Em contato com a natureza, as crianças são capazes de criar, brincar e se desenvolver. E isso traz diversos benefícios: desde uma vida mais saudável até um melhor aprendizado. Porém, apenas 4% das crianças exploram livremente espaços ao ar livre. No dia a dia, elas passam 90% de seu tempo em ambientes fechados, como a casa, a escola e o carro. “O contato com a natureza é a melhor possibilidade para que as crianças tenham uma vida saudável, plena e alegre”, diz Renata Terra, roteirista e diretora do filme “O Começo da Vida 2: Lá fora” (veja trailer abaixo), com lançamento previsto para 12 de novembro, em plataformas digitais, incluindo Netflix.
Sequência do renomado documentário brasileiro “O Começo da Vida”, o segundo filme da franquia manteve o foco na infância e na importância de dar atenção a esse período da vida. Dessa vez, no entanto, o destaque é para a relação das crianças com a natureza. “Pareceu muito coerente seguir com esse tema, tanto em termos de idade, porque esse (segundo filme) aborda crianças um pouco maiores, mas também para criar essa discussão de onde a criança está e como ela se relaciona com o meio em que vive”, explica Renata.
Em se tratando dos grandes centros urbanos brasileiros, essa relação com a natureza pode se mostrar um desafio. Em São Paulo, por exemplo, uma das cidades mais populosas do mundo, cada pessoa tem acesso a 2,4 m² de natureza, bem menos do que os 12m² de área verde por habitante recomendados pela Organização Mundial da Saúde.
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Mas para além da falta de planejamento das cidades, há outras questões que prejudicam o contato com o verde, como a cultural. “Não é só a falta de espaço ou a falta de tempo. É uma cultura tão arraigada em que as pessoas não se dão conta que as crianças não estão mais tendo essa vivência”, afirma a diretora.
Com reflexões de grandes especialistas e pensadores das áreas do meio ambiente e infância, o documentário visita cidades do Brasil e países como México, Chile, Peru e Estados Unidos para mostrar vivências e iniciativas positivas de contato com a natureza, sob diferentes esferas da vida da criança: alimentação, lazer, saúde, educação.
As cenas e entrevistas do documentário foram gravadas entre 2018 e 2020, mas com a chegada da pandemia da covid-19, que agravou as consequências físicas e psicológicas da privação ao ar livre na vida das crianças, a temática abordada mostrou-se ainda mais urgente. “O filme propõe uma reflexão sobre qual é o ‘lá fora’ que queremos construir”, relata Renata. A seguir, ela fala sobre a escolha do tema, a importância dele para a sociedade no geral e o que pode ser feito para que a questão seja vista como prioridade na vida das crianças. Confira!
CANGURU NEWS: Por que o contato com a natureza foi o tema escolhido para esse segundo filme?
RENATA TERRA: O primeiro filme fala sobre a importância dos primeiros anos da vida da criança, com vínculo com os pais, da sociedade. Pareceu muito coerente seguir com esse tema, tanto em termos de idade, porque esse aborda crianças um pouco maiores, mas também para criar essa discussão de onde a criança está e como ela se relaciona com o meio em que vive.
Com as pesquisas e também com a colaboração de outras instituições que trabalham com isso, a gente foi vendo que o contato com a natureza é a melhor possibilidade para que as crianças tenham uma vida saudável, plena e alegre.
“A natureza é a melhor possibilidade para que as crianças tenham uma vida saudável, plena e alegre”
CN: Quais foram as facilidades e dificuldades de falar sobre isso no Brasil? Essa é uma preocupação por aqui?
RT: O filme mostra que aqui no Brasil há essa realidade das cidades com um desenvolvimento não planejado. Você pensar em praças, parques, em questões de mobilidade… isso ainda não é pensado muito por aqui. Às vezes, nem pelos gestores públicos. A gente teve dificuldade, inclusive, de encontrar projetos com esse olhar sistêmico do contato com a natureza, como que isso beneficia na saúde, na sociabilidade, no aprendizado das crianças, no bem-estar de todos… isso ainda não é uma coisa muito difundida mesmo.
Também há todas as questões do próprio urbanismo das cidades, que tendem a ser um pouco caóticas. E por trás de tudo isso, existe uma questão cultural. E por isso é difícil falar que essa é uma responsabilidade só dos pais. Essa é uma responsabilidade coletiva, que vai desde a esfera pública, com políticas, até mesmo uma questão familiar, de enxergar isso como benefício.
