A descoberta da gravidez e a chegada de um filho são momentos de muitas alegrias para os pais. Porém, se a gestação não evolui conforme o previsto e traz surpresas como a confirmação da Síndrome de Down na criança, pode ser difícil para o casal lidar com a situação. Nessa hora, surgem sentimentos confusos, de alegria, tristeza e raiva, por exemplo, além de muitas dúvidas sobre como será o dia a dia da criança.
Acolher os pais no momento da descoberta é o objetivo da organização não-governamental (ONG) “Nosso Olhar”, criada em 2018, na cidade de São Paulo. “O acolhimento é a primeira inclusão que a gente faz quando a família recebe a notícia, seja durante a gestação ou nascimento. Porque, por incrível que pareça, existe ainda, não só na rede pública de saúde, muitas mães que recebem a notícia de alguma deficiência no filho somente na hora do parto”, explica a fundadora e presidente da ONG, a publicitária Thaissa Alvarenga. Ela ressalta que o anúncio da síndrome no filho impacta diretamente os sentimentos dos pais e as expectativas em relação ao bebê. Além disso, nem sempre a notícia é dada de forma acolhedora e empática.
Thaissa fala disso por experiência própria: foi durante a gravidez que ela soube que teria um filho com Síndrome de Down – Chico, hoje com 7 anos. “Ninguém espera uma notícia assim. Mas passado o susto, surgiu a vontade de ajudar e compartilhar experiências, mostrando como a descoberta pode trazer vivências incríveis”, relata a fundadora da ONG.
“Ninguém espera uma notícia assim. Mas passado o susto, surgiu a vontade de ajudar e compartilhar experiências, mostrando como a descoberta pode trazer vivências incríveis”, relata Thaissa Alvarenga, da ONG Nosso Olhar.
Primeiro, ela lançou um portal de conteúdo, o “Chico e suas Marias” – Maria Clara, 5 anos, e Maria Antônia, 3 anos, são as irmãs mais novas de Chico– onde partilha suas experiências com médicos, terapias e questões escolares, sempre buscando ajudar outras famílias e ampliar a conscientização da população sobre a síndrome de Down (Trissomia 21). À medida que o portal foi crescendo e aumentou a procura das famílias que mandam dúvidas e pedem indicações, Thaissa decidiu fundar a ONG, em 2018.
Segundo Thaissa, muitos pais, a princípio, não aceitam o acolhimento, pois negam a situação e podem se sentir frustrados, com raiva e culpa. Algumas famílias, enquanto aguardam o resultado do exame do cariótipo (que comprova a existência do cromossomo extra), chegam a fazer promessas para o caso do resultado do exame não confirmar a síndrome. “Os pais dizem que se o bebê não tiver Down, vão abrir uma ONG para crianças com a deficiência ou coisas do tipo, mas conforme passa o tempo, elas passam a lidar melhor com a situação”, comenta Mônica Xavier, presidente e fundadora do “Instituto Empathiae“. A instituição é parceira da organização “Nosso Olhar” no trabalho de acolhimento e ambas estão situadas no espaço RedeT21, localizado na capital paulista, que visa orientar as famílias que recebem a notícia do diagnóstico e auxiliar o desenvolvimento da criança até o mercado de trabalho e a independência na vida adulta.
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O trabalho de acolhimento
Para divulgar o trabalho de acolhimento e inclusão das famílias, Mônica diz que conta com o apoio dos médicos parceiros – como terapeutas, fisioterapeutas e fonoaudiólogas – e mesmo das redes sociais. “Eu também faço uma busca ativa durante duas horas por dia para ver quem é gestante de um bebê com Síndrome de Down e quem acabou de receber um bebê com Síndrome de Down para entrarmos em contato”, destaca a fundadora do Empathiae.
O trabalho de acolhimento é feito de forma voluntária por mães e pais de crianças com Síndrome de Down, de até cinco anos de idade, que passam por um curso de capacitação com duração de 10 horas. Durante o curso, é falado sobre a síndrome, os exames de triagem e de diagnóstico e escuta ativa e empatia. “Essa capacitação é para, no máximo, 10 pessoas porque é um momento de troca muito grande e, depois disso, avaliamos quem pode ajudar no acolhimento”, explica Mônica. Ela diz que há muita cautela nessa seleção e um cuidado em colocar em contato famílias que passaram exatamente pela mesma experiência. Ou seja, se a família soube da presença da deficiência no filho durante o pré-natal, deve ser acolhida por uma família que também soube da notícia nesse período. Já as famílias que descobriram a notícia no pós-parto serão acolhidas por outras em igual situação.
