O isolamento social, a mudança na rotina e os estresses provocados pela pandemia – das perdas e adoecimentos de pessoas próximas à sobrecarga dos pais –, fizeram com que muitas crianças passassem a dormir pior. Problemas como pesadelos, sonambulismo, terror noturno e despertar confusional – os chamados distúrbios do sono – que já existiam antes do coronavírus, se agravaram no último ano.
“A questão do isolamento social afetou muito a saúde mental de todos, principalmente das crianças, que diminuíram a atividade física e o contato com os amigos, e isso obviamente gera um estresse. Além disso, os pais sobrecarregados também acabam passando a ansiedade para os filhos e todos esses conflitos acabam repercutindo no sono, não tem jeito, a criança acorda mais à noite”, afirma a neurologista Rosana Cardoso Alves, especialista em sono de crianças e integrante da Associação Brasileira do Sono.
Rosana explica que o terror noturno pode estar associado a questões emocionais. Já o excesso de exposição às telas pode gerar pesadelos e a insônia também tem sido frequente, visto que as crianças têm se exercitado pouco. “As queixas relacionadas ao sono como um todo pioraram. Sei que nem sempre é possível controlar, as crianças estão mais expostas às telas, e às vezes acabam vendo imagens desagradáveis, assustadoras, e podem vir a ter pesadelos à noite, relata a neurologista.
Um estudo em andamento, coordenado pela neuropediatra Liubiana Arantes, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), indica que cinco a cada dez crianças têm tido distúrbios de sono. Feito em parceria com outras instituições, a pesquisa ouviu mais de quatro mil pessoas e mostrou também que 51% das crianças estão comendo mais durante a pandemia e 72% estão sedentárias.
“As crianças não estão se exercitando e têm no geral uma rotina entediante – sem contato com o sol e a natureza, aspectos que ajudam a regular os hormônios – e com excesso de telas. Esses fatores ligados à ansiedade, que as crianças também estão sofrendo, prejudicam muito o sono e, com ele, o desenvolvimento do cérebro, que pode trazer problemas como dificuldade de aprendizagem, déficit de atenção, irritabilidade e rompantes de agressividade”, explica Liubiana. A seguir, saiba mais sobre os principais distúrbios do sono que afetam as crianças.
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Distúrbios do sono comuns em crianças
Terror Noturno
É comum a criança acordar de repente aos gritos, chorando forte, parecendo estar em pânico. Às vezes, ela chega a se sentar na cama e se movimentar, mas não responde às tentativas de acalmá-la. “Na verdade, a criança não está acordada, mas dormindo em uma fase dita sono não-REM. Por isso, parece não responder aos pais”, explica Talita Rizzini, coordenadora de pediatria do Hospital Leforte, em São Paulo, em artigo para a Canguru News. O terro noturno acontece sempre perto do mesmo horário da noite e aparece mais em crianças até os cinco anos de idade, tendendo a melhorar com o amadurecimento do sistema nervoso central até a adolescência.
Sonambulismo
A criança se senta na cama e murmura palavras sem sentido durante alguns minutos, voltando a deitar-se e a dormir logo em seguida. Em alguns casos, ela pode perambular pela casa. Não é preciso acordá-la, apenas encaminhá-la de volta à cama. O distúrbio costuma atingir principalmente crianças entre 3 e 7 anos. Para evitar acidentes, é importante manter as janelas fechadas e guardar em local seguro objetos pontiagudos e outros que possam colocar a criança em risco.
Despertar Confusional
Trata-se de um despertar parcial, em que a criança abre o olho mas não interage nem sabe o que está acontecendo. Ela pode apresentar fala arrastada, sudorese e comportamentos como choro inconsolável ou agressividade. Em geral esse despertar dura poucos segundos, mas há situações em que leva até mais de uma hora.
Pesadelos
Costumam ser mais frequentes a partir dos 3 anos de idade, quando a criança já é capaz de interpretar os seus sonhos. No geral, ela acorda assustada – pode estar suada, agitada ou chorando – relatando alguma história amedrontadora relacionada aos sonhos ruins que teve. Os pesadelos são mais comuns na segunda metade da noite e raramente incluem fala, gritos ou andar durante o sono. Podem ter origem em situações de estresse que a criança vivenciou durante o dia, como a briga com um amigo, a história de um filme que assistiu ou livro que conheceu.
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Como melhorar o sono do seu filho
Em artigo para a Canguru News, a pediatra Talita Rizini dá dicas de como ajudar as crianças que apresentam distúrbios como terror noturno, sonambulismo e despertar confusional.
- Manter a calma é a primeira coisa que os pais devem fazer, aconselha a pediatra. “Não é incomum os pais ou cuidadores ficarem mais assustados que a própria criança que, quando acorda, pode nem se lembrar do que estava fazendo e daí se assustar com o desespero de quem veio para acudi-la”, diz. A pediatra lembra que os episódios têm duração de alguns minutos – o que para os pais pode parecer uma eternidade – e cessam espontaneamente, sem qualquer necessidade de intervenção.
- Garantir a segurança: durante a crise, a criança pode sentar, levantar e apresentar outros movimentos que podem colocá-la em risco de acidentes. É válido atentar também para altura da cama, objetos e móveis pontiagudos ou com quinas próximos ao colchão, tapetes e outros obstáculos. O quarto deve ser o mais seguro possível. Em caso de sonambulismo, mais atenção ainda deve ser dada à segurança de janelas, portas, sacadas e locais como a cozinha e área de serviço.
- Rotinas e bons hábitos de sono: horário para dormir, com rituais de sono e relaxamento antes do momento de adormecer podem contribuir muito para a diminuição dos episódios. Evitar eletrônicos e não consumir substâncias estimuladoras como café, chocolate, doces em geral, guaraná e chás com cafeína no período da tarde e da noite também podem ajudar na diminuição da frequência das crises.
- No caso de pesadelos, os pais devem explicar à criança o que aconteceu, que ela teve um sonho ruim e que a história que ela contou – um bicho correndo atrás dela, por exemplo – não é real e fazia parte do sonho. Especialistas também recomendam deixar na cama um objeto transicional, como um bicho de pelúcia ou um cobertor, que pertença à criança e lhe transmita tranquilidade e a ajude a lidar com as ansiedades do dia a dia.
“O terror noturno e as outras parassonias benignas na infância, em geral, não têm a capacidade de prejudicar a qualidade do sono da criança e atrapalhar o rendimento das atividades diárias. Por isso, é fundamental observar o comportamento da criança durante o dia. Sonolência diurna, dificuldade escolar, ronco noturno, dificuldade para adormecer e sono entrecortado com despertares frequentes podem ser sintomas de outras patologias que devem ser investigadas”, orienta a pediatra Talita Rizini.
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