Por Metro Jornal – Os desdobramentos das investigações da morte de Henry Borel, de apenas 4 anos, possível vítima de violência doméstica gravíssima, chocaram o país neste mês. Inicialmente, os responsáveis afirmaram ter sido um acidente, como se o menino tivesse caído da cama, mas perícias médicas constataram que Henry havia recebido agressões severas. Segundo laudo do IML (Instituto Médico Legal), a criança sofreu 23 lesões externas provocadas por “ações violentas” que resultaram em pelo menos 32 danos corporais na madrugada de 8 de março, dia da sua morte.
Principal suspeito pelo crime, o padrasto da criança e vereador carioca Dr. Jairinho (expulso do Solidariedade) está preso preventivamente desde o dia 8 deste mês. A mãe de Henry, Monique Medeiros, também está detida e é acusada pela polícia de proteger o suposto assassino.
O episódio é exemplo de uma triste realidade no Brasil, que registrou cerca de 103.149 mortes causadas por agressões em crianças e adolescentes de 0 a 19 anos nos últimos 10 anos. De acordo com levantamento da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), entre 2010 e agosto de 2020, cerca de 2 mil delas tinham menos de 4 anos de idade. No entanto, a morte de Henry poderia ter sido evitada. O menino deu sinais de que estava sofrendo agressões de Jairinho. A criança “sentia medo de tudo” e “vomitava e tremia” ao ver o seu agressor, revelou as investigações.
Leia também: 8 a cada 10 crianças viram ou enfrentaram violência desde o início da pandemia, aponta relatório
E outras crianças podem ser salvas diariamente caso estes sinais sejam observados pelos familiares. A promotora de Justiça Eliane Passareli ressalta a importância de prestar atenção no comportamento delas. “Eles externam suas emoções de várias formas e raramente verbalizam por se sentirem culpados ou de fato ameaçados. As crianças refletem as agressões em comportamentos e sinais como, por exemplo, deixar de falar, tristeza sem motivo, irritabilidade, agressividade, perda de peso, insônia e dificuldade para comer”, explicou a promotora.
Por outro lado, a situação fica ainda mais complicada quando o agressor é da própria família. “Por mais absurdo que seja, os pais, padrastos, tios, irmãos mais velhos e avós são os principais agressores nos casos de violência contra crianças e adolescentes. Eles respondem por mais de 80% dos casos. A quantidade de homicídios é subnotificada, porque os pais que agridem e matam seus próprios filhos registram a causa como um acidente”, afirmou o pediatra e presidente do departamento científico da SBP, Marco Antônio Chaves Gama.
Leia também: Mais de 100 mil crianças e adolescentes foram vítimas fatais de agressões na última década, diz SBP
Pandemia
Especialistas também acreditam que o isolamento social e o fechamento das escolas durante a pandemia do novo coronavírus deixaram crianças e adolescentes mais expostas à violência doméstica. “Na pandemia, os índices de violência seguramente aumentaram, apesar do número de denúncias não ter crescido. As crianças passaram a ficar mais tempo em casa com os agressores e sem muito contato com outras pessoas como pais de amigos, professores e médicos que poderiam notar um comportamento estranho e denunciar”, reforçou o pediatra.
Os profissionais alertam que para combater a violência doméstica contra crianças e adolescentes é essencial informar as pessoas que a prática é grave. Também é necessário ser proativo e denunciar. O conselho tutelar e o MP (Ministério Público) são dois dos órgãos responsáveis por apurar as denúncias. As penas para homicídio doloso – quando tem a intenção de matar – variam entre 12 e 30 anos com o agravante da vítima ter sido uma criança.
Segundo os especialistas, esses crimes tão cruéis independem de classe social e nível de escolaridade. Além disso, podem deixar marcas para o resto da vida. “A violência, quando não mata, traz graves consequências para a vida adulta. Os traumas do início da vida podem resultar em uma variedade de problemas psicológicos como depressão, agressividade, abuso de drogas, problemas de saúde e dificuldade de se relacionar”, conclui o pediatra da SBP.
Leia também: Caso Henry mostra a triste realidade da violência contra a criança: saiba como identificar sinais de agressão
Projeto propõe aumentar pena por maus-tratos
Um projeto de lei que estabelece o aumento de pena para crimes de maus-tratos de crianças, idosos e pessoas com deficiência chega ao Senado nesta semana. A proposta ganhou força diante da repercussão da morte do menino Henry Borel e foi aprovada na Câmara dos Deputados na semana passada.
Pelo texto, podem ser agravadas as penas por expor a vida ou saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia. A pena passa a ser de reclusão de dois a cinco anos. No caso de lesão corporal de natureza grave, reclusão de três a sete anos. Se resultar em morte, oito a 14 anos.
Se o PL for aprovado, as penas para abandono de incapaz podem ser de dois a cinco anos de reclusão. Se do abandono resultar lesão corporal de natureza grave, serão três a sete anos de reclusão. Em caso de morte, pode haver reclusão de oito a 14 anos. A proposta, de autoria do deputado Hélio Lopes (PSL-RJ) e de outros três parlamentares, altera o Código Penal e o Estatuto do Idoso.
De acordo com dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, em 2020 foram cerca de 86,8 mil registros de violações contra crianças ou adolescentes. O número representa um aumento de 14% em relação a 2019. A violência contra idosos também se agravou com a pandemia do coronavírus. Somente nos meses de março a junho de 2020, foram 25.533 denúncias de violência contra idosos, ante 16.039 no mesmo período de 2019. O agressor, na maior parte das ocorrências, é alguém do convívio direto da vítima.
Leia também: Violência contra crianças de até 4 anos: SP, Rio e Curitiba têm piores índice do país