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Desigualdade de gênero e parental: ‘sem discussão não há conscientização’

Na última semana, o tema da redação do exame do Enem centralizou as discussões principalmente de pessoas envolvidas no desenvolvimento humano e familiar. Alguns acharam o título da chamada longo e confuso, outros comentaram que jovens não possuem maturidade para discorrer sobre o assunto. A prova pedia para falar sobre a invisibilidade dos trabalhos dos cuidados realizados pelas mulheres, o qual remete a questões como sobrecarga mental, economia do cuidado e divisão desigual entre gêneros.
Os organizadores da prova deixaram alguns textos base para os alunos, que traziam dados estatísticos sobre essa diferença, pequenas dissertações sobre o significado da economia do cuidado e percepções sociais a respeito das convenções de gêneros.
Estamos “carecas” de saber que as mulheres dedicam muito mais tempo aos afazeres domésticos e/ou ao cuidado de pessoas ‒ são 21,3 horas semanais contra 11,7 horas dos homens, segundo números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua 2022, do IBGE. O protagonismo feminino e a falta de interesse masculino por essas atividades expõem um desequilíbrio de gênero que prejudica a saúde da mulher e consequentemente a criação dos filhos e a felicidade familiar.
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Como mudar essa realidade
Grandes transformações ao longo da história se iniciaram com pequenos atos empáticos, que deixaram a individualidade de lado e passaram a olhar para o benefício de um coletivo de pessoas, produzindo forças poderosas que promoveram mudanças transformadoras para a construção de sociedades mais justas e inclusivas.
É a chamada empatia social, que transcende as interações individuais e se refere à capacidade de compreender perspectivas e experiências dos outros em um contexto mais amplo, envolvendo grupos, comunidades ou mesmo sociedades inteiras.
Foi assim, por exemplo, com o movimento pelos direitos das mulheres, que ao longo do tempo conseguiram conquistas significativas como o direito ao voto, em 1932, e a criação da Lei Maria da Penha, em 2006, para citar apenas duas grandes vitórias obtidas aqui no país. Vale também para os movimentos trabalhistas ocorridos em várias partes do mundo; o movimento pelo fim da escravidão, no Brasil; pelo fim do apartheid, na África do Sul; e pelos direitos civis, nos Estados Unidos, entre muitos outros.
Talvez, jovens entre 16 e 20 anos que participaram do Enem não tenham a real dimensão do que significa a economia do cuidado, mas fico imaginando esses estudantes conversando sobre esse trabalho “invisível” da mulher com seus pais ou com os amigos da escola, depois da prova. Imagino as mães comentando a temática com seus companheiros, as famílias discutindo o assunto no almoço de domingo, e profissionais de empresa falando sobre isso naqueles minutinhos prévios a uma reunião de trabalho. Aqui e ali, esses pequenos burburinhos podem semear mudanças que nos permitam sonhar com a equidade de gênero e parental, relativa ao cuidado com os filhos, e assim possibilitar uma realidade mais justa para as mulheres, as famílias e a sociedade como um todo.
Minha geração quarentona começou a discutir algo nesse sentido após ter filhos e o casal vivenciar a exaustão da mulher com o aumento de demandas e responsabilidades parentais. E mesmo assim, pela maneira como fomos educados, apenas um raso número de pessoas parece acreditar que essa discussão é importante.
Agora, estes jovens, prestes a entrar em uma universidade, estão tendo o primeiro contato com o tema antes de formarem suas famílias, favorecendo a conscientização, algo muito diferente do que ocorreu com as gerações anteriores. Graças à abordagem do assunto em um exame nacional pudemos ampliar esse debate, já presente em pequenos grupos, fazendo-o chegar ao domínio público.
Precisamos promover cada vez mais conversas convidativas e impactantes sobre as desigualdades e maneiras de combatê-las, produzindo assim um campo de consciência que, à medida que ganha força e se expande, torna-se impossível de ser ignorado. Sem discussão não há conscientização.
Daqui em diante cresce a esperança da equidade não só em relação aos cuidados, mas em responsabilidades, salários, cargos de liderança e oportunidades. Somos os principais agentes dessa transformação. Vamos trabalhar juntos?
*Este texto é de responsabilidade do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Canguru News.
Ton Kohler
Ton Kohler é pai solo do Pedro, 8, e Mariana, 6 anos. Publicitário, escritor, palestrante, educador parental e Tedx Speaker. Produz conteúdos sobre consciência da equidade parental e de gênero para redes sociais no perfil "Papai em Dobro", focado em saúde e bem-estar da família.
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