Filhos adolescentes costumam ser vistos como um desafio para muitas famílias. É nessa fase que os jovens enfrentam mudanças físicas, psicológicas e sociais. Mudam o corpo, as palavras, as atitudes, o modo de lidar com as coisas e mesmo os perigos em que se envolvem. Nenhum outro período do desenvolvimento humano apresenta tantas transformações simultâneas quanto a adolescência, diz a Sociedade Brasileira de Pediatria.
“A adolescência é um terreno inexplorado – para pais e filhos. Se para você existe o susto de ver mudanças no corpo, na voz e no comportamento do seu filho, para ele é igualmente assustador”, afirma a colunista da Canguru News, Jacqueline Vilela, fundadora da Parent Coaching Brasil e uma das principais referências em coaching parental no país. No livro “Meu filho cresceu, e agora? Um manual para lidar com a adolescência” (Literare Books), ela explica que é fundamental entender a maturidade do filho, o que ele já é capaz de fazer e decidir sozinho. Os pais têm de “deixar o filho se frustrar, assumir as consequências dos seus atos e manter o canal aberto na adolescência”, diz ela.
Para celebrar o Dia da Adolescência, neste 21 de setembro, pedimos à escritora que respondesse quatro perguntas-chaves sobre educação de filhos adolescentes. Confira abaixo!
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4 perguntas-chaves sobre educar filhos adolescentes
1. Por que a adolescência é uma fase tão desafiadora para os pais?
Em primeiro lugar porque a adolescência é pouco debatida e explorada. Precisamos falar mais a respeito, orientar e educar os pais para essa fase de vida, que ainda é norteada de mitos, como por exemplo o de que a adolescência é uma fase difícil. Eu acredito que, como em qualquer outro momento, a adolescência é uma fase extremamente importante e requer a atenção e esforço dos pais para orientar. A diferença é que na infância os pais estavam no volante, dirigindo, dando ordens, decidindo e conduzindo a vida daquela criança. Na adolescência, os pais precisam dar a direção aos jovens e isso é assustador para a maioria. Alguns relutam em expandir os limites e promover a independência gradativa do jovem. Outros se ressentem com a preferência do jovem pelos seu grupo de amigos. Há, ainda, os que acreditam que precisam se manter no controle e aqueles que perdem o controle e acabam dando muita liberdade. Entender a maturidade do filho, o que ele já é capaz de fazer e decidir sozinho, deixar o filho se frustrar, assumir as consequências dos seus atos e manter o canal aberto na adolescência é o que torna essa fase mais difícil do que a infância.
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2. Por que o afastamento entre pais e filhos na adolescência costuma ser tão comum. Como evitá-lo?
Porque nessa fase, os filhos adolescentes estão fazendo o movimento de olhar para fora, de descobrir quem eles são além dos pais. Na infância, o mundo da criança são os pais e cuidadores, tudo o que eles falam é a mais absoluta verdade, existe uma confiança cega e uma dependência da criança para realizar as coisas. Muitos pais se ressentem com a perda daquele criança boazinha que andava para todo canto com eles. Como se de um dia para o outro essa criança se transformasse em um jovem alto, de voz e corpo diferentes, e que pede aos pais se afastarem dele.
O adolescente se sente perdido, muitas vezes sufocado, não aceito pelos pais.
Como o adolescente deseja se inserir na sociedade, os pais naturalmente perdem espaço para os amigos. E infelizmente costumam levar para o lado pessoal, se ofender ou ressentir com o afastamento, como se houvesse uma espécie de ingratidão por tantos e tantos anos dedicados àquele filho. Já o adolescente se sente perdido, muitas vezes sufocado, não aceito pelos pais. Eles querem descobrir o que são além das paredes daquela família e iniciam a busca pelas suas próprias respostas e pelo seu autoconceito. É importante entender que o adolescente está descobrindo o seu próprio mundo. E é saudável que ele construa as suas próprias definições, para que possa passar para a vida adulta de uma forma mais saudável e segura. Isso não significa que os pais devam se afastar. Como adultos, devem continuar exercendo influência, orientando, apoiando, mas agora de um jeito diferente, sem querer interferir em tudo e controlar a vida do jovem.
