O que está sendo observado até agora por médicos e pesquisadores é que, na maioria dos casos, as crianças não têm tendência a apresentar sintomas graves relacionados ao coronavírus. Muitas vezes, quando infectadas, elas permanecem assintomáticas. No entanto, a pandemia oferece outros riscos para a saúde das crianças – e eles estão relacionados ao estresse, que pode acabar resultando em doenças no futuro.
O estresse ao qual as crianças estão sendo submetidas por conta das incertezas da pandemia do novo coronavírus tem potencial para desgastar o sistema biológico de tal modo que pode chegar a aumentar a incidência futura de doenças como diabetes, problemas cardiovasculares e problemas de saúde mental. Portanto, os pequenos podem ser os que mais vão sentir os efeitos do momento que vivemos a longo prazo. As informações foram dadas pelo americano Philip Fisher, pesquisador do Centro de Neurociência Translacional da Universidade de Oregon (EUA) e membro sênior do Centro de Desenvolvimento Infantil da Universidade de Harvard (EUA), em entrevista à BBC News Brasil.
“Esta experiência está obviamente colocando uma enorme quantidade de estresse adicional sobre as crianças, sobre seus pais e na relação entre ambos. Ouvimos isso não só de famílias mais vulneráveis, mas também de famílias que têm mais recursos. O desconhecido, por si só, é estressante para todos”, diz ele.
Segundo o pesquisador, o sistema biológico de resposta ao estresse lida bem com períodos de curta duração, mas não é adaptado para lidar com períodos longos sob esse tipo de tensão, como é o caso do momento atual. O caráter desconhecido da pandemia também não ajuda. “Não estamos biologicamente bem preparados para períodos que exigem uma ativação crônica desse sistema. E o que vemos acontecer é um desgaste no corpo, inclusive no bem-estar físico e mental. […] Nosso corpo sente que tem de ficar em nível alto de alerta o tempo todo”, explica.
Leia também – Pesquisa aponta principais preocupações dos pais latino-americanos com a vida das crianças na internet
E por que as crianças seriam as mais afetadas por isso? Porque esse sistema, nas crianças, ainda é imaturo, o que pode levar ao estresse tóxico. O estresse tóxico, por sua vez, pode causar mudanças químicas no corpo, desencadeando uma maior incidência das doenças já mencionadas.
Atentos à saúde das crianças – e também à dos pais
Não devemos nos preocupar somente com a saúde das crianças: os pais também precisam se cuidar. “Eu também acho que os pais precisam cuidar de si mesmos. Muitos estão se esquecendo disso. Você não pode só focar nas coisas estressantes, só trabalhar e cuidar das crianças o tempo todo. O seu bem-estar também influencia o bem-estar dos filhos”, recomenda Fisher.
Para proteger a saúde de todos, o pesquisador dá algumas orientações:
- Para minimizar o estresse infantil, é importante que a família tenha rotina: previsibilidade possibilita que as crianças organizem seus sentimentos e tenham mais resiliência;
- Pais não devem se culpar: permitir que filhos usem mais aparelhos eletrônicos, por exemplo, é comum neste momento – e está tudo bem. “Devemos ser gentis com nós mesmos, além de sermos gentis com os demais”, fala ele;
- Converse com os colegas de trabalho sobre pausas nas reuniões para atender às necessidades imediatas das crianças -principalmente das pequenas.
“Atender as crianças no curto prazo pode ter impacto no longo prazo. Será menor a chance de elas ficarem disputando a sua atenção ou de ficarem carentes. Ver o pedido de atenção como um chamado que você precisa escutar e devolver – reconhecer a presença delas e validar seus sentimentos, mesmo que só dizendo ‘vejo que você está frustrada que a mamãe ou o papai está no telefone’ – costuma desescalar [CRISES de birra] e fazer uma grande diferença.”
Leia também – Vírus Sincicial Respiratório: bebês prematuros, cardiopatas ou com doença pulmonar podem ser imunizados
Crianças são as mais vulneráveis a tudo ligado à pandemia
Uma equipe de pesquisadores, incluindo Fisher, está criando uma base estatística sobre os impactos da pandemia nas famílias, através do envio de questionários a americanos que estão em quarentena. O objetivo é que a base ajude estudos no futuro.
Para Fisher, é possível que a pandemia tenha efeitos parecidos com os vividos por refugiados ou vítimas de períodos prolongados de fome. Mesmo com o fim da situação de conflito, efeitos em crianças podem permanecer por conta do tempo que o sistema de estresse esteve ativado, havendo dificuldades para a readaptação à normalidade. Por isso é tão importante que os pais sejam presentes e responsivos às demandas das crianças e não as ignorem, evitando que o estresse ultrapasse os limites toleráveis pelo corpo.
“Temos de estar cientes de que o efeito pode ser de longo prazo para todos”, alerta Fisher. “As crianças não são os que estão ficando mais doentes agora, mas, de muitas formas, são as mais vulneráveis a tudo ligado à pandemia – porque não têm nenhum tipo de controle sobre suas circunstâncias e porque podem ter que lidar com as consequências por mais tempo que todo o mundo”, acrescenta ele.
Leia a reportagem completa no site da BBC News Brasil.
Quer receber mais conteúdos como esse? Clique aqui para assinar a nossa newsletter. É grátis!