Por Giovanna Balogh, da Agência Einstein – Imagina estar de mudança para uma casa ainda em construção e o telefone tocar dizendo que seus filhos chegaram após três anos de espera. Foi assim, na maior correria e no improviso, que a atriz Flávia Scherner, 40 anos, e o seu marido, o roteirista Alexandre Cardoso, 44, viraram pais adotivos. Ela, que é mãe há oito meses de um menino e de uma menina, comemorou seu primeiro Dia das Mães no domingo (14). “Finalmente pude celebrar uma data, pois no Natal e até no aniversário do meu filho ainda não estava sendo possível curtir ser mãe”, diz a atriz, que sofreu uma sobrecarga de estresse na adaptação após a adoção dos filhos, que têm 7 e 3 anos.
Diferente de muitas mulheres, Flávia optou pela adoção não por ter problemas de infertilidade, mas pelo simples fato de não ter o desejo de engravidar. “Não pensava em ser mãe, estava feliz sendo só tia. Mas, com o passar dos anos, vi que tinha um amor grande dentro de mim e que poderia sim ter filhos”, relata a atriz, que foi amadurecendo a ideia com seu marido até fazerem a escolha consciente pela adoção.
Após a chegada dos filhos, ela admite que o tal “amor incondicional de mãe” não foi imediato e que a adaptação foi bem difícil. “Você se sente mal, sente uma culpa por não estar gostando. As pessoas falam ‘mas, você queria tanto, ficou esperando tanto anos’. Só que as mães precisam ser acolhidas e saber que tudo bem ter pensamentos como ‘o que eu fiz com a minha vida?’ e até se arrepender de ter feito essa escolha”.
Ao participar de grupos de apoio à adoção, ela conheceu outra mãe com o mesmo sentimento de ser julgada por ter coragem de admitir que se arrependia. “Essa mulher precisa ser acolhida, entender que vai passar e não ser julgada. A adoção ainda é muito romantizada, mas precisamos falar de como é difícil ser mãe”, defende Flávia, que confessa que o amor pelos filhos só começou a aparecer no convívio do dia a dia.
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Amor de mãe não é automático
A psicóloga e coidealizadora do Instituto Doulas de Adoção, Mayra Aiello, diz que o tal “amor materno” não é instantâneo com nenhuma mãe, independentemente se esse filho foi ou não gestado por ela.
“Você aprende a ser mãe ao conhecer o seu filho. Você vai se vincular a ele a partir da convivência e dos cuidados diários. E a vinculação é uma via de mão-dupla, tanto da mãe que adota como dos filhos que são adotados. Existem especificidades da adoção de um filho que precisam ser compreendidas e trabalhadas”, relata Mayra, que também é pesquisadora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e se especializou na área da adoção após ser mãe de Maria, que chegou aos 9 meses de vida na família.
Nas suas pesquisas teóricas e ouvindo mães que adotaram, Mayra concluiu que o primeiro ano da parentalidade tende a ser o mais desafiador, independentemente da idade da criança e/ou adolescente. Segundo a especialista, esse período pode desencadear alterações emocionais significativas na saúde emocional materna, principalmente, em relação à ansiedade, ao estresse e à depressão.
“No primeiro mês da chegada da criança, a família entra em um espiral de intensas emoções por ser tudo novo, com muitas demandas que ainda estão aprendendo a lidar. Pode haver mudanças na qualidade do sono por ficar mais em alerta e não conseguir dormir como antes. Muitas mães emagrecem, pois ficam dedicadas intensamente no cuidar e na adaptação familiar, tendo alterações em seu ritmo de vida, fome e rotina, deixando de praticar atividades físicas etc. Por isso, é tão importante que a mãe seja vista e cuidada”, explica Aiello, que ressalta que a rede de apoio é muito importante também para quem adota.
Puerpério da mãe adotiva?
A professora Paula Futada, 46 anos, é mãe de Henrique, 6 anos, que chegou para ela com 11 meses de vida. “No primeiro mês, nós dois tivemos H1N1. Ele se recuperou rápido, mas eu tive pneumonia e minha médica queria me internar pois estava muito mal. Fiquei de cama e com um grande estresse emocional porque não podia chegar perto dele, fiquei um mês usando máscara dentro de casa. Foi um caos”, recorda Futada, que só soube que estava vivendo um puerpério como as mães biológicas ao procurar ajuda de um psicanalista e de um terapeuta ayurvédico.
“Os dois profissionais falaram que eu estava no puerpério e que era normal esses sentimentos. Foi aí que caiu minha ficha, pois essa palavra ‘puerpério’ era só para filho biológico, era algo que achava desconectado da adoção”, diz Futada. Agora, ela trabalha como Doula de Adoção e auxilia mães e pais com essa adaptação e a lidar com todas as dúvidas e inseguranças do universo da adoção de um filho. “Se eu tivesse alguém para conversar, para me orientar, saberia que não precisava ter sido tudo atropelado. Poderia ter feito com mais calma, respeitando também o meu tempo”, diz a professora.
