A difícil tarefa de falar sobre a morte

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Vale dizer que o outro virou uma estrela, uma sementinha ou que foi morar com Deus. Só não pode fingir que ela não existe
POR Sabrina Abreu

Luto | Ilustração: Juliane FerreiraO primeiro dia de aula costuma ser animado, cheio de reencontros e de novidades. No início deste ano letivo, entretanto, a tarde começou com um clima tenso e saudoso no Instituto Educacional Despertar, no Sion. Pedro, de 9 anos, não estava mais entre os alunos. Enquanto passava as férias de janeiro com a mãe, a jornalista Sônia Pessoa, em Paracatu, no interior de Minas, o garoto sofreu um mal súbito, entrou em coma e morreu. Além de tristes com a notícia, os pais dos estudantes estavam preocupados com a maneira de contar às crianças. “Antes do reinício das aulas, alguns pediram para que os professores comunicassem o que havia acontecido, porque não tiveram coragem de falar a respeito”, conta a professora Carolina Neuenschwander. Mas como introduzir os pequenos a um assunto com o qual muitos adultos têm dificuldade de lidar?

“A melhor forma de se comunicar com a criança é sempre falando a verdade, com o cuidado de usar uma linguagem que ela consiga entender”, afirma a psicóloga infantil Flavia de Arruda Gomes. “É especialmente importante responder se ela fizer uma pergunta, porque isso significa que está precisando da informação.” Foi exatamente o que fez Clausi Diniz, professora escolhida para falar com a turma. A pergunta “Onde está o Pedro?” foi o ponto de partida para a conversa. Sentadas em roda, as crianças ouviram o resumo do que aconteceu e souberam que o amigo não voltaria nunca mais, “porque, tão bacana que era, tinha sido chamado para ficar perto de Deus”. A professora optou por não usar o verbo morrer. Mas quando os alunos concluíram e disseram “o Pedro morreu”, ela confirmou. No dia a dia, a saudade tem sido vivida de forma leve. “Antes do Carnaval, por exemplo, enquanto confeccionávamos máscaras para a turma, surgiu a ideia de fazer uma para o Pedro. E fizeram, como uma homenagem”, lembra Clausi.

Não existe uma metáfora ou mesmo uma explicação certa para tratar do fim da vida. O importante é encontrar o modo mais verdadeiro de se expressar, de acordo com seus valores e crenças. “Alguns falam que quem morreu virou estrelinha, outros usam o recurso da religião. Se uma família não for religiosa, pode falar que a vida acabou e que a pessoa vai retornar à terra e se transformar numa sementinha que vai crescer”, esclarece a psicóloga. Mais do que o impacto das palavras, segundo a especialista, as crianças percebem e absorvem o comportamento ao seu redor.

Entre os pequenos, alguns sinais de dificuldade em superar a perda são voltar a falar como bebê ou fazer xixi na cama. Alguns se tornam mais introspectivos e passam a esconder os sentimentos. “Os mais novos também podem se beneficiar do tratamento com especialistas, e não há razão para ter preconceitos”, avalia Flavia. Segundo ela, uma boa forma de introduzir o conceito de morte e a experiência da perda na infância é o convívio com animais de estimação. Como o bichinho, normalmente, tem a vida mais curta, há tanto a criação do laço afetivo, quanto a observação de todo o ciclo da existência, desde quando é filhote até a velhice.

Para tentar ajudar a quebrar o tabu com que a sociedade trata a morte, entrou no ar, em janeiro deste ano, o site Vamos Falar Sobre o Luto, realização de sete amigas, que, desde 2014, entrevistaram mais de 170 pessoas sobre a experiência do luto e lançaram um documentário a respeito. Na primeira semana on-line, o endereço recebeu mais de 300 000 acessos. “Nossos entrevistados falam sempre de como se sentiam constrangidos durante o luto”, revela a jornalista Sandra Soares, que faz parte da equipe de idealizadoras. Outra das responsáveis pelo site, a também jornalista Cynthia de Almeida perdeu o filho Gabriel, de 20 anos, em um acidente de carro. No primeiro ano de ausência do rapaz, um amigo dele deu à família a ideia de fazer uma festa em sua homenagem, com tudo de que ele mais gostava, como músicas tocadas no violão e uma prancha de surfe. “Houve essa ruptura com uma grande festa, que é um tributo feito até hoje”, lembra Cynthia.

Caçula entre os três filhos de Cynthia, a atriz Luisa Taborda tinha 11 anos nessa época. “De madrugada, eu percebi que havia acontecido uma coisa ruim”, recorda-se. “Ouvia pessoas chegando na minha casa, choro, mas fiquei no quarto, sem coragem de perguntar.” Na manhã seguinte, Luisa recebeu a notícia de sua mãe. Apesar de todo o sofrimento daqueles dias, a atriz credita à família o fato de não ter ficado traumatizada. “Acho que só não levei isso como um período muito negro da minha vida por causa do jeito como os meus pais lidaram, a postura deles em seguir em frente”, avalia.

Criadora do blog Tudo Bem Ser Diferente, em que compartilhava experiências e progressos de Pedro, que tinha hidrocefalia, Sônia Pessoa também gosta de relembrar os momentos bons ao lado do filho único. Nas redes sociais, em que o blog tem mais de 11 000 seguidores, escreve pensamentos a respeito dele e recebe o apoio de amigos e de gente que não a conhece pessoalmente. “Falar sobre o luto é importante e útil”, conclui a psicóloga Flavia. E ela completa: “Por que ignorar um fato que fará parte da trajetória de cada um de nós?”.

Ilustração: Juliane Ferreira

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