“ESSA É UMA RESPONSABILIDADE COLETIVA, QUE VAI DESDE A ESFERA PÚBLICA, COM POLÍTICAS, ATÉ MESMO UMA QUESTÃO FAMILIAR, DE ENXERGAR ISSO COMO BENEFÍCIO”
Veja o trailer:
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CN: Na sua opinião, o que pode ser feito nos grandes centros para que essa questão ganhe força?
RT: O caminho que enxergamos com a pesquisa e que já começa a acontecer é abordar o tema em todas as esferas que forem possíveis. O poder público, por exemplo, ele é pautado pelas pressões da sociedade civil. Quando você tem dados científicos, que começam a aparecer cada vez mais, com muitas pesquisa relacionadas à saúde, por exemplo, isso acaba entrando no radar das gestão pública de uma maneira mais concreta, porque para termos política pública, é necessário ter esses dados.
O Richard Louv, que escreveu o livro “A Última Criança na Natureza” fala no livro uma coisa que acho muito legal: no final das contas, o que vai mesmo importar não é o número de ações ou políticas públicas que vão surgir, mas sim a mudança cultural, que vai influenciar os hábitos cotidianos, a maneira como as escolas são estruturadas e tudo mais ao redor.
CN: Você acha que essa preocupação chega até as comunidades mais vulneráveis ou ainda é foco das classes mais altas?
RT: Isso é uma coisa que a gente procurou desconstruir no filme. Temos algumas falas de pesquisadores que mostram que muitos estudos são feitos principalmente em bairros e populações em vulnerabilidade. E que o impacto desses benefícios mensurados, como na saúde, na aprendizagem, diminuição da violência, entre outros, apontam para um caminho que diz que intervenções relativamente baratas (mas que precisam de um apoio da sociedade para acontecer) podem trazer muitos benefícios, inclusive em outras áreas que são vistas como essenciais. De acordo com os pesquisadores, hoje é possível observar que o contato com a natureza não é um item de luxo, é um bem essencial e um interesse de todos.
Uma outra pesquisa dos EUA mostra alguns desses benefícios. Foi feita em um conjunto habitacional, com recorte socioeconômico igual e construções muito semelhantes, sendo a única diferença que um tinha vegetação abundante no pátio central e outro tinha blocos, que eram de concreto. Ali eles conseguiram perceber uma maior frequência na escola das crianças com contato com a natureza, menos violência doméstica… são dados que parecem uma coisa de conto de fadas, mas são reais.
“O contato com a natureza não é um item de luxo, é um bem essencial e um interesse de todos”
As iniciativas que encontramos foram em bairros muito pobres. No Peru, fomos em uma das periferias mais pobres de Lima, e conhecemos uma pessoa que realiza um projeto e acredita, assim como eu, que aquilo é o começo para mudanças ao redor. (…) Mas isso não é o suficiente, essas pessoas têm muito pouco apoio. e elas precisam de apoio e consistência. Eles precisam de muita atenção, mas acho que elas provam que é possível. E, se o poder público agarrar essas oportunidades, enxergar isso como importante, não tem porque não acontecer em qualquer lugar.
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CN: Os documentários Começo da Vida 1 e 2 mostram que a criança é uma cidadã também do presente. Qual sua visão sobre isso?
RT: Eu concordo muito com isso, até porque é meio estranho que a gente olhe só para o futuro da criança. É a mesma coisa de a gente não estar olhando para ela. O hoje é o que importa, porque é ele que vai construir esse futuro. A gente, claro, se preocupa e tem que se preocupar com o futuro, mas se não olhar para o hoje você também não está olhando para o futuro. O estar presente para a criança é fundamental. A criança é esse ser que vive no presente.
CN: Existe uma diferença entre grandes centros e cidades do interior na questão do contato com a natureza?
RT: Não é necessariamente ser de uma cidade do interior que faz com que a gente automaticamente já tenha crianças que brincam com mais liberdade, que tenham mais contato com a natureza. Infelizmente, não é. Tem um pesquisador que mostra que em cidade de 5 mil habitantes as crianças estão a maior parte do tempo em casa. Então, é uma questão cultural mesmo. Não é só a falta de espaço ou a falta de tempo. É uma cultura tão arraigada em que as pessoas não se dão conta que as crianças não estão mais tendo essa vivência.
CN: O que você acredita que os pais podem fazer?
