Todo mundo deveria fazer terapia

Em tom de brincadeira, a escritora Sheila Trindade comenta as experiências e os benefícios da psicanálise que vão muito além da saúde mental

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Mulher negra faz sessão deterapia com outra mulher
"Eu pensei que não teria muito a dizer", mas a sessão durou duas horas, conta Sheila
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Percebi dia desses que ando mais surtada que o normal. Tudo começou com aquela reunião que eu jurava ser segunda e era, só que segunda passada. A crise de choro por motivos loucos realmente me preocupou. Teve uma vez que eu chorei a morte de um cantor que eu descobri que havia morrido há 6 anos. Se na época que ele morreu eu chorei também, não me lembro.

Certa vez me esqueci onde morava, mesmo estando parada em frente à porta. Lembro-me (coisa rara, atualmente) de olhar para meu marido e perguntar se era ali mesmo que eu deveria entrar. E quando ele acenou que sim, eu tive que puxar na memória se aquele realmente era meu marido ou um serial killer se aproveitando do meu estado de loucura. A cara do cachorro foi a melhor: eu subindo as escadas morrendo de medo de ele me morder, porque esqueci que ele era meu há 12 anos – e ele morrendo de medo do meu estado emocional.

Decidi procurar ajuda, daquelas especializadas, com direito a remedinho para manter nosso réu primário intacto. Daquelas que perguntam como você está e realmente ouvem o que você tem a dizer, pelo menos por uma hora.

Eu pensei que não teria muito a dizer, que a psicanalista me faria um monte de perguntas, mas não. Ela disse para eu falar o que quisesse. A sessão durou quase duas horas e eu ainda tinha coisas para contar. Criamos uma expectativa sobre o que iremos falar, se vamos chorar, se teremos todas as respostas da vida. Nesta mesma sessão eu ri, chorei, fiquei brava, comecei a contar uma história, emendei em outra, contei piada e perguntei para a psicanalista se tinha futuro como comediante stand-up. Ela riu. Eu entendi o recado. Então não.

Além dos benefícios para minha saúde mental, fazer terapia tem algumas outras vantagens. Nos identificamos com quem faz também e quando se descobre que a sua psicanalista é a mesma que de outra pessoa, o sentimento de irmandade é instantâneo. Eu imagino uma grande tribo de descompensados que juntos tentam se manter sãos. É emocionante ter este tipo de ligação. Todo mundo se identificando com os perrengues do outro. 

Dia desses vi uma mãe comentando que faz terapia depois que manda os filhos para a escola e que, por isso, já começa a conversa ofegante, sem paciência nem para terminar as frases, com pressa de terminar para continuar com os afazeres antes de buscar as crias na aula. Que aflição! Mas confesso que às vezes também me sinto assim. Tá vendo? A gente encontra um novo círculo social, daqueles que nem sempre estão bem, mas têm orgulho de procurar ajuda para melhorar.

Sempre acompanhei várias pessoas incríveis na internet e tinha inveja delas comentando que iriam levar tal assunto para a terapia. Agora posso falar isso também. Observei também que a conversa sempre fica mais interessante quando o início da fala é “como minha psicanalista disse…” Dá uma moral. Vai por mim, são só benefícios. Na próxima sessão planejo levar um assunto que está me incomodando muito: as festas de fim de ano: 

— E então? Quando será a confraternização da nossa tribo, Maria Angélica? Eu levo o pavê e prometo não fazer piada disso.

Para quem não sabe, Angélica é minha psicanalista. Chique, não!?

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