada, acolhida. Isso gera revolta, gera também muito medo, e uma criança com medo, desconectada do pai e da mãe, é uma criança que pode apresentar problemas de ansiedade, de comportamento, de aprendizados na escola. O cérebro humano precisa de segurança emocional para que se desenvolva de forma emocionalmente saudável. 

Eu falo que a única forma de quebramos esse ciclo é se reeducando, é se olhando, ressignificando tudo aquilo que vivemos, entendendo que o que nos aconteceu impacta a forma como nos relacionamos não só com o mundo mas com a gente mesmo. Viemos de uma geração que não aprendeu a lidar com o que sentíamos – aprender a sentir raiva sem ferir, sentir raiva sem machucar, nem agredir. O primeiro passo é a reeducação emocional, entender que as emoções são humanas.

A partir do momento que eu aprendo a lidar com o que eu sinto, que eu aprendo a regular minhas emoções, eu vou ensinar meus filhos a fazerem o mesmo. Não tem como querer respeito sem respeitar, querer filhos emocionalmente saudáveis estando doentes emocionalmente, ou querer filhos que saibam lidar com as próprias emoções, se nós ainda não aprendemos a fazer isso. 

O autoconhecimento e conhecimento, porque se você só sabe bater e gritar, você precisa desenvolver novas habilidades para conseguir lidar com os desafios comportamentais das crianças e isso exige conhecimento. Por isso  sempre falo que educar não é instintivo, tem que buscar conhecimento para poder agir de maneiras mais saudáveis, mais dignas e respeitosas. 

6. Mesmo os pais conscientes de como educar os filhos de forma digna e respeitosa enfrentam dias difíceis. Por quê?

É difícil porque educar é algo desafiador, a criança tem muita energia, ela tem um cérebro imaturo, ela exige muita energia dos pais, muita dedicação. Precisamos repetir muitas vezes para que a criança aprenda, esse processo de amadurecimento do cérebro humano leva pelo menos duas décadas, é algo que exige muito dos pais. E não tem a ver com queremos ser perfeitos ou esperar a perfeição dos filhos, a perfeição não existe. É um processo de aprendizado tanto para as crianças quanto para nós adultos, sobre aprender a se relacionar com os nossos filhos, respeitar as diferenças, porque nossos filhos são diferentes de nós e são diferentes entre eles também. Se tivermos 3, 4, 5 filhos, cada um vai ter uma forma de agir, uma forma de ser. Isso tudo é muito desafiador e exige que tenhamos inteligência emocional, que aprenda a usar empatia e habilidades emocionais que muitas vezes não aprendeu lá atrás. O maior desafio está justamente em nos reconstruirmos. Por isso falo que são pais que evoluem. Estamos o tempo todo tendo oportunidade de ter um relacionamento com os filhos e aprender com nossas dificuldades. Você começa a perceber que pode não ter paciência, que é uma pessoa explosiva, e de repente vai ter que aprender a esperar, aprender a contar até três, mudar sua forma de agir em prol do bem-estar emocional de toda a família. 

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