Neste final de ano, muitas crianças apresentaram quadros de infecções respiratórias, como indica o Boletim InfoGripe, publicado recentemente pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Os sintomas são muito parecidos com os da Covid-19, o que pode deixar os pais alarmados, mas o coronavírus não é o vírus que está em grande circulação entre os pequenos nos últimos tempos. O Boletim revelou que crianças de zero a nove anos vêm apresentando crescimento significativo de casos de vírus sincicial respiratório (VSR), além do Rinovírus, Adenovírus, Bocavírus e Parainfluenza 3 e 4. As doenças provocadas por esses vírus assemelham-se a gripes e resfriados, mas, em casos mais raros, também podem evoluir para quadros mais preocupantes como uma pneumonia ou bronquiolite.
Com a pandemia, há uma preocupação ainda maior para descobrir se a dor de garganta e a indisposição, por exemplo, são sintomas da Covid-19. Por isso, especialistas indicam tomar muito cuidado nestes dias com aglomerações e o uso de máscaras. A análise do Boletim é referente ao período de 14 a 20 de novembro, o que não é uma época comum para o aumento dos vírus respiratórios. “O vírus sincicial respiratório causa o que chamamos de doenças sazonais, que aparecem em determinadas épocas do ano. O seu pico é normalmente durante o final do verão e o início do outono, em lá para março, maio e junho”, explica Francisco Ivanildo Oliveira, infectologista e gerente de qualidade do Hospital Infantil Sabará.
Por isso, segundo o médico, esta alta fora do comum está diretamente relacionada com o isolamento social exigido pela pandemia. “As crianças ficaram mais de um ano sem frequentar ambientes comuns e só mais recentemente houve uma liberação para o retorno mais amplo das escolas. A partir do momento em que as crianças se reúnem e compartilham um ambiente em comum, existe um aumento na transmissão desses vírus”, diz Oliveira.
Além disso, as crianças menores de dois anos, que nasceram durante a crise sanitária, estão ainda mais suscetíveis às infecções. “Estes pequenos nasceram no isolamento social e não foram expostos ao mundo real, poupando-os da enorme circulação viral. Com a melhora da pandemia, as crianças começaram a se expor mais e tiveram contato com os vírus sem ter nenhuma memória imunológica prévia”, adiciona Paulo Telles pediatra pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). O médico lembra que neste ano houve um azar climático ímpar, com oscilações de temperatura, tempo extremamente seco, poluído e cheio de fuligem pelas queimadas, além de uma primavera muito fria, o que também interfere no ataque geral dos vírus.
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Sintomas do vírus sincicial respiratório
Segundo o infectologista Francisco Oliveira, na grande maioria das pessoas saudáveis, o vírus sincicial respiratório causa o “resfriado comum”, mas os sintomas podem variar de acordo com a idade. Geralmente a criança pode apresentar um quadro com dor de garganta, coriza, obstrução nasal, tosse seca, sem febre ou com febre baixa e sem grande comprometimento do estado geral. “É justamente aí que está o perigo do contágio, porque, como a pessoa tem disposição para continuar fazendo as suas atividades, ela pode passar a doença, que é muito transmissível, para crianças e pessoas imunodeprimidas”, ressalta Oliveira. Nestes casos mais leves, o infectologista aponta que em três ou quatro dias a criança já está curada.
No entanto, o simples resfriado também pode evoluir para casos mais graves. “O vírus sincicial respiratório é a principal causa da bronquiolite em crianças menores de dois anos. O acúmulo de secreção e a inflamação dos bronquíolos, as camadas mais finas dos brônquios, geram o estreitamento das vias aéreas, fazendo com que a criança tenha dificuldade respiratória”, relata Francisco Oliveira. Este quadro pode ser identificado principalmente pelo chiado que é ouvido durante a respiração da criança. Por isso, pode ser necessário que ela seja internada para que tenha acesso a suporte de oxigênio, hidratação, fisioterapia e tratamentos um pouco mais intensivos. Neste casos graves, a recuperação completa pode levar de sete a dez dias, ressalta Paulo Telles. “A evolução habitual é: piora clínica até o quarto ou quinto dia do início dos sintomas e depois mais cinco dias, aproximadamente, para resolver”, afirma.
