Estudos já mostraram que as experiências vividas durante a infância moldam e modificam profundamente o cérebro. O ambiente afetivo no qual as crianças estão inseridas – se há relações permeadas por segurança, confiança, carinho e empatia – trará um impacto direto no desenvolvimento de zonas cerebrais relacionadas a habilidades intelectuais e emocionais. Isso é importante, em especial, para que os filhos cresçam de modo saudável e sejam capazes de lidar com situações de estresse e ansiedade, como explica a pediatra francesa Catherine Gueguen no livro best-seller Por uma infância feliz, da nVersos Editora, que acaba de ganhar uma versão traduzida no Brasil.
“Nosso cérebro é realmente ‘desenhado’ para as interações humanas e para uma relação que considera plenamente toda a riqueza e complexidade do afeto, das emoções e dos sentimentos. Esse modo de relação ‘ideal’ com a criança, de forma respeitosa, empática e afetuosa, transforma as interações entre adultos e crianças, permite que o cérebro se desenvolva adequadamente e faz o ser humano prosperar”, afirma ela na obra.
Catherine tem 30 anos de experiência no atendimento a crianças e ministra um curso sobre apoio parental para pediatras na Universidade de Sorbonne, em Paris, desde 2019, sendo uma das principais referências da parentalidade positiva em seu país. Ela tem formação em haptonomia (terapia que promove o contato psicotátil entre mãe, pai e bebê) e comunicação não violenta, e defende educar os filhos com limites claros e consistentes, em vez de práticas punitivas baseadas na violência física ou psicológica.
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As punições e os métodos coercitivos afetam o cérebro e podem até a reduzir o volume da massa cinzenta na região pré-frontal, crucial para o desenvolvimento da vida social, conforme evidenciado em pesquisas. Em contraponto, a parentalidade positiva segue um modelo de criação que prioriza o desenvolvimento integral das crianças, respeitando direitos e necessidades, com amor, segurança e orientação. Isso traz implicado aspectos como tempo de qualidade, comunicação clara e assertiva e compreensão dos ritmos individuais. Os pais são incentivados a se tornar modelos de comportamento, buscando soluções pacíficas aos conflitos, o que não é sinônimo de permissividade. “Toda vez que uma criança pequena observa como o adulto consegue atravessar um conflito emocional com calma, os circuitos de seu córtex orbitofrontal, responsáveis por regular a amígdala, vão “repetir” e gravar a cena vivenciada”, explica a médica, autora também de obras como Carta para um jovem pai, de 2020, e Feliz por aprender na escola, de 2018. Ela diz que esse conhecimento não torna o papel do adulto mais simples, mas faz com que ele tenha mais consciência e responsabilidade por suas atitudes.
A seguir, veja cinco formas cientificamente comprovadas de pôr em prática a parentalidade positiva com as crianças para criar um ambiente acolhedor, contribuindo assim para o desenvolvimento de adultos confiantes e emocionalmente responsáveis no futuro.
Mantenha uma comunicação empática
Ouça atentamente as emoções e preocupações da criança, demonstre empatia e valide os sentimentos que ela apresenta por mais que não concorde com eles. Evite impor a sua opinião de forma autoritária e busque entender o ponto de vista dela. Isso não quer dizer que os pais devem atender os desejos do filho durante uma crise de birra e fazer tudo o que ele quiser. É sim uma maneira de demonstrar compreensão, fazendo com que aos poucos ele se acalme e possa pensar de maneira racional, por meio de afirmações como: “Eu entendo que você esteja chateado(a) comigo porque eu não quero te dar isto” ou, “Eu entendo que você esteja chateado(a) comigo porque é muito frustrante não conseguir fazer isso que você quer”. “Geralmente, os pais confundem tentar compreender a criança e saber acalmá-la com ser permissivo. Tranquilizar, acalentar uma criança não é o mesmo que ceder ou satisfazer todos os seus desejos”, afirma Catherine.
Promova segurança afetiva
Segundo a pediatra, acalmar e compreender a criança lhe proporciona um sentimento de segurança e confiança com relação aos pais, fazendo-a entender que mesmo com raiva e se sentindo mal, ela pode contar com eles ao perceber que a entendem e não a rejeitam. E uma vez respeitada, ela se sentirá motivada a respeitar também. “Esta é a chave das interações empáticas. Nunca conseguiremos obter o respeito por intermédio do medo e da submissão”. É fundamental, portanto, estar presente e disponível, oferecendo apoio nos momentos difíceis. Crescer cercada de carinho desenvolve a inteligência emocional e social e evita a emergência de perturbações fisiológicas cerebrais, que uma vez instaladas são a origem de dificuldades afetivas na idade adulta.
Estabeleça limites claros e consistentes
Defina regras e expectativas de comportamento de forma clara e consistente. Explique as razões por trás das regras e ajude a criança a entender as consequências das ações. Os limites trazem segurança ao filho e fazem com que ele aprenda as regras de convívio em sociedade. Mas o principal é como os limites são impostos, diz Catherine: “quando o adulto transmite as regras com paciência, tranquilidade e de acordo com a idade da criança, ela aprenderá gradualmente e sem problemas. Porém, se o adulto faz uso da força e da rigidez, a relação com a criança pode se deteriorar e ela acabará adotando comportamentos agressivos ou de isolamento”.
Seja um modelo de comportamento
Demonstre os valores que deseja ensinar por meio do exemplo. Cultive um ambiente familiar onde o respeito mútuo e a cooperação são valorizados. Promova a resolução pacífica de conflitos através do diálogo aberto. A criança está o tempo inteiro observando os adultos – se eles agem de forma respeitosa, empática, carinhosa, íntegra, curiosa, entusiasmada, compreensiva e atenta com outras pessoas, a criança fará o mesmo, destaca a médica.
Dedique tempo de qualidade
Reserve momentos especiais para estar com seus filhos, participando de atividades que eles gostem. Priorize o tempo de qualidade em detrimento da quantidade de tempo dedicado. Esteja presente e envolvido nas vidas dos filhos, mostre interesse genuíno por suas experiências e interesses.