RT: Uma primeira coisa é tentar absorver esse conhecimento, tentar buscar saber sobre o tema. O Instituto Alana tem esse programa Criança e Natureza, tem um site com muita informação. Buscar esse conhecimento vai ajudar os pais a entenderem quanto isso é benéfico aos seus filhos e colocar isso nas suas preocupações cotidianas, junto com as outras. Acho que isso vai mudando um pouco a forma que as famílias entendem a questão, que vai ser bom para seus filhos se eles destinarem um tempo para isso e procurem conhecer seu bairro, seu entorno.
Uma coisa que acontece, e eu senti isso pessoalmente quando meu filho era menor, é que é muito difícil você ir sozinha para uma praça. Buscar companhia de amigos e família também é uma forma de estimular esse ato de ir para fora, estar em uma praça, ir para o parque. A partir do momento que você coloca um pouco disso no seu hábito, isso acaba só crescendo. Aí, os pais começam a olhar para a escola, para os gestores que escolhem, alimentação…. uma coisa vai influenciando a outra.
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CN: Quais deveriam ser a prioridades do poder público, na sua opinião?
RT: Acho que mobilidade é uma questão muito importante e que já está nessa pauta. A mobilidade também proporciona a criança a estar em espaços públicos da cidade. Começar a pensar em rotas que já são mais agradáveis, que tenham mais árvores, mais espaços para a criança dar uma parada e brincar na volta da escola, por exemplo. Como já temos todo esse movimento sobre a mobilidade urbana, acho que os gestores podem começar a olhar para isso e incrementar a questão da natureza.
CN: Como foi realizar a produção do documentário antes da pandemia e ver sendo lançado nesse momento? Você acredita que o isolamento social vai fazer com que as pessoas olhem mais para o lado de fora?
RT: Quando o documentário foi gravado, a pandemia não estava nem no horizonte. Ele foi feito como era a vida “antigamente”. Quando veio a pandemia e deu essa freada absurda no mundo inteiro, principalmente nos primeiros meses, foi um impacto muito grande.
A gente estava preparando o lançamento em janeiro, quando começaram a chegar as notícias. E a partir de março, ficou impossível até mesmo pensar em outra coisas que não fosse a pandemia. Também veio uma preocupação do filme não passar uma mensagem errada, de ser um convite para ir para fora.
Com o tempo fomos entendendo que era possível usar esse momento em que ainda não podemos sair, que é preciso se cuidar, para fazer uma reflexão sobre o que é esse lado de fora que a gente olha daqui, já que a falta dele está muito mais forte. A gente achou que seria o momento de propor essa reflexão, por enquanto. Esperamos que logo essa reflexão possa se tornar ação.
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Serviço
“O Começo da Vida 2: Lá fora” terá lançamento global dia 12 de novembro, nas principais plataformas digitais.
O filme conta com recursos de legendas (português, inglês e espanhol), dublagem (português), legendas descritivas – closed caption (português, inglês e espanhol), audiodescrição (português, inglês e espanhol) e linguagem de sinais (LIBRAS – linguagem brasileira de sinais, ISL – international sign language, LSE – lengua de signos española).
O documentário “O Começo da Vida 2: Lá fora” será distribuído pela Flow, uma spin-off da produtora Maria Farinha Filmes especializada em lançar filmes como movimentos, conectando narrativas urgentes e inspiradoras ao grande público. O projeto tem patrocínio do Instituto Alana e da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, e apoio Institucional do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA, Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Fundação Bernard van Leer, Programa Criança e Natureza, Children & Nature Network – C&NN, FEMSA Foundation e United Way. O lançamento conta ainda com uma Rede de Impacto formada por mais de 100 instituições e indivíduos conectados com o tema, que levarão a mensagem do filme para públicos diversos.
Ficha Técnica de “O Começo da Vida 2: Lá fora”
- Argumento Ana Lúcia, Villela, laís Fleury e Renata Terra
- Direção de Fotografia Janice D’Avila, David Reeks e Tomaz Viola
- Montagem Renata Terra e Victor Miaciro
- Trilha Sonora Original Arthur Decloedt
- Roteiro e Direção Renata Terra
- Produção Executiva Flavia Dória, Juliana Borges, Mariana Mecchi, Mariana Oliva e Taís Caetano
- Supervisão de Pós Produção Geisa França
- Produzido por Ana Lúcia Villela, Estela Renner, Marcos Nisti e Luana Lobo