‘Ativismo’ infantil: o engajamento de novas gerações em temas polêmicos

A atualidade é repleta de crises e problemas sociais que fazem parte do cotidiano, por isso, é importante que as crianças também os conheçam

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Ativismo infantil: as crianças devem se envolver com temas polêmicos?; colagem com criança com vestido vermelho, mochila amarela e óculos gritando em um megafone
É interessante que debates sobre tópicos atuais sejam feitos em casa e na escola
Buscador de educadores parentais
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Atualmente, temas polêmicos envolvendo questões raciais, ambientais e de gênero são muito discutidos, inclusive entre crianças e adolescentes. As novas gerações buscam informações sobre causas sociais e tomam posições cada vez mais cedo, inaugurando uma espécie de “ativismo infantil”. Ativistas que começaram a defender causas sociais muito jovens, como Greta Thunberg, se destacam mundialmente. Hoje com 18 anos, Greta criou, aos 15 anos, o movimento Fridays For Future, que discute o tema do aquecimento global e mudanças climáticas. 

Também engajados nas questões ambientais, os irmãos Helena, 11 anos, e Heitor Violante, 13 anos, são veganos e exemplos do ativismo infantil. A mãe dos dois, Camila Violante, já era vegana desde a adolescência e decidiu que criaria os filhos seguindo esse mesmo estilo de vida desde o nascimento. “Eu sou veterinária, então eles sempre estiveram em contato com os animais de uma forma muito diferente, sempre eu cuidando, salvando, resgatando. Vida é um valor absoluto para todos os seres. Eles já cresceram com essa filosofia”, conta a mãe.

Causas com informações confiáveis

Para os irmãos, o veganismo é muito importante. Eles acreditam que é fundamental que outras crianças aprendam sobre este tema e outros assuntos da atualidade. “As crianças devem conhecer temas atuais, elas deveriam saber sobre as verdades do mundo de hoje. É importante que os pais conversem com os filhos sobre esses assuntos, mas de uma forma correta. Eles precisam saber explicar, mostrar vídeos, checar fontes e ter informações confiáveis”, diz Heitor.

Helena e Heitor já participaram de manifestações relacionadas à sustentabilidade. Um evento que ficou marcado para eles foi um protesto contra o abate dos animais. “Foi na Assembleia Legislativa, a nossa primeira manifestação. A gente sentiu na pele como é protestar por alguém que não consegue falar e precisa de ajuda”, conta Helena. Os irmãos também criaram um perfil no Instagram chamado Vegan Kids Brazil, cujo objetivo é conscientizar crianças sobre o consumo de carne e outras questões ambientais.

“Queremos mostrar que podemos superar o paladar egoísta. Publicamos fotos de bichinhos fofinhos, informações, publicações ativistas e fotos dos nossos pratos veganos e coloridos”, explica Helena. A conta foi criada e é monitorada por Camila, para garantir a segurança dos pequenos. “Queremos demonstrar para as pessoas que a gente é saudável, temos uma vida normal e somos veganos, e não de uma maneira tão forte como outras pessoas fazem, mostrando sangue e cabeças cortadas”, acrescenta Heitor.

Helena Violante, 11 anos, ativista pelos animais e meio-ambiente/ Foto: Arquivo Pessoal

Ana Luisa Pedroso, 16 anos, também se engajou no debate de temas polêmicos desde pequena. “Eu sempre fui bem próxima às preocupações do mundo atual. Eu já tinha uma tendência a me identificar com assuntos relacionados ao feminismo, questões LGBTQIA+, antirracismo, crise climática e outras causas sociais desde que eu era muito novinha”, aponta. Quando tinha 10 anos, Ana Luisa participou de manifestações contra a desigualdade de gênero que ocorreram em Cotia, em São Paulo, onde mora.

