Por Xenya Bucchioni* – Embora pareça que a pandemia aconteceu há séculos, basta as mulheres que se tornaram mães naqueles tempos acionarem algumas lembranças para que os ecos e ruídos dessa experiência se façam presentes. Com intensidade e força suficientes para narrar o que foi vivido em silêncio. Entre a alegria e o espanto de trazer vida nova ao mundo em um mundo outro. Por diversos momentos, irreconhecível.
Fazer a travessia de mulher à mãe nas circunstâncias impensáveis da covid-19 foi uma experiência radical de invisibilidade para muitas mulheres. E mais do que isso: algo que une uma geração tamanha é a visceralidade com que esses eventos se misturam. Se você já se perguntou o que era da pandemia e o que era da maternidade, certamente sabe do que estou falando. E te digo: você não está sozinha nesse questionamento.
Depois de pouco mais de dois anos de escuta de histórias de mulheres que estavam se reconhecendo mãe quando a pandemia começou, entendi que esta era uma história importante de ser contada. E que “isso” – essa mistura de interrogações, sensações e emoções, nas quais eu também me vi emaranhada, ao viver parte do meu puerpério em condições tão adversas – merecia um livro. Dei a ele o nome “Querida gestante: histórias sobre gestar, parir e se enxergar mãe em tempos de pandemia”, da Temporada/Grupo Editorial Letramento, que está em pré-venda e será lançado agora em outubro.
A ideia de levar esse sonho-projeto adiante surgiu em meados do distópico 2020, quando as mulheres começaram a compartilhar comigo, de modo espontâneo, a experiência de parir na pandemia. A cena do parto passava por mudanças bruscas. O uso da máscara, a presença constante do álcool em gel, a perda do direito a um acompanhante e a proibição de visitas foram todas situações comuns, independente do hospital ser público ou privado.
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Talvez essa também tenha sido a sua história. Ao parir na pandemia, mulheres atravessaram o parto sozinhas, enfrentaram a família para ter um parto em casa e se prevenir dos riscos de estar em um hospital, tiveram seus filhos no carro ou à caminho da maternidade por quererem estar seguras até o último minuto e, acima de tudo, se sentiram perdidas e inseguras diante de tantos protocolos nunca antes vistos.
Rapidamente, entendi que eu estava diante de algo novo – e histórico. Resolvi agir. Convidei, então, as mulheres para uma conversa na série #puerperionaopandemia, lançada no meu canal no Instagram, o @queridagestante. Nela, eu as anfitriava a contarem suas histórias a partir do que sentiam mais vivo no encontro inicial com a maternidade. A qualidade das conversas e o volume dos conteúdos recebidos pavimentaram o caminho para que o livro passasse para o papel.
Com os capítulos estruturados ao final de 2021, passei a escrever de modo contínuo entre o outono e a primavera de 2022. Às vezes, nem eu sei como consegui finalizar, já que a escrita aconteceu muito ligada ao meu maternar, entre sonecas, pausas para amamentar e depois de colocar a minha filha para dormir. Embora possa parecer caótico, a verdade é que esses momentos de cuidado também me proporcionaram muitos insights e ideias que se refletiram na minha escrita. Não por acaso, minha filha é uma das mulheres a quem dedico o livro.
A descoberta da gravidez, o medo da perda, o parto, o amor e o puerpério estão entre os temas abordados, o que aproxima o livro também do tempo presente. Muito do que me foi narrado poderia ser a experiência de qualquer mulher do agora, mas o atravessamento da pandemia amplificou e redimensionou a experiência materna a tal ponto que borrou a fronteira entre os dois eventos, o que dificulta, até hoje, o reconhecimento das particularidades de cada um.
Como fazíamos para dar conta? Pergunta a refletir.
Jules de Faria, fundadora do Think Olga, uma das ONGs de direito das mulheres de maior relevância do cenário nacional, destaca no posfácio que: “Dizer “não sabemos” não bastará. É preciso acessarmos essas memórias, registrá-las, revivê-las e honrá-las. É preciso saber de onde veio todo o cuidado dado à geração que pode lutar para que isso, esse arrebatamento de morte causado por mãos humanas, não volte a se repetir. Pois veio de onde costumeiramente vêm os começos: de mães. (…) Contarmos nossas histórias enquanto mães e, mais importante, ouvirmos e propagarmos outras vivências é admitir para nós mesmas e para todos que somos parte vital da vida em coletivo e todo mundo se beneficia dessa entrega custosa e visceral”.
Que assim seja! Que possamos olhar para o passado recente e fazer da experiência materna vivida uma história a ser contada, com todo caos, estranhamento e alegrias que isso inclui. Por se debruçar sobre a memória, esta é a maior aposta de Querida gestante: histórias sobre gestar, parir e se enxergar mãe em tempos de pandemia: te apoiar a ir ao encontro do que viveu. Para que, terminada a leitura, você possa reconhecer a força da sua própria história.
*Xenya Bucchioni é jornalista, mãe de duas crianças, doutora em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco e idealizadora do @queridagestante, projeto criado para dar espaço e escuta às mulheres-mães, fortalecer suas vozes e o resgate e o registro da memória e da história feminina, especialmente na travessia de tornar-se mãe.
Para saber mais sobre a obra: Querida gestante: histórias sobre gestar, parir e se enxergar mãe em tempos de pandemia
*Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião da Canguru News.