Crianças e celular: o que considerar antes de comprar o aparelho para o filho

Especialistas trazem recomendações para os pais em relação ao uso dos celulares com crianças pequenas

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Crianças e celular: o que considerar antes de comprar o aparelho para o filho; criança segundo celular com as duas mãos
Segundo especialistas, é importante monitorar o uso de celular dos pequenos
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“Presenteei meu filho com o celular porque ele pedia muito. Na pandemia, ele sempre queria usar o meu e eu nem sempre podia emprestar, porque precisava para o trabalho remoto”, conta Renata Fortes. Após meses de confinamento, Renata não sabia como lidar com o excesso de tempo livre do filho de 7 anos e a falta de contato com os colegas da escola. “Eu planejava deixar ele ter o celular com 10 anos, mas a pandemia interferiu nessa decisão, pois ele está longe da escola, das aulas extras e dos amigos”, completa. 

Este é um conflito que muitas famílias têm enfrentado durante a pandemia. Não há dúvida que os celulares podem ser prejudiciais aos pequenos. Porém, é difícil lidar com crianças entediadas e vulneráveis após mais de um ano de isolamento social, especialmente quando os pais não têm muito tempo para brincar com os filhos. Sem outros familiares e amigos, o celular pode ser uma forma de ajudar as crianças a passarem o tempo e estabelecerem contatos à distância. Entretanto, o debate sobre presentear ou não os filhos com o aparelho é polêmico. Existe uma idade ideal para dar um celular ao seu filho? É possível estabelecer uma relação saudável com as novas tecnologias?

Miguel Fortes, 7 anos, ganhou celular da mãe durante a pandemia/Foto: arquivo pessoal

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Vantagens das crianças terem um celular

O número de crianças que têm acesso a celulares no Brasil é cada vez maior. Segundo a Panorama Mobile Time/Opinion Box, pesquisa brasileira sobre hábitos no consumo de conteúdos e serviços móveis, quase todos os 2 mil pais entrevistados que tinham filhos entre 10 e 12 anos já ouviram pedidos das crianças por um smartphone próprio. E 72% delas já tinham um aparelho só seu. Até mesmo entre crianças de 4 a 6 anos, um quarto já tinha o próprio celular. Além disso, a pesquisa TIC Kids Online Brasil, publicada em junho de 2020, indica que 89% da população de 9 a 17 anos é usuária de internet, equivalente a 24,3 milhões de crianças e adolescentes. 

É inegável que os celulares fazem parte da realidade. “Na pandemia, isso ficou ainda mais claro, porque a própria interação social é feita pelo digital”, explica Fabíola Freire Melo, doutora em psicologia da educação e professora no curso de psicologia da PUC-SP. Para ela, o online tem sido fundamental para proporcionar o encontro entre amigos da escola e famílias. Além de facilitar a comunicação, o celular também apresenta outras vantagens para as crianças. 

Entre elas, está a contribuição para o desenvolvimento de um senso de responsabilidade. Os pais também têm a possibilidade de saber onde o filho está a todo momento, já que a maioria dos celulares vêm equipados com GPS. Além disso, os aparelhos facilitam o acesso à informação, o que ajuda as crianças a serem mais bem informadas e curiosas. Entretanto, o fácil acesso à internet pode ser uma questão muito emblemática. “Embora a internet e os eletrônicos não possam ser excluídos ou ‘demonizados’, não podemos minimizar os perigos e problemas que afetam a saúde mental e psíquica das crianças”, diz Fabíola Melo.


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Celular não é apenas uma distração

“A questão do celular é que ele abre uma porta para o mundo”, aponta a psicóloga. Segundo ela, qualquer uma das tecnologias atuais têm impacto na relação da criança com a realidade, com o seu corpo e com o cérebro. Por isso, é preciso que os pais analisem bem a situação antes de entregar um celular próprio para os filhos. “Não sei se tem uma idade ideal, mas o certo é ser evitado o máximo possível e só ser dado a criança quando ela tiver a capacidade de entender o que é um celular e todos os perigos que estão ali”, afirma. 

Fabíola relata que os pais precisam se mostrar dispostos a ensinar os pequenos a lidarem com todas as questões que vem junto com um celular, como as redes sociais. “Tem que rever essa concepção de que celular é um brinquedo, porque não é. O celular virou praticamente um computador. É uma forma de jogar, interagir em outras redes sociais e tem uma função de comunicação. A hora de uma criança ter um celular é a hora que ela esteja precisando de um meio de comunicação e que não haja outra maneira de resolver”, diz. Para ela, não é ideal uma criança menor de 8 ou 9 anos tenha um celular, pois pode prejudicar seu desenvolvimento.

O desajuste no relógio biológico da criança é um exemplo. A luz do aparelho pode gerar problemas de insônia nas crianças. Outro exemplo também é o aumento de casos de estrabismo na infância, condição em que os olhos não olham exatamente na mesma direção ao mesmo tempo. De acordo com a psicóloga, como a criança fica muito tempo focada num único estímulo, a chance de prejudicar a visão aumenta.

