Estudo mostra impacto da pandemia em crianças da educação infantil

Levantamento foi realizado por pesquisadores da UFRJ em 77 escolas das redes pública e privada do país com 2070 crianças; para surpresa dos pesquisadores, atividades de leitura cresceram na pandemia

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Estudo mostra impacto da pandemia em crianças da educação infantil; mãos de duas crianças e um adulto seguram pincéis em copo com água sobre mesa que tem também bolas de argila pintadas
A promoção de estímulos com atividades diversas como pintar, desenhar e ler histórias favorece a aprendizagem nos primeiros anos de vida das crianças
Buscador de educadores parentais
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O ensino remoto imposto pelas medidas de isolamento social devido à covid-19 tem se mostrado um desafio para todos os níveis de ensino, mas, em especial, para a educação infantil, já que crianças pequenas têm mais dificuldade em se adaptar às atividades a distância. O impacto que a pandemia trará a essa geração ainda é incerto mas estudos começam a mostrar que o prejuízo pode ser grande. Um estudo recém-divulgado, feito pelo Laboratório de Pesquisa em Oportunidades Educacionais, o LaPope, da Universidade Federal de Rio de Janeiro (UFRJ), mostra os efeitos da crise sanitária no bem-estar e no desenvolvimento dos pequenos, em relação a aspectos cognitivo, motor e socioemocional, e aponta também os desafios para a reabertura das escolas.

Feita por meio de questionários e entrevistas com pais, professores e diretores da pré-escola – que atende crianças de 4 e 5 anos –, a pesquisa indica, por exemplo, que muitas famílias não mantiveram nenhum contato com os docentes durante a pandemia. A situação é mais grave na rede pública, onde esse índice é de 33% contra 10% das famílias da rede privada. Preservar o vínculo com a escola durante o ensino remoto é uma forma de manter as brincadeiras e interações com outras crianças e com os professores, que são a base do trabalho da educação infantil.

“Os professores relataram dificuldades de comunicação com as famílias, principalmente, nas escolas públicas, devido à falta de acesso à internet ou telefone. Em compensação, a maioria dessas escolas (96%) preparou e enviou materiais impressos às famílias. Já nas escolas privadas, observamos um predomínio de plataformas virtuais de aprendizagem e atividades ao vivo com interação entre professores e crianças”, analisa Mariane Koslinski, que coordenou o estudo junto com Tiago Bartholo, ambos professores do Programa de Pós Graduação em Educação da UFRJ.

Mariane diz, no entanto, que mesmo nas instituições particulares analisadas, em que as famílias têm acesso à internet, 45% dos professores disseram que eles contavam com menos da metade da turma nas atividades, o que, segundo a pesquisadora, pode estar associado à própria rotina da família, que impede estar na atividade ao vivo e também à dificuldade de engajamento das crianças nas aulas.

Tiago lembra que a barreira técnica, de acesso à internet, é um problema também para os professores, mas além disso ressalta a questão pedagógica, quanto a quais atividades funcionam nesse formato.

“Quando comparamos o ensino presencial e o remoto, vemos que as crianças aprendem mais no presencial, mas isso não deve ser um argumento contra o ensino remoto. Pensando que ainda estamos vivendo a pandemia e o ensino remoto deve continuar, é preciso tentar aprender com experiências e boas praticas que existem em diferentes escolas de educação infantil, para o atendimento de crianças de 4 e 5 anos, e dar visibilidade a isso, ampliando o debate sobre o trabalho pedagógico a distância, o que exige um nível de coordenação nacional, com o Ministério da Educação, e com os governos estaduais”, afirma o pesquisador.

Apoiada e financiada pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, que promove ações com foco na primeira infância, a pesquisa foi realizada em 77 unidades de educação infantil da rede pública e privada, localizadas em cidades do Sudeste e Nordeste do país, envolvendo um universo de 2070 crianças da pré-escola.


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Diferenças socioeconômicas se refletem nos estímulos para a aprendizagem

Inúmeros estudos mostram que os estímulos que as crianças recebem dos pais ou cuidadores são fundamentais para que se desenvolvam de maneira saudável. É consenso entre especialistas de diversas áreas, inclusive, que as experiências e oportunidades de bons relacionamentos nos primeiros anos de vida podem ter impactos positivos na vida adulta.

O estudo do LaPope constatou uma diferença de mais de 20% entre as famílias mais ricas e as mais pobres nas atividades de desenvolvimento cognitivo realizadas com as crianças, como pintar, desenhar, ler livros, cantar músicas e brincar com letras, números e cores. A prática de contar e brincar com números, por exemplo, ocorre em 74% das famílias de nível socioeconômico mais alto contra 46% nas famílias de nível socioeconômico mais baixo.


