Luca Simões Saraiva Neuenschwander na pista de kart: o garoto sonha chegar à Fórmula 1. Foto: Gustavo Andrade |
Na hora de escolher investir ou não na carreira do filho, uma dúvida paira no ar: o treinamento especializado precoce pode causar prejuízos? “É questão de bom senso”, responde o professor do Centro de Treinamento Esportivo da UFMG, o polonês Leszek Antoni Szmuchowski, responsável por encontrar e desenvolver jovens para o atletismo. Segundo ele, muito mais do que física, a sobrecarga mental pode realmente ser prejudicial. “Quando a criança não tem motivação, ela não consegue um bom rendimento inicial”, diz. “Com a cobrança, passa a se empenhar mais e o exagero causa um stress tanto físico quanto psicológico.” O problema é conhecido como síndrome de overtraining. De acordo com Tatiana, 20% dos atletas passam por isso. E poucos superam. “É importante destacar a parte lúdica do esporte”, explica. “Dessa forma, a criança continua tendo prazer no que faz e, provavelmente, vai querer levar para a vida inteira.”Não é segredo nenhum que a prática regular de esportes traz uma série de benefícios à saúde dos pequenos. Além de ocupar a mente e desenvolver o corpo — aumentando a flexibilidade, a coordenação e a capacidade cognitiva e motora —, também desperta as noções de responsabilidade, disciplina e respeito pelo outro. Praticar uma atividade física é, acima de tudo, uma forma de socialização. Para algumas crianças, no entanto, o treinamento vai muito além da farra. “Em certas modalidades, para ser um atleta de alta performance é preciso começar cedo e ter uma rotina intensa de treinamento”, afirma a educadora física da Cia Athletica Tatiana Yotsumoto. É o caso da natação e das lutas, por exemplo, que exigem adaptações do próprio corpo para alcançar um bom rendimento.
A seguir, veja a rotina de sete crianças que já treinam e competem como gente grande. Em comum, o fato de terem começado bem cedo, colecionarem pódios, medalhas e troféus, sonharem grande e, o melhor, levarem tudo na brincadeira.
“Serei igual ao Ayrton Senna.” Luca Simões Saraiva Neuenschwander, 8 anos, kart
Aficionados de corrida, o engenheiro, empresário e piloto Mauro Eduardo Neuenschwander, de 37 anos, e a advogada Tatiana Simões Saraiva, de 34, batizaram o filho em homenagem ao ex-presidente da Ferrari Luca di Montezemolo. O futuro do garoto, hoje com 8 anos, parecia traçado. Aos 6, conseguiu ser aceito numa escolinha de kart, embora a idade mínima para começar fosse 7. “Todo mundo via que ele tinha talento”, lembra Tatiana. No início de 2015, o garoto correu o Campeonato Mineiro de Kart, na categoria mirim, e ficou em segundo lugar. Participou ainda do Campeonato Brasileiro — e foi parabenizado por ninguém menos que Emerson Fittipaldi, depois de chegar na frente de seu filho, Emmo Fittipaldi. Para alcançar seu objetivo, que é a Fórmula 1, Luca treina toda sexta e sábado por, no mínimo, três horas. “Serei igual ao Ayrton Senna”, sonha. Apesar de ter alguns patrocínios de apoio, a famíli aguarda, neste ano, uma proposta integral. Um alívio, já que só o kart custa em torno de 15 000 reais, enquanto a manutenção mensal não sai por menos de 5 000.
“Eu nunca vou desistir.” Pedro Henrique Lima Ferreira, 9 anos, futebol
Enquanto a maioria dos garotos brinca de jogar futebol, Pedro Henrique, de 9 anos, dribla como um craque. Desde que começou no esporte, aos 5 anos, o jovem atleta se diferenciava. Entrou para o time de salão do Minas Tênis Clube e de campo do Beagá Futebol Clube. Sua performance acabou chamando a atenção do Cruzeiro, que, no ano passado, o colocou como volante — e capitão — da equipe Sub-9, pela qual faturou o Campeonato Mineiro IMEF 2015 e a Copa Alterosa de Futebol. A rotina do pequeno é basicamente dividida entre escola e futebol. Treina de segunda a segunda, no mínimo duas horas por dia, com exceção de sexta, que é quando descansa e brinca, como toda criança. No sábado e domingo, joga. Uma vez por semana, também, tem treinamento funcional para atletas kids na academia. “O nível de exigência é muito alto, eles realmente estão investindo em sua formação profissional”, afirma o pai, o advogado Davidson Ferreira, de 38 anos. Embora seja titular no Cruzeiro, Pedro Henrique é enfático. “Meu sonho é jogar no Atlético, e eu nunca vou desistir de tentar.”
“Quero muito chegar às Olimpíadas.” Elisa Resende, 9 anos, hipismo
Boa parte das crianças fica alucinada com cachorros. Elisa, não. Desde pequena, gostava mesmo era de cavalos. Quando tinha 4 anos, fez uma aula experimental de hipismo, mas a mãe, a arquiteta e empresária Iaiá Resende, de 41 anos, achou prudente esperar. “Ficamos inseguros, ela era muito pequena e tínhamos medo de que se machucasse”, conta. Hoje, aos 9 anos, Elisa faz parte do Top Team e já tem até o próprio cavalo, o brasileiro de hipismo Thor. Equipada de culote, bota, camisa e casaca, ela monta de quatro a cinco vezes por semana, treina salto, equilíbrio, adestramento e postura. Em 2015, passou a disputar o Campeonato Mineiro, na categoria escola intermediária, com saltos de 80 centímetros. “A Elisa tem um talento natural e nós queremos investir nela, para que mais à frente represente o Brasil”, ressalta o cavaleiro e treinador Felipe Morgan. Apesar dos custos — no mínimo 2 500 reais mensais de manutenção e mais as trocas de cavalo, que podem chegar a custar 200 000 euros —, a família aposta no sonho da garotinha. “Não penso em parar, quero muito chegar às Olimpíadas”, fala, com seu jeito tímido.