“A inclusão começa dentro de casa e aí vai à escola, ao vizinho e à escola de natação, mas ela tem que acontecer dentro de casa primeiro. Por isso que o trabalho de acolhimento é tão importante”, avalia Mônica Xavier, do Instituto Empathiae.
“Se estamos realmente falando de empatia, preciso colocar quem já passou por aquela situação e sabe o que está acontecendo. O nosso comprometimento no acolhimento é ouvir sem julgar. Nós vamos visitar essa família. Na pandemia, não fazemos mais isso. Mas acolhemos essa família por telefone com o comprometimento de ter um ouvido totalmente livre de julgamentos”, afirma Thaissa Alvarenga.
Mônica explica que os grupos de acolhimento do instituto são formados por casais, ocorrendo sempre as conversas de mãe para mãe e de pai para pai. “Primeiro a gente acolhe um de cada vez e depois os dois juntos. O importante é eles dizerem em um primeiro momento tudo aquilo que está no coração deles, independentemente se é certo, errado, bom ou ruim.”
A fundadora da Empathiae complementa que, muitas vezes, a pessoa apenas precisa de alguém do lado que segure sua mão por um tempo, mesmo que ela não fale nada. “É preciso querer saber da dor do outro e se mostrar disposto a fazer algo a respeito”, destaca. O principal, diz Mônica, é mudar a forma como se vê a síndrome, sem preconceitos, ressignificando o nascimento do bebê. “A inclusão começa dentro de casa e aí vai à escola, ao vizinho e à escola de natação, mas ela tem que acontecer dentro de casa primeiro. Por isso que o trabalho de acolhimento é tão importante”, avalia.
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‘Vi que minha filha podia ter uma vida normal’, lembra Renata Dias
Renata Dias, mãe da Larissa, de 4 anos, que tem Síndrome de Down, foi uma das mães acolhidas pela ONG e hoje também atua na organização ajudando outras famílias.
“Eu estava em um momento muito difícil com a saúde da minha filha Larissa quando descobri o trabalho da organização. Lembro do dia em que, exaustos de tanto hospital, fomos, eu e o pai, Edgar, passear no shopping. Lá, vimos pela primeira vez o trabalho lindo que a ONG faz. A bicicleta com venda dos docinhos por uma pessoa com T21 tocou meu coração. Naquele momento, eu falei para o meu esposo: ‘Não adianta fugirmos do que está acontecendo em nossas vidas’. Viemos ao shopping nos distrair e vimos esse trabalho maravilhoso. Aquilo mexeu muito comigo, chorei emocionada e vi que minha filha poderia ter uma vida normal. Era só eu acreditar nela”, conta Renata.
Ela diz que recebeu a notícia ainda durante a gravidez, mas somente conheceu a ONG depois do nascimento da filha. “O médico me disse que havia 80% de chance da nossa filha ter a síndrome e eu me apeguei aos 20% de chance de não ter. Minha maior preocupação era o preconceito das pessoas com ela. Hoje, minha maior preocupação é como ela vai se sustentar depois que eu e o pai viermos a faltar”, relata a mãe.
Renata destaca ser importante que os pais tenham força e esperança em continuar a vida. “É importante ter um apoio sem ser da família ou amigos porque eles ficam com dó de você. E nós do acolhimento não ficamos com dó, mas nos colocamos no lugar da pessoa e entendemos porque vivenciamos isso na pele. É muito prazeroso para quem acolhe e aconchegante para quem é acolhido”, revela.
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Sobre a Síndrome de Down
A Síndrome de Down, também conhecida como trissomia do cromossomo 21 (T21), é um alteração cromossômica que provoca atraso no desenvolvimento intelectual e alterações em algumas características físicas. É considerada uma síndrome por produzir um conjunto de sinais e sintomas, como face aplanada, protrusão lingual (língua para fora), dedos curtos, hipotonia (diminuição do tônus muscular e da força), excesso de gordura no dorso do pescoço, hérnia umbilical, cardiopatia e outras condições associadas.
No Brasil, o Ministério da Saúde estima que, a cada 600 a 800 nascimentos, uma criança nasça com a Síndrome de Down. De acordo com a Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD), cerca de 270 mil pessoas possuem a síndrome em território nacional. No mundo, a incidência estimada é de um caso a cada mil bebês nascidos vivos. Apesar do nome popular, poucas pessoas conhecem profundamente o tema e diversos estigmas ainda permanecem na sociedade. Por isso, diversas ONGs se dedicam a promover a inclusão e disseminar informações corretas sobre a Síndrome de Down, desde o momento da notícia sobre a alteração cromossômica dada aos pais até a fase adulta.
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Adorei conhece_los e gostaria muito de fazer um trabalho voluntário. Aguardo mais informacoes e fico muito grata.