Aiello observa que muito se fala sobre a saúde emocional da mãe que gesta, mas não é só quem pariu que vai ter que lidar com os novos papéis de receber nos braços um filho real que é diferente do idealizado. “Assim como a mãe biológica, a mãe via adoção precisa de rede de apoio e espaço para falar e elaborar o que era sua expectativa e a vida que ela tem agora. São muitas adaptações psicológicas, emocionais e sociais”, diz a especialista.
A psicóloga Thamires Wanke, do Hospital Israelita Albert Einstein, concorda que, antes de adotar, é preciso se preparar e elencar os motivos para esse desejo. “Será que quero conseguir uma criança ou ter um filho? Pois são coisas distintas”, explica. Ela diz que em toda adoção há uma história de rompimento precoce dos vínculos afetivos da família de origem e, por isso, a criança pode ter vivenciado um abandono ou algum tipo de violência. Assim, não é possível ignorar a história do adotado: “Ter filhos envolve desafios, sendo ele biológico ou não. Cada um terá um tipo de desafio. Filhos não existem para cumprir nossas expectativas e nossos desejos. É importante saber disso”.
Wanke observa que, às vezes, os pais adotivos têm mais receio de impor limites e de educar o filho por medo de perder o afeto do outro.”É no dia a dia e diante das crises que os relacionamentos podem se fortalecer. Isso vale na amizade, em relacionamentos amorosos e até com os filhos. É na possibilidade de enfrentarmos a dificuldade e de conseguirmos superá-la, que é aberto um espaço para um relacionamento saudável e genuíno. A criança ou o adolescente pode falar coisas como ‘não gosto de você’ ou ‘você não é minha mãe’, mas ele está testando até onde pode ir e se essa relação é realmente forte e duradoura”, diz a especialista.
A psicóloga afirma que sem a ajuda e o preparo necessário, muitas mães podem desistir da maternidade e a criança sofrer um novo abandono. “Cuidar da saúde mental das mães é também proteger e garantir direitos a essas crianças”.
Um estudo brasileiro publicado em 2021 mostrou como a saúde mental das mães e pais adotivos está associada à desistência da adoção, podendo gerar traumas e um novo abandono para essas crianças e adolescentes. A pesquisa feita pelo Núcleo de Pesquisa e Intervenção em Famílias com Bebês e Crianças da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) mostra que a insatisfação com a parentalidade pode contribuir para um colapso da adoção. “Esse estudo mostra que os altos níveis de transtornos mentais nos pais aumentam em três vezes o risco de a família pensar em desistir da adoção”, explica Mayra Aiello.
Falta de controle da própria vida
As mães são unânimes em dizer que uma das dificuldades é, de uma hora para outra, não ter mais controle de nada. Casada há 20 anos, a professora Paula Futada estava acostumada só com a vida do casal, viajando e tendo total controle do seu tempo.
Enquanto a maioria das pessoas espera adotar um bebê, ela imaginava que seria mãe de duas crianças por volta dos 4 ou 5 anos. Para sua surpresa, o filho Henrique chegou ainda bebê e após apenas três meses de espera. “Achava que levaria mais de um ano para meu filho chegar. Meu telefone tocou e quando falaram que tinha um bebê, achei que estavam ligando para a Paula errada. Em uma semana, ele foi para casa e a gente não tinha nada preparado e eu estava num misto de sentimentos – da alegria ao desespero – ao ser mãe de um bebê”, conta.
A professora diz que o primeiro ano foi pesado porque não tinha estudado, nem se preparado. “Foi tudo muito no susto, não sabia nem o que comia uma criança de 11 meses e acabei virando uma mãe doida. Depois da minha licença, eu chorava para deixá-lo na escola, era muito rígida com os horários e queria ficar grudada o tempo todo com ele, não deixava ninguém chegar perto. Costumo dizer que era um misto de sentimentos. Um amor arrebatador que nunca havia vivido antes e a sensação desesperadora que é ter a responsabilidade pela vida de um ser”, recorda a mãe de Henrique, que decidiu procurar ajuda profissional ao ver que já não era mais a mesma.
Já a atriz Flávia Scherner diz que percebeu que um fim de semana longe dos filhos não era suficiente para descansar. Então, decidiu procurar terapia e um psiquiatra, que indicou medicações próprias para o momento. “Estava muito puxado, tudo muito desregulado emocionalmente. Tanto eles como eu. Para eu conseguir ajudá-los, a criar vínculos e amar meus filhos, precisei regular primeiro as minhas emoções para que desse certo”, conta.
Assim, Flávia concorda com Paula. Ela conta que, além das mudanças com a chegada dos filhos, o relacionamento do casal também muda e a mãe precisa se redescobrir nos novos papéis. “Passamos a ser sócios numa empreitada gerenciando problemas, horários, demandas. Se é hora do banho e a criança não quer entrar, quem é o que está mais disponível com tempo e, principalmente, emocionalmente para lidar com essa situação?”, questiona.
A psicoterapeuta do Einstein explica que as mães, assim como os pais, podem precisar de ajuda profissional para enfrentar da forma mais saudável possível. “Existe um processo de adaptação da criança com a família e da família com a criança e não se encerra logo. É preciso que haja um espaço afetivo para um receber o outro”.