Mapa da desigualdade infantil em São Paulo: cidade precisa acolher as suas crianças

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primeira infância em são paulo
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Investir na primeira infância, período que vai da gestação do bebê até que ele complete seis anos de idade, é crucial para o seu desenvolvimento. Nos primeiros anos de vida, as conexões cerebrais atingem uma velocidade única e são influenciadas pelos estímulos e pelas interações que a criança recebe, assim como pelo ambiente externo. Dados da economia comprovam que o dinheiro aplicado na educação infantil resulta em melhor desempenho na escola e no trabalho e diminui gastos com reforço escolar, qualificação profissional e mesmo saúde. 

Quando bem cuidada, uma criança pode se tornar um adulto autônomo, produtivo e saudável, afirmam estudos.

A desigualdade existente no país, porém, é um entrave para o pleno desenvolvimento das crianças. Aspectos como saúde, habitação, saneamento, educação, vias arborizadas e mobilidade são muitos díspares entre estados e municípios brasileiros. E mesmo entre bairros de uma cidade como São Paulo – a maior metrópole da América do Sul – o contraste é enorme, como mostra o recém-lançado Mapa da Desigualdade na Primeira Infância 2020.


Realizado pela Rede Nossa São Paulo e a Fundação Bernard van Leer, organização holandesa voltada à primeira infância, o mapa fornece um panorama das várias ‘cidades’ existentes na capital paulista, apontando os distritos mais carentes de serviços e infraestrutura, com foco na população de 1,1 milhão de crianças de zero a seis anos. Para tanto, foram observados 26 indicadores baseados em dados de 2018, originados de fontes públicas, e comparados com dados de 2016, usados na primeira edição do mapa.


A mortalidade infantil é 23 vezes maior na periferia do que em bairros nobres 

Um dos resultados que mais chamou a atenção é o de mortalidade infantil e sua variação entre bairros centrais e de periferia. Marsilac, no extremo sul da cidade, tem a maior taxa de mortes antes de um ano de idade para cada mil nascidos vivos – são 24,6 óbitos contra 1,1 em Perdizes, região nobre na zona oeste. Isso significa que a chance de um bebê morrer no primeiro ano de vida é 23 vezes maior em Marsilac do que em Perdizes. 

No total, 1.821 crianças morreram na capital paulista, em 2018, antes de completar um ano, uma queda de 4% em relação a 2016. Mas 27 distritos ainda têm uma taxa de mortalidade infantil acima da média nacional, atualmente em 12,4 óbitos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera um nível “aceitável” até 10 mortes para cada mil nascidos vivos.



No Brasil, havia uma série histórica de queda na mortalidade infantil até 2016, quando voltou a crescer. O Ministério da Saúde atribuiu o aumento nas mortes a causas como o vírus da zika, mudanças socioeconômicas e mesmo a redução nas vacinações das crianças. Para a Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), a diminuição da mortalidade infantil está associada a melhorias nas condições de vida e na atenção à saúde da criança: segurança alimentar e nutricional, saneamento básico e vacinação, entre outras. São justamente alguns desses aspectos que aparecem no mapa como carentes de investimento.

Alexis Vargas, secretário executivo de gestão de projetos estratégicos na Prefeitura Municipal de São Paulo, diz que, em geral, a média de mortalidade infantil vem caindo em São Paulo e a meta é chegar a um patamar menor que o nacional. “Estamos desenvolvendo uma política articulada focada em reduzir a desigualdade nos dez distritos mais vulneráveis, com base em indicadores da primeira infância e sócio-econômicos.” São alvos da ação, distritos como Brasilândia, Capão Redondo, Grajaú São Rafael, Jardim Ângela e Lajeado, entre outros.

Para Jorge Abrahão, coordenador-geral do Instituto Cidades Sustentáveis, do qual a Rede Nossa São Paulo faz parte, São Paulo é a cidade mais rica e complexa da América Latina e tem recursos e condições de melhorar essa situação. “A maioria das crianças mora nos bairros mais vulneráveis, que têm menor infraestrutura de saúde, habitação, educação, mobilidade, praças e parques. A chance de essas crianças ficarem marcadas durante a sua vida e não conseguirem ter um desenvolvimento mínimo é muito grande. Se nós já conseguimos ver isso e o mapa contribui para isso, ele pode gerar políticas públicas e mobilização da sociedade para que haja uma prioridade e um investimento maior nesses temas”, comenta Abrahão. 

