— Hoje quero dizer que cansei. Bandeira branca. Se não se pode vencer o inimigo, junte-se a ele. Se é às 22h30 que ela sente sono, é nesse horário que ela vai dormir — desabafou a neuropediatra Luciane Baratelli em um post em suas redes sociais, em que falava da dificuldade que tem em fazer com que sua filha mais velha durma cedo. Ela disse que a garota nunca acordou cedo quando era bebê e abandonou as sonecas à tarde antes dos dois anos de idade. Quando bem pequena, dormia às 21h, depois passou para as 21h30, 22h, e agora dorme por volta das 22h30.
— Rotina? Ela sempre teve. Escuridão? É só o sol diminuir que nossa casa vira uma caverna. Luz natural? Todos os dias brinca fora de casa, e o seu quarto não tem nem blackout. Telas? Só teve acesso após os 3 anos, e o uso é super restrito e nunca à noite. Saudade dos pais? Jogamos jogos em família todas as noites após o jantar — relatou a mãe, elencando fatores que poderiam prejudicar o sono da filha.
Pós-graduada em medicina do sono e autora de um livro sobre o assunto (Sono infantil sem neura), ela disse que mesmo com toda sua experiência não consegue fazer a menina dormir por volta das 21h.
Para entender o que poderia estar acontecendo, Baratelli chegou até a analisar a dosagem de ferro da filha mais de uma vez – caso estivesse com estoques baixos, poderia favorecer a síndrome das pernas inquietas. A síndrome leva a uma necessidade de movimentação das pernas e se agrava na hora de dormir, podendo prejudicar o sono. Mas, no caso da filha, os níveis estavam normais, o que indicava a inexistência desse problema.
Outro fator que poderia influenciar o horário do sono – quando os pais dormem tarde – a médica diz não se aplicar à sua família, visto que ela gosta de dormir cedo e acordar cedo. Seus hábitos matutinos, porém, diferem dos da menina, que são vespertinos – ela gosta de dormir tarde e acordar tarde – segundo mostrou o questionário de cronotipo que avalia, a partir de uma série de perguntas, como funciona o relógio biológico de cada pessoa. Baratelli ressalta que embora tenha aplicado o formulário na filha, ele é apenas um indicador e ainda não tem validação em crianças para ser usado de modo rotineiro.
— Estou dizendo que seu filho pode dormir a hora que quiser? Não. Para você abrir mão da rotina? Também não. As evidências estão aí e irei continuar trabalhando em cima delas. O principal motivo das crianças dormirem tarde segue sendo a rotina desajustada — pontuou a médica.
O pediatra Gustavo Moreira, do Instituto do Sono, diz que, embora possa haver exceções, os hábitos inadequados são de fato os maiores responsáveis pelos horários irregulares das crianças em ir dormir.
— Se os pais dormem tarde, se as crianças usam eletroeletrônicos à noite e se não há um ritual do sono, todos esses são motivos que interferem muito no horário de dormir — diz Moreira. Segundo ele, ao passar das 21h a criança entra na chamada zona proibida do sono, quando volta a ficar mais alerta e tem dificuldade em adormecer.
— A nossa sociedade, no decorrer dos séculos, desvalorizou o sono como uma coisa menos importante e agora estamos sentindo o preço disso: alterações no crescimento e no desenvolvimento, problemas de aprendizado, aumento de peso e principalmente alterações no comportamento da criança, que muitas vezes fica hiperativa — comenta o pediatra.
Ele relata que sair do horário um dia ou outro é permitido – como nos dias de festa do fim do ano ou quando a criança tem uma atividade até mais tarde – mas a regularidade é necessária.
Como saber se a criança dorme bem
Bebês até os dois anos de idade devem dormir antes das 20 horas. Já crianças até o início da adolescência, por volta dos 12 anos, o ideal é que durmam até as 21h e, para tanto, façam o ritual do sono meia hora antes. Quanto ao número de horas necessárias, Moreira afirma não existir um “número mágico”.
— O normal é que a quantidade de sono decaia à medida que a criança vá se desenvolvendo. Em média, o recém-nascido dorme de 16h a 24h por dia, tempo espalhado em várias sonecas. Já o adolescente dorme em média 9h. Existe uma variabilidade, tem gente que precisa de mais sono, outras, menos — explica Moreira.
Para avaliar se os pequenos dormiram o suficiente, deve-se observar como eles ficam durante o dia, se se mantêm ativos, se apresentam dificuldades de aprendizado, ficam irritados ou de mau-humor, por exemplo.
— O principal fator é a criança ter uma rotina regular de sono, ela despertar bem pela manhã, descansada. E entender a importância de respeitar o ritmo infantil, diminuir os estímulos próximo à hora de dormir e oferecer luz natural pela manhã, o que ajuda a sincronizar o relógio biológico, mas entendendo que somos seres individuais, cada um tem suas características — complementa Baratelli.
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