Um estudo realizado em outubro com gestores de escolas particulares de dez estados brasileiros constatou que 7 em cada 10 instituições devem aumentar a restrição ao uso de celular nos próximos ciclos. Para 60% das escolas, os alunos não cumprem as regras estabelecidas e as atuais medidas não são satisfatórias, levando à falta de atenção dos mesmos durante as aulas e à falta de interação “olho no olho” nos intervalos. Atualmente, está em votação no Congresso Nacional um projeto de lei que proíbe o uso de celulares e outros dispositivos portáteis em escolas públicas e privadas, durante as aulas, o recreio e intervalos entre as aulas em todas as etapas do ensino básico no Brasil.
A pesquisa ouviu responsáveis por mais de 78,5 mil estudantes, nos estados do Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, São Paulo e o Distrito Federal. No total, esses estados representam cerca de 64% de todas as escolas privadas existentes no país.
Mesmo na grande maioria das escolas (53,91% delas) que tem permitido a utilização do celular a partir do 6º ano do fundamental, os desdobramentos não têm sido apropriados. Somente 0,87% proíbem totalmente o uso do aparelho, enquanto 22,61% das escolas particulares permitem que alunos da educação infantil à 5ª série já carreguem e entrem com os celulares em suas dependências.
“Precisamos aprofundar o debate dos prós e contras da restrição. Vivemos nesse momento, um problema cultural do uso do celular e não é uma simples proibição que vai levar ao sucesso das escolas. As instituições precisam ensinar para seus alunos e famílias o uso responsável do celular e das tecnologias, que já fazem parte da vida tanto dos professores como dos alunos”, afirma o neuroeducador responsável pelo estudo, Fernando Lino, autor dos livros Xarope Digital e Bem-Estar Digital, sobre vicio em telas e tecnologias em crianças e adolescentes e pesquisas em campo por escolas de todo Brasil. Ele fez o levantamento em parceria com a empresa de gestão e soluções para instituições de ensino Meira Fernandes, que assessora cerca de 1.500 escolas particulares em todo o país.
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Função pedagógica
A pesquisa apontou que 58,26% das escolas fazem o uso consciente do celular durante as aulas (com autorização do professor), 63,48% dos alunos o utilizam durante o intervalo e 15,65% nas atividades extracurriculares.
“O celular tem uma função pedagógica muito importante. Nas aulas e nas atividades ele é um trunfo que quebra barreiras de localidade e amplia o mundo e as possiblidades para professores e alunos”; além de servir como uma válvula de escape, cumpre a função da comunicação direta com os pais”, aponta Mabely Meira Fernandes, diretora jurídica da empresa de gestão escolar.
“Ouvimos não só das escolas, mas dos pais em geral, que crianças e jovens estão deixando de interagir entre si, no mundo físico, para interagirem apenas no digital mesmo estando muitas vezes no mesmo ambiente – o que para nós, de gerações anteriores gera certa estranheza, porém deve ser tratado com atenção e apoio profissional”, diz Husseine Fernandes – Sócio/Diretor da Meira Fernandes.
Saúde mental, automutilação e bullying
Segundo 35% dos diretores ouvidos pela pesquisa, o celular é um dos responsáveis pelos casos de cyberbullying e 33% apontam que é através do aparelho que os boatos são espalhados online dentro da comunidade escolar – causando questões sérias de comunicação e tumultuando a rotina acadêmica.
A exposição de dados pessoais e fotos indevidas de alunos é uma realidade em 30% das escolas e casos de uso de inteligência artificial (IA) para alterar e gerar fotos constrangedoras, vem permeando a rotina escolar, desde a popularização da IA em 2023. A questão é tão latente que 62% dos professores reclamam constantemente com as diretoras/pedagogas sobre o uso indevido durante as aulas.
Ainda, para 80% dos diretores ouvidos, o mau uso do celular tem aumentado os problemas de saúde mental das crianças e dos jovens dentro e fora do ambiente escolar. Mais de 39% também afirmaram que as redes e os smartphones podem aumentar casos de automutilação em crianças e jovens – um ponto de atenção importante.
“Precisamos educar agora crianças e adolescentes – não existe como fugir dessa realidade. A tecnologia e os celulares já fazem parte da construção da identidade dessa geração”, relata o neuroeducador.
Para ele, não há um consenso sobre o tema, sendo difícil apontar um único caminho. Estudos da Unesco apontam que quando bem utilizado na educação, o celular é capaz de desenvolver senso de competência, criatividade construtiva e desenvolvimento de relacionamentos positivos em rede. “Meus estudos pelo Brasil apontam que o equilíbrio e a responsabilidade compartilhada entre famílias e escolas são o trajeto mais seguro a seguir” completa Lino.
Ele ressalta que, segundo estudos, apenas o banimento dos celulares não tem impacto no índice de cyberbullying, por exemplo, e podem até ter um efeito negativo na compulsão dos alunos por telas. “As restrições são apenas uma peça de um quebra-cabeça maior no desenvolvimento de segurança e bem-estar das próximas gerações” complementa o pesquisador.
Quase 72% das mantenedoras acreditam que implantar programas de prevenção e conscientização do uso de celulares e tecnologias é uma demanda urgente das escolas para os próximos anos.