Remédios, sorvete e videogame: prescrição médica gera debate sobre atendimento humanizado

Recomendações foram dadas a uma criança de 9 anos, levada pela mãe a um posto de saúde de Osasco, na Grande São Paulo

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Receita médica para criança com sintomas gripais e dor de garganta | Foto: Reprodução Twitter
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Indignada com o atendimento prestado por um neurologista de um posto de saúde de Osasco, na Grande São Paulo, a mãe de um garoto de 9 anos, Priscila da Silva Ramos, 37, postou uma foto em rede social que logo viralizou ao mostrar a receita dada pelo profissional de saúde. No documento, além da indicação de uso de diversos medicamentos, se vê também a recomendação de sorvete de chocolate e do jogo de videogame Free Fire. 

À Folha de S. Paulo, Priscila disse que foi deboche do médico fazer essas sugestões para o filho que tinha inflamação na garganta e sintomas gripais e não foi examinado. O atendimento ocorreu em uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) da rede pública de Osasco, na Grande São Paulo. Com a repercussão do caso, o médico chegou a ser desligado, mas foi readmitido na quarta-feira (31). A prefeitura de Osasco informou que a ordem de readmissão partiu do prefeito Rogério Lins, que disse que a receita traz toda a medicação necessária e viu a atitude do médico como humanizada

O episódio levantou uma discussão sobre a qualidade do atendimento médico, a questão da humanização na medicina, a adequação dos remédios prescritos e mesmo sobre a indicação de uma sobremesa gelada para uma criança doente. 

Em postagem em rede social, a psicóloga Márcia Tosin saiu em defesa do médico: “Todo meu apoio a esse médico fofinho que indicou sorvete de chocolate e videogame para o menino com quadro viral! Queria convidá-lo para nosso quadro de profissionais de saúde”. Entre os mais de 1.500 comentários que recebeu, algumas pessoas disseram ter opinião semelhante, mas muitas criticaram a falta de um exame minucioso da criança e até o uso de telas, em especial desse jogo para a faixa etária abaixo dos dez anos. 

“Não podemos avaliar a conduta profissional do médico, porém a internet fez isso, como é o comum dos cancelamentos digitais. Nós não sabemos se ele realmente não examinou ou realizou exames, isso quem tem que avaliar é o conselho (médico), não nós que não somos da área”, disse Márcia à Canguru News.

Segundo a psicóloga, o médico foi humano perguntando para a criança se ele gostava de sorvete e adaptando a receita de uma forma a se aproximar da sua perspectiva. “A importância da humanização é lembrar que em espaços ocupados por humanos, a empatia, caridade, respeito ao próximo e altruísmo devem imperar.” 

Para o pediatra Daniel Becker, o que levanta dúvidas não é a indicação da sobremesa e do game, mas sim o fato de o médico não ter conversado com a mãe antes e explicado o porquê das orientações. Ele diz que costuma colocar nas receitas recomendações para brincadeiras e contato com a natureza. “Talvez se eu entregasse para uma mãe de forma negligente, sem conversar com ela ou com o pai sobre o assunto, eu fosse mal interpretado. Eles poderiam achar que eu estava inventando história. Mas eu faço isso conversando sobre a importância dessas atividades e da saúde da criança em todos os sentidos.” O pediatra complementa que, nesse contexto positivo na relação médico-paciente, o efeito também é positivo na atitude da família, trazendo benefícios para a criança.

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Becker diz que, para além da atuação do médico, que não pode ser analisada de forma unilateral, uma criança com febre, vomitando e dor de garganta tem de ser examinada extensivamente. “É preciso fazer um exame clínico completo, ver a garganta, se está com febre, ver os gânglios e se tem outros sinais de outras doenças que podem aparecer por exemplo num exame abdominal, como aumento do baço. Há muitas situações em que essa dor de garganta merece um exame completo independentemente da queixa.”

Sobre as medicações, ele diz que, se de fato a criança não foi examinada e ela tinha um quadro viral, a medicação está inadequada. “Parece haver uma hipermedicação, embora eu não possa afirmar sem ter certeza de que esse atendimento foi realizado de forma tão negligente”. 

Sorvete faz mal para dor de garganta?

O frio local pode acalmar a dor de garganta, mas Becker diz preferir indicar gargarejo com água morna. “Também acalma muito a dor e não tem os quilos de açúcar e gordura trans que o sorvete vai trazer para a criança e que não são benéficos para ela. Um sorvetinho de vez em quando, ok, faz parte da vida, mas tomar sorvete duas vezes por dia, ainda mais doente, quando você precisa de um bom microbioma, eu não não receitaria isso.”

Matéria da Folha sobre o tema diz que o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA) informa que chupar cubos de gelo, picolés e pastilhas ajuda a reduzir a dor de garganta. Orientação semelhante é dada pelo NHS, serviço de saúde pública do Reino Unido.

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