Estamos a poucos dias das eleições municipais que elegerão 5570 prefeitos em todo o país. São milhares de candidatos e nem todos sabem dos problemas que enfrentarão caso sejam eleitos. “A pandemia infelizmente parece longe de acabar e a maioria dos candidatos não tem ciência do que herdarão, como por exemplo o desemprego, a queda nas arrecadações, o estresse das pessoas devido ao confinamento e a demanda reprimida no setor da saúde”, relata a pedagoga Iolene Lima, ex-secretária executiva do Ministério da Educação. Diante de tantos desafios, muitos governos deixam para segundo plano políticas e ações que favoreçam o desenvolvimento das crianças. Mas não deveriam, haja vista os dados preocupantes que envolvem essa fase da vida. Sabe-se por exemplo, que de cada 10 crianças que moram no Brasil, 6 vivem na pobreza. A mortalidade infantil voltou a crescer, após 15 anos de queda ininterrupta. A cobertura vacinal tem caído nos últimos anos, dificultando a erradicação de doenças como o sarampo e a poliomielite.
“Mudar a vida de uma criança é transformar o mundo. É construir, no hoje, a sociedade que queremos daqui para frente”, afirma a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, que promove ações para o desenvolvimento integral das crianças. A entidade destaca que a verba destinada à primeira infância hoje volta para a sociedade em economia com programas sociais, taxa de violência menor, geração maior de riquezas e salários mais altos.
No documento “Eleja as crianças”, a fundação elencou diretrizes prioritárias com foco nas crianças que devem ser inclusas nos planos de governo dos candidatos. “São ações e políticas públicas que, se colocadas em prática, podem gerar grande impacto na vida das crianças, suas famílias e toda a sociedade.” A seguir, detalhamos essas políticas e outras questões que colocam as crianças como prioridade às quais os candidatos devem ficar atentos nestas eleições. Confira.
Políticas públicas com foco nas crianças
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1. Ampliar vagas em creches e pré-escolas com qualidade
“A socialização e os estímulos que as crianças recebem nessa fase da vida são cruciais para seu desenvolvimento pleno. Quanto mais riqueza de experiências, melhor”, afirma o documento sobre as eleições da fundação. Para tanto é fundamental ampliar a oferta de vagas em creches para crianças de 0 a 3 anos, o que cabe aos municípios e exige alto investimento. “O atendimento a bebês requer espaço físico singular, equipamentos, como berço e lactário, e contratação de um número maior de colaboradores, o que leva a um custo fixo de RH maior”, explica Iolene.
A pedagoga chama a atenção para o fato de que a falta de vagas leva a outros problemas sociais, tais como insegurança alimentar e riscos físicos para as crianças. “Muitas famílias são obrigadas a deixar as crianças em situações informais e precárias de cuidado para poderem trabalhar. Obviamente existem saídas intermediárias para esse gargalho que são as creches conveniadas, que podem funcionar desde que respeitadas as diretrizes municipais e feita a supervisão/fiscalização pelo município.
Em relação às pré-escolas, etapa que é obrigatória para crianças de 4 e 5 anos, é importante identificar quem está fora da escola, garantir o seu acesso e investir na formação docente e na qualidade do serviço, de acordo às diretrizes da Base Nacional Comum Curricular. Também é importante realizar processos regulares de avaliação e considerar a infraestrutura das unidades, os materiais e as práticas pedagógicas realizadas.
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2. Dar atenção e cuidado às gestantes e seus bebês
Mulheres grávidas devem ter acesso a uma atenção básica de qualidade pelo SUS (Sistema Único de Saúde), durante o pré-natal e período pós-parto. Também é preciso garantir consultas médicas às crianças que permitam acompanhar o seu desenvolvimento. Outro aspecto importante diz respeito aos programas de visitas domiciliares, que devem orientar pais e cuidadores quanto ao valor das relações afetivas com as crianças, essenciais para o desenvolvimento pleno das mesmas. Ainda, fortalecer a estratégia Saúde da Família, de modo a atender 100% da população do município, também pode melhorar indicadores relevantes, afirma o documento da fundação.
3. Criar programas de atendimento às famílias vulneráveis
O objetivo é integrar as famílias e as comunidades, estimulando reuniões em centros próximos de suas casas, para que possam fortalecer os vínculos dos cuidadores com as crianças em prol do bem-estar infantil.