Inspirada pela sua irmã mais velha, que sempre foi inteirada com os assuntos da atualidade, Ana Luisa tornou-se vegana em 2019. Ela também é voluntária de uma ONG que resgata animais e costuma divulgar informações e se posicionar nas redes sociais. “Quando a pandemia acabar quero participar de mais manifestações como a minha irmã já participou. Acho que vai me ajudar a concretizar meus pensamentos”, relata. Apesar de a irmã ter sido a principal fonte de inspiração de Ana Luisa, o apoio e respeito dos pais aos posicionamentos da adolescente também foram fundamentais para o seu desenvolvimento e crescimento pessoal.

Irmãos Heitor, 13 anos, e Helena Violante, 11 anos/ Foto: arquivo pessoal

O papel dos pais

“Falar de política é falar de tudo. É fundamental falar sobre temas polêmicos com as crianças, porque estão presentes em vários momentos do nosso cotidiano”, diz Janine Rodrigues, palestrante, educadora e idealizadora de conteúdos voltados para a educação para a diversidade.  Segundo ela, é comum que os filhos sejam inspirados e se envolvam com causas políticas com as quais os pais estão articulados. “As crianças absorvem os hábitos dos pais, o que pode ter um lado bom e um lado ruim. Por isso, é preciso deixar espaço para elas terem a sua própria opinião. O lugar de escuta deve ser tão valorizado quanto o de fala”, relata. 

Janine Rodrigues também é escritora e fundadora da editora Piraporiando – Educação para a diversidade/ Foto: Amanda Rod

As crianças não precisam concordar com o posicionamento dos pais e precisam ter espaço para rebater e mostrar os seu ponto de vista também, observam pais ativistas. Renata Senlle, integrante do coletivo Política É A Mãe, jornalista e mãe do Bernardo, de 10 anos, concorda que os filhos podem ser inspirados pelos pais e defender os mesmos movimentos, mas sem pressão e sem obrigatoriedade. “Eu acho que filho não é cobaia da militância dos pais, talvez ele também ache as suas próprias causas depois. Eu não faço questão que o meu filho se envolva nas minhas causas, eu faço questão que ele tenha respeito pelas causas de diversas pessoas e que tenha uma atitude no mundo que seja honesta, pensando na justiça social”, afirma.


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Desenvolvendo consciência e valores

“Eu acho importante que as crianças conheçam a realidade e os temas polêmicos. A crise climática, por exemplo, é uma das causas que vai afetá-las mais fortemente e por um longo prazo. Por isso, é preciso envolvê-las na discussão, para que elas entendam a importância da sociedade toda estar engajada”, aponta Renata Senlle. Isso vale para outros temas sociais, como racismo e desigualdade de gênero. Não é responsabilidade das crianças resolver estas questões, mas elas precisam compreendê-las, elas não devem ser alienadas de assuntos presentes no seu dia a dia.

Segundo Ana Luisa Pedroso, é fundamental que os pequenos aprendam sobre assuntos atuais, como ela aprendeu. “Dar acesso às crianças ao ativismo é uma forma de fazer com que elas desenvolvam sua opinião de acordo com o que elas querem. Se tivermos acesso a informações sobre temas da atualidade, teremos um mundo melhor, porque teremos uma cabeça mais aberta”, diz. Dessa forma, o ativismo infantil pode ajudar os pequenos a descobrirem quais são os valores que mais importam para eles. “Eu acho muito interessante que os pais falem com as crianças sobre esses assuntos, até porque, quando temos uma relação bem aberta com os nossos pais, automaticamente eles têm um impacto muito forte na nossa formação de opinião”, completa.

Para ajudar os filhos a refletir, é importante que os pais assumam uma posição e não ignorem as crises e problemas da sociedade, defendem educadores. “Eu tive algumas oportunidades de ver como é importante a gente se posicionar para que isso também acabe contribuindo para a consciência política das crianças. O grande barato é a gente ter uma atitude, ter um posicionamento que leve a criança a refletir sobre aquilo e chegar a uma conclusão”, diz Janine Rodrigues.