Além da bronquiolite, algumas crianças também podem ter pneumonia, que apresenta sintomas como tosse com catarro ou pus, febre, calafrios e dificuldade respiratória. Oliveira aponta que estas situações mais graves podem levar até 14 dias para passar. Por isso, segundo os especialistas, é importante que os pais fiquem atentos aos sinais de alerta. Caso a criança apresente algum dos seguintes sintomas é preciso que sejam levadas a um hospital para serem avaliadas:
- Febre por mais de 72 horas;
- Prostração (ficar caído, apático) mesmo sem febre;
- Ficar ofegante, com falta de ar e com o chiado da bronquiolite;
- Secreção escura e espessa persistente por mais de 7 dias;
- Sinais de desconforto respiratório (ritmo de respiração mais rápido e retração no espaço entre as costelas ou na região da garganta, mostrando que a criança está fazendo força para respirar);
- Excesso de sonolência;
- Pontas dos dedos e lábios roxos;
- Não querer comer, nem aceitar nenhum alimento.
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Diferenças entre os vírus respiratórios
Além do vírus sincicial respiratório, o Boletim InfoGripe também apontou o crescimento de casos de Rinovírus, Adenovírus, Bocavírus e Parainfluenza 3 e 4. “No geral, todos os vírus respiratórios causam sintomas parecidos. No entanto, cada vírus pode ter sintomatologia e características clínicas diferentes”, explica o pediatra Paulo Telles. Segundo o médico, o Rinovírus e o Bocavírus geralmente apresentam sintomas mais parecidos com o resfriado e a gripe.
“O Adenovírus pode dar, além dos sintomas respiratórios, conjuntivite e sintomas gastrointestinais, como vômitos e diarreia”, adiciona o pediatra. Já infecções provocadas por Parainfluenzas podem causar laringite, a inflamação da laringe, com tosse rouca, estridor e falta de ar.
É preciso fazer o teste de covid-19?
Todos estes sintomas são muito parecidos com os da Covid-19. É comum que o coronavírus provoque febre, tosse, cansaço, perda de paladar ou olfato, dor de garganta, dor de cabeça, diarreia, irritações na pele ou descoloração dos dedos dos pés ou das mãos, olhos vermelhos ou irritados, dores no peito e dificuldade para respirar. Telles afirma que o coronavírus dificilmente evolui para sintomas de bronquiolite, mas isso também pode ocorrer. “Infelizmente já tive uma paciente internada em UTI com sintomas que pareciam de bronquiolite pelo vírus sincicial respiratório e na verdade estava com Covid”, relata.
Dessa forma, não existe uma maneira de diferenciar o coronavírus dos demais vírus respiratórios apenas a partir dos sintomas. “Para se ter certeza absoluta, só fazendo exame para identificar o vírus”, ressalta. Com o retorno das aulas presenciais, que aumentam as chances de contágio, é importante que as crianças façam o teste para pensar no tempo de isolamento e identificar de forma precisa qual é o vírus que está causando o quadro. Segundo Paulo Telles, o ideal é fazer o exame após 72 horas do início dos sintomas.
“Existem muitos tipos de exames, os mais comuns são os testes rápidos, que mostram o resultado depois de cerca de meia hora, mas estes têm um maior risco de dar um resultado falso negativo”, aponta Oliveira. De acordo com o infectologista, o mais indicado é o PCR, que é considerado o padrão-ouro, isto é, o mais eficaz. Caso a criança tenha um quadro mais grave, Francisco Oliveira afirma que é recomendado que faça o teste do painel respiratório, que testa simultaneamente a presença de vários vírus.
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Cuidados com as crianças
Segundo os médicos, casos leves do vírus sincicial respiratório podem ser tratados em casa. “É importante ressaltar que não existe tratamento específico que cure crianças infectadas pelo vírus”, aponta Oliveira. Porém, algumas atitudes podem ajudar na recuperação dos pequenos. “É preciso muita paciência e amor. E, sempre que tiver dúvida, busque atendimento do pediatra”, destaca Paulo Telles. Confira outras orientações dos especialistas:
- Manter a criança bem hidratada;
- Fazer lavagem nasal com soro fisiológico;
- Repousar;
- Fazer nebulização;
- Buscar orientação médica para a necessidade de medicamentos;
- Atentar-se aos sinais de alerta mencionados;
- Importante: não existem xaropes antitussígenos (para tratar a tosse) eficazes e seguros, principalmente para os menores de 3 anos.
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