4. Implementar o Plano Municipal pela Primeira Infância
Essa é uma recomendação do Marco Legal da Primeira Infância, para estabelecer diretrizes que orientem as políticas a favor das crianças num período de dez anos. Deve ser elaborado com a participação de diferentes setores do governo, órgãos públicos, representantes da sociedade civil e também das próprias crianças.
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5. Planejar orçamentos que deixem claro o investimento nas crianças
O orçamento do governo deve ser feito de forma a deixar claro quais recursos serão investidos na primeira infância – o que facilita a transparência e a futura avaliação dos gastos. Nesse sentido, é importante considerar todas as áreas de atuação do governo que impactem as crianças – e não apenas a educação, que conta com recursos próprios. É necessário também que o governo faça uma análise do Orçamento da Criança (OCA), uma metodologia que ajuda a organizar o orçamento.
6. Escolher secretários de educação cientes da realidade local
O novo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) poderá ser acessado pelos prefeitos, pois prevê verba para a construção das creches, dentre outros assuntos que urgem no campo educacional. “Para aproveitar esse e outros recursos disponíveis, porém, é preciso conhecimento por parte dos secretários de educação. Neste momento, mais do que nunca, será necessário que os prefeitos escolham secretários de educação, com experiência em gestão e que entendam suas realidades locais”, declara Iolene.
7. Reabrir escolas com segurança
O retorno das aulas pós-pandemia, que em algum momento ocorrerá onde não aconteceu ainda, também será um dos principais desafios, tanto em termos logísticos operacionais quanto no campo pedagógico. Tivemos na maioria das redes municipais implementadas ações emergenciais, como distribuição da merenda escolar às famílias dos alunos e realização de atividades pedagógicas não presenciais, chamadas de ensino remoto, por meio da distribuição de recursos e materiais impressos ou de meios digitais.
Secretários municipais de educação de médios e grandes municípios já relatam aumento na demanda por vagas nas escolas públicas, que vão ter que se adequar às normas de prevenção do coronavírus, o que implica mais gastos. Demanda essa provocada pela queda da renda da população, que forçosamente necessitou migrar do sistema educacional privado para o público.
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8. Prever a recuperação da aprendizagem e adequação à BNCC
Os novos prefeitos ao lado de seus secretários municipais de educação terão que lidar, além das questões da saúde dos alunos e professores, com a necessidade de distanciamento social, com os itens necessários para a higiene das escolas e das pessoas lá inseridas até que se tenha uma vacina eficiente, como também com o imenso desafio de fazer a gestão pedagógica que vai muito além de calendário e currículo plurianual 2020-2021. É necessário fazer a arquitetura de uma gestão que garanta a recuperação da aprendizagem e a adequação do currículo frente à BNCC (Base Nacional Comum Curricular) que ainda não aconteceu em grande parte dos municípios brasileiros. É necessário entender a situação da implementação da BNCC nas escolas e garantir seu avanço.
Em termos de IDEB (Índice de desenvolvimento da Educação Básica), temos outro grande desafio: a garantia da aprendizagem expressa no aumento da nota. No entanto, o avanço nos níveis de aprendizagem em todas as etapas da Educação Básica são claramente insuficientes. O impacto da Covid-19 com a suspensão das aulas presenciais por vários meses ao longo de 2020 tende a tornar esse cenário ainda mais complexo no início da próxima gestão municipal.
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9. Garantir políticas intersetoriais voltadas às crianças
Em situações normais já é importante a parceria entre secretarias, mas 2021 exigirá maior poder de aliança entre pastas municipais, principalmente saúde, educação, assistência social e esporte, não somente para maximizar recursos, mas prioritariamente encontrar soluções para as demandas que se fizerem necessárias no pós-pandemia. “Será fundamental que os novos gestores identifiquem rapidamente o que é receita e gasto extraordinário e o que não é, para ter um mínimo de planejamento e velocidade nas ações”, declara Iolene. Ela diz que os novos prefeitos terão de entender rapidamente o que é política de estado e o que é política de governo, para que ações educacionais que estão funcionando por exemplo, não sejam descontinuadas. “Os desafios são muitos, sendo assim, gestão e visão devem caminhar juntas”, finaliza.
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