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Incentivo à leitura cresce na pandemia

Apesar das diferenças existentes, pode ser visto como positivo o fato de as famílias, mesmo as de menor nível socioeconômico, se dedicarem a realizar atividades de arte, música ou leitura com os filhos. Para surpresa dos pesquisadores – que em 2019 já haviam coletado dados sobre o assunto – houve uma prática em especial que cresceu durante a pandemia nas famílias de escolas públicas. “A maior parte das atividades se mantiveram estáveis, mas um número maior de pais falaram que estão lendo e folheando livros com os filhos”, comentou Mariane. O aumento é de cerca de 15%: em 2019, em média 30% das famílias liam e folheavam livros para os filhos e, em 2020, 45% das famílias disseram fazer isso frequentemente ou muito frequentemente.

O interessante é que a gente está medindo isso em crianças bem pequenas, quando muito se fala sobre a importância do desenvolvimento integral, o qual está relacionado a oportunidades de aprendizagem amplas, incluindo aspectos como desenvolvimento do vocabulário, da coordenação motora fina, coordenação motora global e interação com os pares, por exemplo. Para tanto, é preciso que as famílias pensem, com suporte das escolas, em uma rotina que oportunize às crianças se desenvolver nessas mais diferentes áreas”, avalia Tiago.


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Mais telas – menos movimento, sol e ar livre

Conseguir manter uma rotina saudável durante o isolamento social tem sido um desafio para as famílias. O estudo mostrou que mais de 30% das crianças apresentam níveis de quantidade de sono, exercício e frequência de estada ao ar livre abaixo do adequado. A exposição às telas também piorou: 53% dos responsáveis falaram que aumentou o tempo de uso de smartphone, tablete, computador ou TV pelas crianças. Para 37% dos pais, os filhos ficam 4 horas ou mais em frente à tela, sendo que o considerado adequado pela Organização Mundial de Saúde é de não mais que uma hora para a faixa etária de 4 e 5 anos.

A pandemia também impactou negativamente no desenvolvimento da expressão oral e corporal, no relacionamento interpessoal e até na nutrição das crianças durante o isolamento. Essa foi a percepção de 78% dos professores ouvidos pelo estudo.

O estudo traz ainda dados sobre o contexto relacionado à saúde e atividade econômica dos adultos, visto que esses aspectos podem afetar a disponibilidade dos responsáveis em exercerem a parentalidade positiva, impactando assim no bem-estar da criança.

Alguns dos dados coletados mostram que 15% dos responsáveis pelas crianças perderam seus empregos no período, enquanto o percentual deste grupo que sofreu diminuição de renda chegou a 27%.


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Continuidade do estudo na reabertura das escolas

Segundo os pesquisadores, novas entrevistas serão feitas no retorno às aulas presenciais, para verificar se a percepção atual dos professores sobre os efeitos da pandemia e do isolamento no desenvolvimento cognitivo e motor das crianças se confirmará. “Embora os dados que temos atualmente sobre o impacto das crianças venham da percepção dos professores, são opiniões que estão alinhadas com o que a literatura internacional indica sobre os efeitos da pandemia nas crianças dessa faixa etária”, diz Tiago.

Entre os estudos citados por Bartholo, estão um feito na Holanda e outro na Bélgica e na Inglaterra. O primeiro comprovou que as atividades remotas têm efeitos pequenos sobre o aprendizado de crianças no ensino fundamental e é esperado resultado semelhante para crianças matriculadas na pré-escola. “É importante notar que estamos falando de países cujas desigualdades educacionais são menores do que o Brasil. Não será surpresa, infelizmente, se os dados que coletarmos na última fase do estudo, no retorno das crianças à escola, confirmarem o que esses dois estudos trazem e a percepção atual dos professores”, diz o pesquisador.

Com base nos resultados coletados, Tiago e Mariane dão algumas sugestões para gestores públicos e de escolas.

Recomendações para a retomada das aulas presenciais

1- Programa de apoio psicológico para os profissionais da educação;

2- Acolhimento e triagem de crianças em situação de maior vulnerabilidade para diagnóstico do bem-estar e saúde mental das crianças;

3- Diagnóstico do desenvolvimento/ aprendizado no momento do retorno presencial;

4- Atividades ao ar livre: mapeamento de áreas dentro e ao redor da escola;

5- Incentivo à prática de atividades físicas e outras brincadeiras sem o uso de tela;

6- Pensar estratégias de orientação para os pais com brincadeiras e jogos para enriquecer o ambiente de aprendizagem em casa.

Para saber mais sobre o andamento da pesquisa clique aqui.


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