Renata Senlle é integrante do coletivo Política É A Mãe, jornalista e mãe do Bernardo/ Foto: arquivo pessoal

Um exemplo disso é o filho de Renata, que costuma tirar dúvidas com ela sobre o feminismo, mudanças climáticas e questões relacionadas aos povos indígenas, tópicos que a mãe estuda há um tempo. “Meu filho entende o porquê do feminismo, entende o que é o machismo e vai ficando mais alerta para essas questões. Os pais devem ter o conhecimento e deixar os filhos à vontade para fazer perguntas, isso vai refletir na postura deles ao longo da vida”, relata. No entanto, apenas falar não é o suficiente. As crianças precisam ver o discurso dos pais nas suas ações. “A inspiração de uma criança vem do exemplo. Eu acho que o mais importante é os pais terem uma atitude coerente com as suas causas”, diz Renata Senlle. 

Muitas famílias pensam que falar sobre temas polêmicos com as crianças deve ser trabalho da escola, mas Rodrigues e Senlle discordam. Para elas, os pais devem retratar os tópicos em casa, sempre utilizando uma linguagem que respeita a idade e capacidade de compreensão da criança. Mas claro que também é interessante que a escola traga discussões sobre os temas atuais.


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A importância de abordar assuntos atuais na escola

Para Karen Martins de Andrade, consultora da Escola Tarsila do Amaral, localizada na Zona Norte de São Paulo, as discussões de temas polêmicos são válidas entre as crianças. A escola pode ajudar a explicar e tirar as dúvidas de uma forma clara e didática, o que às vezes os pais podem não conseguir. Com a compreensão sobre os assuntos da atualidade, elas vão se tornar pessoas mais empoderadas e conscientes, alega. “O empoderamento pode ser incentivado a partir da construção de visão de mundo, da constituição como pessoa, das possibilidades de aprendizagens e vivências culturais”, acrescenta Karen de Andrade.

A escola também é uma forte fonte de inspiração para as crianças, elas podem defender causas que a sua instituição está mais atrelada. Mas é importante que as conversas com os alunos sejam feitas de forma respeitosa. Heitor Violante conta que já sofreu bullying por ser vegano, porque muitos dos estudantes não conheciam ou tinham uma interpretação errada do que é o veganismo. Se este fosse um assunto retratado em sala de aula, talvez a situação poderia ter sido evitada. “É importante falar sobre isso na escola para que todos aprendam a respeitar o outro”, aponta Helena.

Na Escola Tarsila do Amaral, Karen de Andrade aponta que muitos alunos passaram a conhecer e comentar sobre a vida das mulheres que mudaram o mundo a partir de pesquisas propostas pelas professoras. Uma das personalidades estudadas foi Malala Yousafzai, renomada ativista pela educação das mulheres. Desde pequena, por volta dos 11 anos, ela já lutava contra o Talibã, movimento islâmico extremista, e fazia denúncias à imprensa. Malala foi bastante influenciada pelo seu pai, que também era um ativista da educação.

A história de Malala chamou a atenção de Maria Luísa Tomé, de 6 anos, aluna do colégio, e parece ter despertado o espírito ativista da pequena. “Eu gostei muito das histórias de todas essas mulheres, mas a minha preferida é a Malala. Ela foi muito forte quando enfrentou aquelas pessoas malvadas para estudar! Eu quero ser como ela: forte e muito corajosa”, diz a menina. 

Além disso, também houve uma situação em que as próprias crianças estavam falando que meninas não poderiam fazer determinadas ações. A partir disso, as educadoras realizaram leituras e problematizações a respeito do assunto. “A escola recebeu retorno das famílias de que as meninas estavam se posicionando em casa, dizendo que podiam fazer as mesmas coisas que os meninos e trabalhar com as mesmas profissões. Uma família disse que percebeu que a filha estava mais empoderada em suas colocações e nos contrapontos que fazia aos irmãos, por exemplo, a partir desse trabalho desenvolvido”, aponta Andrade.

