‘Foi um erro acreditar que as crianças não teriam complicações graves com a covid-19’

Número de casos da Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica preocupam a comunidade médica e os pais; especialistas explicam os sintomas, tratamentos e alertam para as baixas taxas de vacinação e necessidade de diagnóstico precoce

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Garota doente olhando para um termômetro
Entenda mais sobre a SIM-P: Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica
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Pediatras, infectologistas e epidemiologistas no mundo todo, incluindo o Brasil, têm alertado e demonstrado preocupação com o número crescente de casos da Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica, conhecida como SIM-P. Trata-se de um quadro clínico raro que se manifesta em crianças e adolescentes, de duas a quatro semanas após a contração do coronavírus. A síndrome não está relacionada à gravidade do quadro de coronavírus, podendo aparecer também em crianças e adolescentes que tiveram de quadros assintomáticos, moderados ou graves da covid-19.

Segundo Ana Cristina Loch, pediatra especializada em infectologia pediátrica, foi um erro a comparação da gravidade da doença entre crianças e adultos. “A alta do número de casos de SIM-P se deve, em grande parte, às baixas taxas de vacinação entre crianças e adolescentes e também à alta exposição de crianças ao vírus no início da pandemia, pois acreditava-se que somente adultos ficavam com complicações graves.”

A médica alerta, ainda, que fake news sobre a vacinação infantil contra o coronavírus têm deixado os pais bastante confusos. “As crianças não vacinadas ficam mais suscetíveis à SIM-P, visto que as vacinas realmente têm o propósito de diminuir as complicações e doenças de gravidade pelo SARS-CoV 2.  Algumas falsas notícias de que menores não contraem covid-19, apenas transmitem, podem ter deixado os pais mais descrentes, levando os pais a não vacinarem seus filhos.”

Alfonso Eduardo Alvarez, pneumologista pediátrico, presidente do Departamento de Pneumologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo, relata que uma pesquisa realizada pelo CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) ajudou a ressaltar a efetividade da vacinação infantil contra o coronavírus na prevenção de casos de SIM-P. Os dados da pesquisa realizada em norte-americanos de 5 a 11 anos comprovaram que a vacinação contra a COVID-19 é capaz de prevenir a síndrome em 91% dos casos. 

“A efetividade da vacina na prevenção da Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica é um dos vários motivos pelos quais as crianças devem ser vacinadas. Todos os pacientes que necessitaram do suporte de vida no estudo realizado pelo CDC eram pacientes não vacinados. Além de ajudar a evitar complicações da doença, a vacina também é muito importante na prevenção da síndrome”, afirma Alfonso Alvarez. 

Dados da Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização da Covid-19, do Ministério da Saúde, indicaram, em dezembro do ano passado, o registro no Brasil de “2.435 casos suspeitos da SIM-P associada à covid-19 em crianças e adolescentes de zero a
19 anos no território nacional”. O diagnóstico foi confirmado em 1.412 (58%) desses casos, com 85 óbitos. De acordo com essa nota, a maior parte dos casos (64%) foi observada entre crianças de 1 a 9 anos. “Entre as crianças hospitalizadas, a necessidade de internação em UTI ocorreu em 44,5% dos casos e a letalidade foi de 6% (cerca de 5 vezes superior à relatada nos Estados Unidos)”, destaca o informe do Ministério da Saúde.

Sintomas e consequências

A Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica se caracteriza por uma resposta inflamatória tardia e exacerbada após o contato com o SARS-coV 2, vírus causador da covid-19.  Entre seus sintomas estão: febre alta e contínua (de 3 a 5 dias), vermelhidão por todo corpo, dor abdominal ou diarreia, aumento dos linfonodos, edema, dor nas extremidades, conjuntivite bilateral não purulenta, sinais de inflamação com muco e comprometimento cardiovascular. Algumas complicações do quadro também podem resultar no desenvolvimento de vasculite (inflamação dos vasos sanguíneos), miocardite (inflamação no músculo cardíaco) e aneurisma da artéria coronária. 

Os primeiros casos de SIM-P foram relatados em abril de 2020, o que levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a declarar Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII). Apesar de sua frequência ser considerada rara, grande parte dos casos necessita de tratamento intensivo, com possibilidade de óbito. 


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Sequelas por toda a vida

Um estudo realizado pela Universidade do Texas, disponibilizado em inglês, revela que a Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica pode danificar o coração das crianças a tal ponto que podem ficar com sequelas para o resto da vida. Entre os 662 casos de SIM-P estudados, 54% dos ecocardiogramas apresentaram resultados anormais e 22,2% dos menores necessitaram de ventilação mecânica. 

“Pode ser letal porque afeta vários órgãos. Quer seja o coração e os pulmões, o sistema gastrointestinal ou o sistema neurológico… Ela ataca em tantas frentes que inicialmente é difícil para os médicos entenderem” disse, em nota, Álvaro Moreira, um dos autores da pesquisa. 

Síndrome é rara, mas número é expressivo e exige atenção

Apesar de rara, a SIM-P já afetou um número expressivo de menores por todo Brasil. O tratamento deve ser acompanhado com muita atenção pelos profissionais da área. “A criança com SIM-P tem que ser internada para acompanhamento de equipe de emergência e terapia intensiva. Existem protocolos de suporte cardíaco, respiratório, controle de exames séricos, ajuste de coagulação, suporte de hídrico e de função renal. Algumas crianças precisarão de imunomoduladores e terapia antiviral” , relata Paulo Telles, pediatra  e neonatologista da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). 

O diagnóstico precoce da síndrome é extremamente importante, sustentam os médicos. “Os pais devem ficar atentos se a criança começar a apresentar sinais como febre alta e prolongada, manchinhas na pele e sintomas gastrointestinais. Caso os sintomas apareçam, procurem atendimento o mais rápido possível, pois o diagnóstico precoce faz muita diferença na recuperação da criança” explica Ana Cristina. 

O caso de Lorena Navarrete, técnica de enfermagem chilena, que perdeu o filho, ficou conhecido em todo o mundo. Navarrete relatou a morte de seu filho em decorrência da SIM-P à rede TVN, no Chile. Segundo Lorena, em poucos dias o garoto desenvolveu manchas na pele, vômitos, febre alta e urina escura. Após diversos resultados negativos de testes de coronavírus, os médicos descobriram que o garoto havia desenvolvido a síndrome. Por conta do diagnóstico tardio, já eram poucos os recursos de tratamento disponíveis, o que acabou levando o garoto a óbito. “Não quero que a morte de Emilio seja em vão. Que isso seja conhecido para que o mesmo não aconteça com outros pais”, relatou. 


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