“Perder também faz parte.” Juan Camargo dos Santos, 8 anos, kickboxing
Juan tinha 3 anos quando pisou pela primeira vez numa academia. Sob a influência do pai, o lutador Isaías dos Santos Silva, de 40 anos, começou a colocar as luvas e a dar socos e chutes no saco de pancada. A brincadeira foi ficando séria e, todos os dias, depois de largar a escola, o pequeno passou a treinar. Quando completou 7 anos, não via a hora de disputar. Amparado pela equipe Ely Kickboxing MMA — dentro da categoria point fight —, ele ficou em primeiro lugar na Copa Divinópolis, no Campeonato Mineiro e no Brasileiro. “É emocionante quando eu estou ganhando, mas o que importa não é só ganhar, perder também faz parte”, considera Juan, que, em breve, passa da faixa laranja para a verde. O treinamento, apesar de puxado, respeita os limites do atleta mirim. “Ele faz uma hora de treino todo dia, não há necessidade de mais do que isso. Cansou, tudo bem, relaxa”, enfatiza Silva. “Importante mesmo é cuidar do corpo, se alimentar bem, trabalhar a técnica e alongar.” O objetivo, daqui a alguns anos, é lutar no Glory, principal organização do kickboxing profissional. A julgar pela sua trajetória, o garoto tem tudo para chegar lá.
“É preciso ter cabeça boa.” Pedro Martins Rodrigues, 9 anos, tênis
Fã de carteirinha do tenista espanhol Rafael Nadal, o pequeno Pedro, de 9 anos, se inspira no ídolo quando pisa nas quadras. Jogador desde os 4 anos, o garoto começou a competir com 5. “Como não tinha categoria para a idade, eles abriram uma exceção e o colocaram para jogar com os atletas de 9 anos”, conta o pai, o engenheiro de produção Frederico Bastos Rodrigues, de 34 anos. Pedro não se intimidou e levou para a casa não só o vicecampeonato na Copa Arlindo, ex-Copa Integração, mas o troféu revelação. De lá para cá, disputou, ainda, um dos principais torneios de tênis do país, a Copa Guga Kuerten. No total, o atleta mirim tem onze títulos de simples e oito finais, além de quatro títulos de duplas e duas finais. O segredo, segundo ele? “É preciso ter uma cabeça boa, ter consciência do que está fazendo e respeitar o adversário.” No início deste ano, Pedro começa a treinar pela equipe do Pampulha Iate Clube, onde quer se profissionalizar. A rotina, lá, será mais intensa, superando o treinamento atual, de três vezes por semana e duas horas diárias. “Só não dá para exagerar, para não sobrecarregar”, pontua o pai.
“Quero ganhar o mundial.” Bernardo Eto Tibúrcio, 8 anos, motocross
Para quem pergunta quando surgiu o interesse de Bernardo pelas motocicletas, a família Tibúrcio conta uma história orgulhosa: aos seis meses de idade, o bebê não podia ouvir o ronco de um motor que já arregalava os olhinhos, fascinado. Estimulado pelo pai, o comerciante Geison, de 43 anos, Bernardo ganhou, aos 2 anos, sua primeira moto elétrica. “Era muito pesada para ele, precisamos colocar rodinha”, conta a mãe, a administradora Lucília, de 40 anos. A paixão do garoto pelo esporte só crescia. Fez curso com os pilotos mineiros Jorge Balbi Jr. e Alexandre Teles, o Dino, e começou a treinar pesado. Pratica o motocross todo fim de semana e, no dia a dia, condiciona o físico com voltas de bike. No ano passado, participou, pela primeira vez, da Copa Minas Gerais de Motocross, na categoria 50cc. Não levou o troféu para casa, mas, no Campeonato Mineiro, abocanhou o primeiríssimo lugar. “Quero ser campeão brasileiro e, depois, ganhar o mundial”, revela o menino, que corre com uma moto de 19 800 reais. Enquanto não arruma patrocínio, conta com o apoio dos pais. “É o sonho dele, então vamos incentivar”, arremata Lucília.
Como quase toda menininha, Ariana pensou em fazer balé. Por causa de uma forte crise de bronquite, aos 5 anos, acabou orientada pelos médicos a praticar natação. Assim começou a trajetória da pequena atleta, que, estimulada pelo professor da escolinha, entrou, aos 8 anos, para a equipe do Olympico Club. “Foi uma surpresa, eu não sabia que ia gostar tanto. Queria mesmo só nadar nas piscinas”, revela Ariana, fã número 1 do ganhador da medalha de ouro olímpica e ex-campeão mundial Cesar Cielo. Hoje, aos 10 anos, a garota treina cinco vezes por semana, no mínimo duas horas por dia. Recebe acompanhamento médico e nutricional. Entre as suas quase setenta medalhas, estão as de ouro na Copa Mackenzie, no Campeonato Mineiro de Natação e no Metropolitano Mirim. Conquistou, também, o primeiro lugar no ranking da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA) na modalidade 100 metros livre feminino mirim. Seu rendimento a colocou na mira do Minas Tênis Clube. “Minha esperança é de, em breve, termos mais uma nadadora representando o nosso país”, empolga-se o pai, o taxista Wilson Martins de Almeida, de 43 anos.