Quando minha primeira filha nasceu, eu ganhei um nome anexo já na maternidade: mãe “atípica”. Sou chamada assim por ter uma filha que tem uma doença rara e é uma pessoa com deficiência.
A maternidade atípica é sobre o lugar social que eu ocupo por ter uma filha que é atravessada pelo preconceito, pela negação e a invisibilidade.
Todas as mães que pertencem a esse grupo receberam junto ao diagnóstico dos filhos uma sentença de que a vida não seria boa a partir dali, nos obrigando a lidar diariamente com o medo, o julgamento e a solidão.
O capacitismo – que é o preconceito e a discriminação que as pessoas com deficiência sofrem – é estrutural e, assim como o racismo, vem sendo construído ao longo da história. É ele que faz com que as pessoas olhem para minha filha, sintam pena e pensem que ela é uma coitadinha, um anjo especial ou exemplo de superação.
E ao olhar para a minha filha como um fardo ou um problema, me chamam de guerreira e admiram a supermãe que eu sou.
Mas a ideia de que a minha maternidade é divina e que Deus me escolheu para enviar um “anjo especial” é capacitista!
Eu não sou guerreira ou heroína, eu sou humana. Tem dias que eu não me sinto uma boa mãe, estou cansada e preciso pedir ajuda. Em outros, tenho vontade de chorar, preciso me afastar e respeitar a dor. Tem dias que eu erro e me sinto péssima!
A nossa maternidade só é vista como heroica porque temos que ser fortes para lutar diariamente pelos direitos dos nossos filhos e porque não existem políticas públicas que amparem as cuidadoras.
É mais fácil chamar de guerreira ou heroína do que mudar preconceitos e eliminar as barreiras. Mas esse lugar cansa! Eu queria poder ser apenas MÃE.
Mãe atípica muitas vezes sabe mais da doença do filho do que o próprio médico. Somos terapeutas, psicólogas, professoras, enfermeiras, advogadas… São muitas funções!
Você já parou para pensar que mãe atípica não pode morrer? Pois se ela vir a faltar, quem vai cuidar do filho ou filha que demanda tantos cuidados? Não temos o direito de descansar e nem de desistir!
Na maternidade atípica muitas vezes ouvimos: “Deus não dá a cruz maior do que pode carregar” ou “você foi a escolhida, essa é a sua missão.” Eu não acredito que ter uma filha com doença rara me garante um lugar no céu. Mas sempre digo que meus cinco filhos me transformaram e foi convivendo com eles que me tornei uma pessoa melhor e aprendi muito sobre quem eu sou hoje.
Lá se vão 20 anos sendo mãe e as transformações continuam acontecendo. Acho que isso faz parte do existir. Em cada livro que leio, em cada curso que faço, em cada palestra que dou, em cada família que atendo – sigo sempre aprendendo e me transformando.
A maternidade atípica foi o ponto de partida de muitas coisas que sou e faço hoje, mas eu continuo sendo a Mônica, que apesar de ter virado do avesso com a maternidade, não deixou de ter um nome, necessidades e sonhos próprios.
Hoje meu trabalho é combater ideias e preconceitos através da educação. Criei uma comunidade de mães atípicas chamada “movimento mãe leoa”, onde a gente se acolhe, se apoia, se entende, troca informações e afeto, e se fortalece enquanto grupo.
Aprendi que o lugar de desconforto, também pode ser um lugar de expansão e que a mudança que queremos no mundo tem que partir da gente.
Conheço muitas mães que a partir da dor se transformaram e estão trabalhando com consciência e responsabilidade a fim de criar seres humanos melhores para o mundo. Deixo aqui meu abraço a todas elas.