POR Michelle Lapouble do Verge
Lembro da moça correndo no filme e visualizo automaticamente uma imagem de mim mesma no dia a dia. Correndo no meio de uma situação confusa na qual não tenho muito tempo para refletir… Preciso fazer tantas coisas, sempre tem algo urgente tirando o tempo do importante, sempre tem alguém me cobrando, sempre estou eu mesma me cobrando um milhão de coisas…
A vida está passando sem que eu possa ter a certeza de que estou fazendo as melhores escolhas, ou que estou fazendo o que é melhor para mim, como pessoa, como profissional, como mãe, como mulher.
Impus a mim mesma tantas regras, responsabilidades, metas, cargas e tantas tarefas que, quando não realizadas, me trazem o mesmo tanto de tristeza e frustração. Tem dias que são punk.
Estou correndo atrás do meu rabo! No melhor estilo: pare o mundo que quero descer…
É isso.
Sei que não estou só, sei que nesse mesmo barco tem um milhão de mulheres, mães, esposas, profissionais com essa mesma sensação e com esse mesmo aperto no peito.
Já deitou na cama cansada, exausta e não conseguiu dormir? Já entrou no banheiro do escritório para ficar a só um pouquinho consigo mesma? Já teve vontade de esticar um pouquinho seu horário no trabalho para adiar a volta para casa? Já teve medo da música do Fantástico, que anuncia o fim oficial do seu domingo e a volta ao trabalho que não te faz feliz? Já se pegou tomando banho às 2 da manhã? Já acordou no meio da noite para assombrar a casa porque perdeu o sono? Já acordou de madrugada para ver o cartão de vacina, porque acha que perdeu o prazo da segunda dose da H1N1? Já desejou ganhar na Mega-Sena para consertar o mundo? Já chorou assistindo ao jornal porque tem notícia triste envolvendo crianças? Já correu para ver seu filho dormir e verificar se ele não está com frio? Já esqueceu as camisas do marido na lavanderia e o cachorro na pet shop?
Já fiz tudo isso e poderia ficar a vida toda por aqui fazendo essa lista crescer que ainda ia ter coisa esquecida.
A coluna de hoje é um convite para desacelerar. Um convite para deixar de tentar abraçar o mundo com as pernas, um convite para querer as coisas que são boas para nós mesmas, parar de correr desesperadamente e tentar ir num ritmo mais razoável, caminhar por mais tempo, com os olhos abertos sabendo exatamente aonde queremos ir.
É um convite para sermos egoístas, sermos conscientes de que precisamos estar inteiras e com a cabeça em ordem para ser boas para as pessoas que precisam de nós, para fazer tudo aquilo que temos imensa vontade de fazer para o mundo, para aproveitar a vida, que é nosso maior compromisso. Ser feliz não é luxo, é fundamental, é nosso dever maior na vida.
Vamos, então, nos permitir ser mais leves, ser frágeis se nos der na telha, vamos querer colo sem sentir culpa, vamos retomar o fôlego.
Vamos escolher apenas aquilo que vale verdadeiramente a pena.
P. S. Corra, Lola, Corra… é um filme muito legal.
Michelle Lapouble do Verge
Formada em administração de empresas e Marketig de Varejo, mulher de Henri e mãe de Gabriel, de 9 anos.
NOTA DA REDAÇÃO
Eu tinha recebido havia poucas horas o texto acima quando soube da morte de Michelle. Deu um nó no peito. Não me esquecerei do abraço caloroso que ganhei dela em um dos eventos de lançamento da revista, em outubro de 2015. “Esse projeto é incrível, não desista dele”, me disse ela, naquele momento em que tudo de que eu mais precisava era estímulo. Algumas pessoas passam rapidamente pela vida da gente, mas marcam profundamente. Foi assim com a Micho, mãe do Gabo. É um privilégio para a Canguru poder publicar seu último recado.
Ivana Moreira, diretora de redação.