Casos de sífilis congênita e violência sexual contra crianças crescem em toda São Paulo

Outro triste dado da desigualdade infantil que chama atenção no mapa é quanto ao crescimento de 128% nos casos de sífilis congênita na cidade, passando de 559 ocorrências, em 2016, para 1275, em 2018. Infecção sexualmente transmissível, se não tratada em mulheres grávidas pode resultar em baixo peso do bebê ao nascer, nascimento prematuro e aborto, entre outros problemas. A violência sexual contra crianças também aumentou 47% na capital – de 433 casos registrados, em 2016, subiu para 637, em 2018, sendo Capão Redondo o local com mais ocorrências.

A gravidez na adolescência, mesmo em queda, ainda tem níveis elevados. Um total de 17.224 bebês nasceram de mães menores de 19 anos em 2018 em São Paulo, 15% a menos que em 2016. Já o tempo de espera para consultas no pediatra piorou – hoje, uma família aguarda, em média, 32 dias para que seu filho seja atendido por um profissional na cidade de São Paulo, sendo que em 2016 essa espera era de 18 dias. E no bairro de Brasilândia, as pessoas esperam até 70 dias por uma consulta.

Para Cláudia Vidigal, representante no Brasil da fundação Bernard Van der Lee, o mapa é um grande presente para a prefeitura, porque traz informações e dados que servem de norte quanto a que serviços priorizar. “Todos merecem um bom começo. Quando se prioriza a primeira infância, o retorno é maior e mais duradouro”, disse ela durante cerimônia de lançamento do mapa, no dia 12, no Sesc Bom Retiro.

A espera por vaga em creche é de 260 dias em Vila Andrade

O acesso à creche também faz parte dos 26 indicadores observados. O relatório mostrou existir uma espera média de 106,9 dias em São Paulo para conseguir uma matrícula nas unidades que atendem bebês de zero a três anos. Na Vila Andrade, zona sul, a demora chega a 260,9 dias e em Guaianases, na zona leste, aguarda-se 18,5 dias por uma vaga.

O secretário executivo ressalta que os dados do mapa são de 2018, ano em que foi aprovado o Plano Municipal da Primeira Infância, em São Paulo, o qual começou a ser executado em 2019, trazendo avanços para a educação. 

“Temos uma cobertura maior de creches na zona leste, e na zona sul os indicadores são piores, porque há uma dificuldade de localização de imóveis, por ser uma área rural em região de mananciais”, afirma Vargas. Ele destaca que São Paulo reduziu a fila de vagas em creches de 65 mil, em 2016, para 9.670 crianças atualmente na espera. Relata, ainda, que o governo tem investido em diversas frentes, não só por meio da abertura de novas unidades de ensino infantil, mas também com a criação do auxílio-creche – que dá 100 reais a cada família, enquanto a vaga não for disponibilizada. Outra ação municipal é a política de voucher. A iniciativa que pretende pagar por vagas em escolas privadas e filantrópicas, previamente credenciadas e avaliadas pela prefeitura, gerou polêmica entre educadores que questionam uma preocupação maior com a quantidade de vagas ofertadas do que com a qualidade do atendimento.

“A gente não aceita vagas sem fazer uma avaliação da organização. As entidades estão se cadastrando e nós estamos iniciando as visitas técnicas para começar a operar nesse modelo. Além disso, temos um parceria com a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal para fazer um modelo de avaliação da qualidade das creches municipais, e estamos implementando um novo currículo de educação infantil.” 

Para Abrahão, os dados causam indignação, mas também mostram uma saída. “É um questão de identificar o que acontece nos melhores bairros e tentar replicar nos locais mais carentes – mais do que usar referências internacionais como Paris ou Nova Iorque. Isso vai gerar investimento em pré-natal, saúde, educação, transporte, saneamento, mas é o que a cidade tem que fazer para se tornar mais harmônica e equilibrada”, acredita Abrahão.

Crianças ‘emparedadas’

Políticas públicas mais inclusivas e integradas são o caminho para que São Paulo seja menos desigual e ofereça mais qualidade de vida para a sua população. São também o caminho para que a cidade seja acolhedora às crianças. 

“A cidade tem que ser amigável às crianças. Elas passam cerca de 90% do tempo emparedadas”, afirma Paula Mendonça, assessora pedagógica do programa “Criança e Natureza”, do Instituto Alana. Ela defende o ‘desemparedamento’ da infância, isto é, uma maior relação das crianças com a natureza e sua cidade.

Rampas, ladeiras, escadas, grafites, praças, parquinhos e outros mobiliários urbanos podem funcionar como espaços de brincar, permitindo que os pequenos explorem o mundo e se desenvolvam. Ao brincar e usufruir da cidade, as crianças são incluídas na vida.

Saiba mais: Acompanhe o monitoramento dos dados pelo Observatório da Primeira Infância.

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