Karen de Andrade realizando atividade sobre mulheres importantes da história na Escola Tarsila do Amaral/ Foto: arquivo pessoal

Como falar com as crianças sobre temas polêmicos

Alguns temas polêmicos podem ser difíceis até para os adultos compreenderem, por isso, é preciso encontrar a melhor forma de educar os filhos em relação à atualidade. Existem diversas abordagens que podem funcionar bem. As especialistas separaram algumas dicas para ajudar os pais. Confira!

  1. Rodas de conversa

    De acordo com Karen de Andrade, um método eficaz na Escola Tarsila do Amaral é realizar rodas de conversa com os alunos, para que possam ser expressos os diferentes pontos de vista. “Nas discussões polêmicas é necessário que as educadoras abram espaço para opiniões diversas, para o contraditório, para o exercício da empatia. Esse tipo de condução já não cabe, por exemplo, para as questões de discriminação e opiniões preconceituosas”, aponta.

  2. Utilizar recursos lúdicos e linguagem acessível

    Renata Senlle costuma utilizar o jornal infantil Joca com o seu filho, pois consegue tratar questões da atualidade dentro de uma linguagem que faz sentido para a idade do menino. “É preciso ter essa adequação de linguagem, ajustando a abordagem e nível de profundidade de acordo com a idade da criança. Também é bacana utilizar recursos lúdicos, para que eles não percam a capacidade de imaginar outros mundo e, lá na frente, realizem as transformações. Isso é tão importante quanto, dar conta dessa realidade de agora”, diz.

  3. Trazer os assuntos para a realidade da criança

    “Às vezes quando eu estou muito empolgada falando de uma causa para o meu filho, eu vejo ele revirando os olhos, porque o tom professoral é chato. Agora, se a gente pontua alguma coisa que acontece na realidade concreta dele e oferece alternativas de como agir, é muito mais eficaz”, afirma Renata Senlle. Quando seu filho era menor, frequentava uma escola em que tinha um banheiro para todas as crianças dividirem, independente do gênero. A partir disso, ela gerou uma discussão para refletirem por que têm lugares que dividem os banheiros.
    “Promover conversas a partir do ambiente onde a criança está é uma abordagem que faz muito sentido, porque ela vai associar com o que ela está vivendo, não fica uma coisa abstrata. E você não vira uma ‘mãe palestrinha’, eu acho que isso afasta”, explica.

  4. Demonstrar exemplos práticos

    Janine Rodrigues concorda que é uma ótima ideia demonstrar na prática como a política se aplica no cotidiano das crianças. Um exercício interessante é propor aos pequenos o desafio de jogar o lixo fora. “A proposta é mostrar para as crianças que na verdade é impossível jogar um lixo fora, ou você muda de lugar ou transforma a matéria”, conta Rodrigues. Este caminho pode ser mais difícil, mas para ela, é o tipo de educação que faz mais sentido. “Falar é muito importante, mas quando a gente provoca uma reflexão e essa reflexão acaba levando para o resultado que a gente mais gostaria, é muito melhor”, acrescenta. 

  5. Situar o contexto de cada um

    “Outra coisa que eu tento fazer é contextualizar a nossa situação. A minha como uma mulher branca, cis, de classe média e a do meu filho como um menino branco, que tem acesso a tudo”, diz Renata. O objetivo disso é fazer com que as crianças respeitem o lugar de fala de cada um, isto é, reconhecer e dar visibilidade para o discurso das minorias, sem silenciá-las. 
    Mas também não é para fazer a criança se sentir culpada. “É para explicar que a gente vive num contexto de muito privilégio e a precisamos agradecer e batalhar para que outras pessoas tenham os mesmo direitos, acessos e privilégios ou até mais, isso tem que se expandir para todo mundo”, conclui.


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