“Um prejuízo que também tem sido muito estudado na psicologia é que o celular, como é um excesso de estimulação, pode deixar as crianças mais ansiosas e extremamente irritadas”, explica a psicóloga. Quando a criança é inserida num lugar com muitas estimulações, ela pode não saber como lidar com essa abundância de opções. Isso normalmente causa uma dificuldade de escolha, o que pode levar à irritabilidade, ansiedade e até à agressividade. “Estudos mostram isso: se passar mais de duas horas de uso de internet, a criança tem mais chances de desenvolver distúrbios mentais. Tem que ter aquela busca pelo equilíbrio”, recomenda.


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A falta do “não” pode ser prejudicial

Para Susana Estefenon, especialista do Grupo de Trabalho de Saúde na Era Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), também não é ideal que menores de 10 anos tenham celulares. Em 2016, a SBP lançou um manual de instruções para fazer um uso saudável das tecnologias com as crianças. Em fevereiro de 2020, foi publicada uma atualização de recomendações. De acordo com as novas normas da SBP, crianças com menos de 2 anos podem utilizar celulares para fazer chamadas com familiares ou amigos, o que é chamado de “uso afetivo”.

“É claro que, no contexto pandêmico que estamos, precisamos olhar para a situação dos aparelhos eletrônicos de uma forma menos estruturada”, diz a médica. Entretanto, há algumas normas que não podem ser mudadas.  “As crianças menores de 2 anos não devem utilizar as tecnologias, porque podem interferir no desenvolvimento cerebral e social. Isso não pode mudar, nem com a pandemia. Os pais nunca devem usar os celulares como uma forma de acalmar, entreter, recompensar”, explica a especialista. Também apontou que a vida fora do digital traz muito mais benefícios para a criança. “O offline estimula diferentes partes cerebrais. Ao contrário do que os pais pensam, a ciência já comprovou que usar a tecnologia precocemente não vai proporcionar mais desenvolvimento”, afirma.

Durante a pandemia, as crianças têm muito tempo ocioso e muitas vezes podem acabar pressionando os pais para ganhar um celular e ter como ocupar as horas vagas. No entanto, Susana Estefenon indica que os pais não devem ceder a essa pressão. “São muitos os transtornos que a falta de um não [limite] pode trazer”, aponta a médica.


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Sem um celular, como resolver a questão da comunicação e do tempo livre?

De acordo com Fabíola Melo, o ideal seria que as crianças utilizassem o celular dos pais quando precisarem conversar com amigos ou familiares. Caso não possam emprestar, ela sugeriu que os pequenos recorressem aos telefones fixos. Outra opção seria realizar videochamadas pelo computador, o que já virou um costume no período da pandemia.

Para a psicóloga, também não adianta apenas insistir na proibição, é preciso oferecer outras alternativas saudáveis para as crianças passarem o tempo. Uma orientação que tem dado aos pais é utilizar jogos físicos. É uma forma de criar momentos lúdicos e divertidos para a criança. “O que eu enfatizo como um caminho para lidar com essa situação é criar uma nova dinâmica entre a família”, recomenda. Susana Estefenon aconselha os pais a programarem outras opções de entretenimento e lazer, como caminhar. Além disso, a profissional julga importante selecionar jogos e materiais educativos, que tenham capacidade de proporcionar conteúdos pró-sociais para os filhos. 

Importância da mediação parental

Caso os pais decidam presentear os filhos com o celular, as especialistas dizem que é fundamental que façam um monitoramento rigoroso do uso do aparelho. Susana Estefenon recomendou criar uma agenda em que os pais buscam, em conjunto com as crianças, estabelecer um horário de começo e fim do uso. Segundo a psicóloga Fabíola Melo, as regras devem ser deixadas muito claras. “É por isso que uma criança pequena não pode ter celular, ela não vai entender esse controle. Mesmo com crianças maiores e adolescentes, os pais precisam ter um acompanhamento de atividades”, relata a psicóloga.

Para a pediatra, a alfabetização midiática pode ser feita enquanto as crianças são menores. “Na infância, seria ideal que os pais apresentassem o online de forma saudável, para que quando elas cheguem na adolescência saibam identificar e lidar com os riscos da internet”, aponta. Mesmo na adolescência, é preciso que os pais continuem mediando a forma como o filho utiliza o tempo no celular.

“Durante a infância, a gente prepara e educa a criança para fazer um uso mais consciente e mais crítico da tecnologia. Durante a adolescência, a gente monitora o uso, na medida do possível”, afirma a pediatra.


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Aspectos para levar em consideração

De acordo com a pediatra, cada caso é um caso e é preciso analisar o contexto no qual a criança está inserida antes de optar pela compra de um celular. É preciso, ainda, avaliar não só a idade, mas o grau de maturidade da criança. Outro fator importante indicado pela médica é que os adultos devem rever os próprios hábitos e mostrar como fazer um uso saudável do aparelho, sendo um exemplo para os filhos.

Confira os aspectos apontados pelas especialistas que as crianças devem contemplar antes de ganhar um celular próprio:

  • Compreender e respeitar as regras familiares pré-estabelecidas;
  • Conseguir cuidar do próprio aparelho;
  • Capacidade de gerenciar o tempo de uso;
  • Entender os limites em compartilhar informações privadas;
  • Assimilar e saber lidar com os perigos da internet. 

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