Talvez você não conheça o termo “alienação parental”, mas certamente já ouviu alguma história de alguém que passa por isso. A prática pode acontecer, por exemplo, quando a mãe ou o pai fala mal do(a) parceiro(a) para o filho constantemente. Ele pode usar frases como “ele/ela não gosta de você, por isso não veio te buscar” ou “ele/ela já está em outro relacionamento e não quer mais saber de você”. E a criança, de tanto ouvir essas afirmações, passa a acreditar nelas. A alienação parental acontece quando há interferência psicológica na criança ou no adolescente para repudiar determinado familiar, por meio de uma dinâmica de repetições de atos, que visam prejudicar o estabelecimento ou a manutenção de vínculos.
Segundo dados do Datafolha, cerca de 80% dos 20 milhões de filhos de casais separados são alvos dessa condição. O número dá uma ideia do quanto a prática é comum no país e ocorre muitas vezes por questões mal resolvidas no relacionamento do casal – mas especialistas ressaltam que os dados são insuficientes, visto que não há estudos de casos de crianças, cujos pais vivem juntos, e também sofrem o problema.
Para proteger a criança e o adolescente da prática, foi criada em março deste ano a Lei 14.340/22, que altera a Lei 12.318, de 2010, e consolida a importância da atuação interdisciplinar em processos que tratam da alienação parental. A ideia é que crianças vítimas da prática passem a contar com maior participação de psicólogos e assistentes sociais na condução do caso, além de um perito particular com expertise na temática, que desenvolva a ação de maneira mais objetiva e rápida.
“A mudança legislativa é importante, pois reforça que as crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e possuem direito à ampla convivência familiar. Também reforça o lugar de proteção dos familiares e de pessoas que exerçam autoridade sobre as crianças e adolescentes. Ademais, a legislação está atenta à necessidade de atuação interdisciplinar e de celeridade na tramitação de processos dessa natureza. O que reverte na proteção das crianças e adolescentes, que estarão menos suscetíveis à violência institucional e terão maior possibilidade de verem resguardados os seus direitos a uma convivência familiar sadia”, explica a advogada Renata Cysne, diretora nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família.
A alteração também visa diminuir o tempo de duração de cada processo, visto que alguns se prolongam por meses. Os que possuem laudos psicológicos e/ou biopsicossociais, utilizados para apresentação descritiva acerca de situações e/ou condições psicológicas dos menores, pendentes há mais de seis meses, agora deverão ser concluídos em até três meses. Em conjunto com a medida, a advogada explica que deverá haver direcionamento quanto ao acompanhamento psicológico ou biopsicossocial, de maneira que se torne periódico e que, segundo o novo regramento, contenha o laudo inicial, com avaliação do caso e o indicativo de metodologia ideal de abordagem, e laudo final.
Além disso, a nova lei revogou a possibilidade de declarar a suspensão da autoridade parental e determinou ao juiz que comunique ao Ministério Público indícios de violação de direitos de crianças e adolescentes. Isso significa que, enquanto anteriormente era possível que o juiz suspendesse o pai ou a mãe dos cuidados com o filho, quando praticada a alienação, atualmente não é mais. Caberá ao Estado garantir espaço adequado para realização da convivência assistida, que busca garantir que, ainda que um dos progenitores represente alguma ameaça à criança, a convivência entre as partes deve ser mantida. As visitas podem ser assistidas por assistentes sociais e profissionais especializados, seja no próprio fórum ou em entidades conveniadas.
“As crianças e os adolescentes são os destinatários primários da Lei, toda a construção é no sentido de protegê-los de qualquer interferência psicológica que os impeçam de formar vínculos com outros familiares. A atuação interdisciplinar prevista na lei é para que a criança seja ouvida de forma respeitosa e tenha sua opinião levada em consideração, sempre de acordo com o seu grau de maturidade. O melhor interesse da criança e do adolescente é o princípio básico e, portanto, toda a leitura e aplicação legislativa, deve atender esse preceito”, completa Renata.
Punições estabelecidas pela lei, aos pais que praticam a alienação:
- Ampliação da convivência da criança e do adolescente com o familiar que sofreu a alienação;
- Aplicação de multa;
- Determinação de acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
- Alteração da modalidade de guarda.
Exemplos de práticas de alienação parental
Em situações de alienação parental, as crianças e adolescentes ficam diretamente expostas ao conflito dos adultos e com isso há uma série de prejuízos de ordem emocional e material. A literatura relata desde a quebra de brinquedos e artigos pessoais a prejuízos escolares, ao desenvolvimento físico e psicológico e até relatos de ideação suicida e auto extermínio, a depender da dinâmica estabelecida.
Comportamentos classificados como alienação parental:
- Dificultar o exercício da autoridade parental;
- Dificultar a convivência familiar regulamentada;
- Desqualificar a conduta do familiar no exercício da autoridade parental;
- Mudar de domicílio injustificadamente, com objetivo de dificultar a convivência;
- Omitir informações relevantes sobre a criança.
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