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3. No seu livro, você fala que reconstruir o vínculo entre pais e filhos adolescentes é o primeiro passo para “o resgate do amor” e que isso pode ser bem dramático. Por quê? Poderia dar exemplos de como fazer esse resgate?
O adolescente é questionador. Nessa fase ele vai compreender muito bem a dinâmica da família e vai ligar os pontos, apontar as incongruências, discordar, debater. Se ele percebe que sempre foi cobrado para não mentir, mas vê os pais cometendo pequenas mentiras no dia a dia, por exemplo, ele pode deduzir que foi enganado. E como o cérebro do adolescente não está 100% desenvolvido, faltará maturidade para uma conversa neutra. O adolescente vê tudo preto no branco. Ele ainda não é capaz de entender nuances, duplo sentido nos relacionamentos com os adultos. Por isso, se no convívio da família nunca houve tempo ou espaço para diálogos, não imagine que você poderá simplesmente sentar com o filho adolescente e dizer: “me conte tudo sobre a sua vida”.
O adolescente vê tudo preto no branco. Ele ainda não é capaz de entender nuances, duplo sentido nos relacionamentos com os adultos
Ele provavelmente vai supor que o seu súbito interesse não é verdadeiro e vai te testar de todas as formas para ter certeza das suas reais intenções. É nesse estágio que muitos pais acabam desistindo, por acreditarem que não adianta mais insistir. Mas isso só prova ao adolescente o quanto ele estava certo. Por isso eu sempre oriento: Se há a necessidade do resgate do amor é porque em algum momento ele deixou de ser percebido. E eu friso bastante a palavra “recebido” porque o que é questionado não é “se há amor”, claro que os pais amam os seus filhos, mas se este amor consegue chegar no coração do adolescente.
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O que é questionado não é “se há amor”, claro que os pais amam os seus filhos, mas se este amor consegue chegar no coração do adolescente.
Todo comportamento é um pedido de amor desse adolescente. Certa vez uma mãe me procurou dizendo que a filha “do nada” ficou respondona, rebelde, insuportável de se conviver. Tentamos chegar juntas à origem daquele comportamento e o que ele queria comunicar. Ela tinha ganhado um irmão depois de 10 anos sozinha. O irmão estava com 4 anos e desde o nascimento sempre exigiu demais da mãe, por ser “arteiro”. Então essa menina começa, na adolescência, a ficar rebelde porque entende que nada do que faz traz para os pais a mesma satisfação que o irmão proporciona. E então essa mãe se propõe a ter mais momentos só com a filha, mas todos os convites são recusados por ela. Essa mãe chega a pensar que não adiantaria insistir, mas conversamos sobre o resgate do amor e sobre como o começo parece ser difícil. Depois de alguns meses tentando, a filha começa a ceder, as duas passam a ter a oportunidade de conviver e o comportamento da filha estabiliza. Por isso, antes das coisas melhorarem, tudo o que não foi dito poderá vir à tona.
4. Por fim, é possível dizer algo aos pais que possa tranquilizá-los em relação à adolescência dos filhos?
A adolescência é um terreno muito fértil, acreditem. Se os pais tiverem a coragem de aceitar o filho adolescente, sem compará-lo à criança que ele foi um dia e se (mesmo com o desconforto) forem capazes de dar a condução para eles, ficando ao lado, orientando e apoiando, esse adolescente florescerá. Ajude o seu filho adolescente a construir um autoconceito forte para que ele construa uma vida com escolhas melhores. Não tente construir essa vida pelo seu filho e nem viver por ele as frustrações da vida, esse é o segredo.
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