Você já parou para pensar que a chegada da adolescência e o luto estão intimamente ligados? A adolescência traz para os pais muitos sentimentos contraditórios. Ela é, por excelência, uma fase de perda. O adolescente perde suas referências simbólicas, perde o lugar que ocupava na família, os discursos parentais não fazem mais sentido como antes.
Muitos pais de adolescentes dizem:
– Eu não gosto dessa fase, é chata!
O que eles não sabem é que estão passando por um processo silencioso de luto, que pode trazer muita desconexão e angústia para a família.
Mas, o luto não está relacionado somente à morte? Não. O luto está diretamente relacionado a investimento afetivo e é ativado através de processos de perdas (concretas ou simbólicas), como de uma pessoa, um relacionamento, um emprego ou a idealização de alguém.
Muitas literaturas tratam a adolescência como um segundo nascimento. Entrar no mundo dos adultos significa para o adolescente a perda definitiva de sua condição de criança.
Como essa perda da criança impacta os pais?
– Eu acordei e tinha um estranho na minha casa, com atitudes que eu não reconheço mais.
Essa constatação gera as três características principais do luto do adulto:
1. O luto pela criança perdida
Para os pais, significa lidar com a perda de tudo o que a criança representava: os sonhos, a pureza, a alegria, o controle, a proximidade. É pela negação que os pais mais costumam vivenciar esse luto, expressando frases do tipo: – Que saudades de quando você era criança!
2. O luto do filho idealizado
O adolescente representa para os pais um rascunho. O que deu certo? O que deu errado? Percebe-se que a maioria dos pais tem um filho idealizado, que age conforme as suas expectativas. Perceber que o filho adolescente está diferente do que foi idealizado causa angústia e medo aos pais.
3. Luto pela própria juventude
A fase da adolescência acontece em um período em que os pais percebem que estão envelhecendo. Ver toda a sexualidade aflorando nos filhos, ao mesmo tempo que a própria sexualidade é questionada pode ser difícil para muitos pais.
A intensidade que cada um vivencia o luto tem uma equação: quanto mais idealização e projeção de um ideal de filho, mais dor da perda se torna dolorosa.
E para os filhos, como o luto é sentido?
O adolescente se vê em uma fase de não pertencer. Não é mais criança, mas também não é considerado um adulto.
Para o adolescente, o processo de luto se dá da seguinte forma:
O luto pelo corpo infantil:
Essas modificações no corpo, que para ele são incontroláveis – a voz, a menarca para as meninas, o sêmen para os meninos, os pêlos, espinhas, as novas sensações – tudo se mostra novo e assustador. No espelho, o adolescente tem dificuldade de se reconhecer.
Luto pela identidade:
Novas responsabilidades sociais surgem na adolescência, a exigência de uma nova postura, a intensificação dos estudos e a cobrança pelo futuro são vividas no início como uma invasão que empurra o adolescente para a busca de uma nova identidade. Quem eu sou e quem desejam que eu seja?
Luto pelos pais da infância:
A relação com os pais também sofre mudanças. Na infância a criança vê os pais com muita devoção, já o adolescente começa a perceber as incongruências, as brigas, as situações conflituosas e pode causar uma verdadeira revolução no seu meio familiar e social, com atitudes questionadoras e discordâncias entre gerações.
Como lidar com esse processo de luto, para que ele não prejudique a relação entre pais e filhos?
Em primeiro lugar, identificando o próprio luto. É importante lembrar que esse processo não deve ser considerado patológico e sim tratado como uma adaptação a uma mudança sentida como perda, sendo a experiência de angústia necessária para que, tanto os pais quanto os adolescentes, consigam lidar e reelaborar a situação de luto vivenciada.
Os pais de adolescentes, sem saber que esse processo está acontecendo, costumam virar suas frustrações e medos direto para o próprio adolescente. Ao ouvir dos pais frases já citadas neste texto como, “que saudades de quando você era criança”, os pais reforçam o próprio luto e deixam para o adolescente a mensagem de que não aceitam a pessoa que ele se tornou. Essa é uma das razões da maioria dos adolescentes não se sentirem amado pelos pais.
Aos pais cabe trabalhar internamente no desprendimento do corpo do filho criança e de tudo o que ele significava, trabalhar essa ambivalência e resistência em aceitar o processo natural de crescimento.
Buscar ajuda, ao invés de se culpar pela sensação de fracasso na educação do filho adolescente ou se angustiar com o distanciamento do filho, é um passo importante. Hoje já sabemos que, assim como na infância, os pais também precisam entender a adolescência para não parar na fase de negação do luto.
Um outro movimento necessário é perceber o processo de luto do próprio filho. A dor e o luto do adolescente é pouco percebida pelos pais, que costumam adotar uma atitude de reforço de autoridade, ressentimentos e cobranças nessa fase. Sem apoio emocional para suportar tantas mudanças, o adolescente se fecha no seu mundo interno, tentando entender tantas sensações diferentes.
Ter compaixão pelo próprio processo de luto, e não culpa como muitos pais costumam sentir, sabendo que é uma fase que requer adaptação e disposição para o acolhimento de um novo corpo, de um novo filho, que igualmente está com medo e precisa da demonstração de amor, é o melhor caminho a ser trilhado pelos pais.
Ao trabalhar a aceitação da adolescência, os pais oferecem a oportunidade de o próprio adolescente passar pelo seu processo de luto de uma forma mais leve.
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