Ganho de peso relacionado à pandemia de coronavírus tem sido uma observação frequente no consultório pediátrico. Famílias inteiras que, por conta das modificações de estilo de vida impostas pelo isolamento, agora travam guerra também contra a balança.
Esses quilos a mais viraram até piada nas redes sociais, mas estamos lidando com um fato muito sério: a obesidade é a segunda causa de morte mais prevalente no mundo. Isso se explica porque o excesso de peso é o pano de fundo para inúmeras doenças crônicas, como diabetes, problemas cardiovasculares, doenças degenerativas das articulações e cânceres variados (endometrial, mama, ovário, próstata, fígado, bexiga, rins e cólon).
Os dados informados pela Sociedade Brasileira de Pediatria impressionam. Nas últimas décadas, o número de indivíduos com excesso de peso (obesidade e sobrepeso) passou de 857 milhões em 1980 para 2,1 bilhão em 2013, e a projeção é que chegue a acometer 89% e 85% de homens e mulheres, respectivamente, em 2030.
Em 2016, a OMS (Organização Mundial da Saúde) estimava que 41 milhões de crianças menores de cinco anos e mais de 34 milhões de crianças e adolescentes entre cinco e 19 anos estavam com sobrepeso ou eram obesas.
No Brasil, dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE, 2015) apontaram que 23,7% dos adolescentes de 13 a 17 anos apresentavam excesso de peso e 7,8%, obesidade.
Vale o destaque de que esses dados refletem uma falha sistêmica. O excesso de peso é um problema de saúde prevenível e a responsabilidade não é só dos pais e da família, visto que há influência de diversos fatores externos ambientais, políticos, socioeconômicos e culturais.
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Crianças obesas refletem a falha da sociedade como um todo.
Crianças obesas refletem a falha da sociedade como um todo. A falha de uma sociedade que não consegue promover alimentação saudável com menos ultraprocessados, mais atividade física e menos tempo de telas. Tríade essa que confronta o modo de consumo e de estilo de vida propagandeado nos tempos atuais.
Dados de recente pesquisa do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), em parceria com o Datafolha, que estampou as manchetes de jornais, revelam que estamos no caminho contrário: o consumo de alimentos ultra processados praticamente dobrou na faixa etária dos 45 aos 55 anos durante a quarentena. A pesquisa não incluiu a faixa etária pediátrica, mas acaba sendo uma consequência. Afinal, os adultos que são responsáveis pela oferta e qualidade da alimentação das crianças.
Além disso, as crianças estão com muito menos tempo para brincar livre, realizar atividades físicas e com aumento considerável no tempo de telas. É um ciclo que se retroalimenta, porque por mais que a prática de publicidade infantil seja ilegal no Brasil, muitas empresas insistem em direcionar suas campanhas publicitárias diretamente a crianças, inclusive de produtos alimentícios não saudáveis. Publicidade que chega por meio das telas, com estratégias de indústria cujo objetivo é o lucro e não a saúde da população.
Recomendo o site do Programa Criança e Consumo, que tem como objetivo divulgar e debater ideias sobre as questões relacionadas à publicidade de produtos e serviços dirigida às crianças. Eles listam uma série de estratégias utilizadas pela indústria para atingir o público infantil, como uso de personagens infantis, especialmente em comerciais de TV e nas embalagens, oferta de brinquedos colecionáveis, exposição dos produtos em prateleiras na altura das crianças e também a divulgação por influenciadores mirins.
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Não podemos assistir apáticos a essa escalada da obesidade. Não podemos continuar no caminho contrário.
Essa última estratégia da publicidade de utilizar influenciadores para divulgação dos produtos particularmente me assusta como mãe, como pediatra e como cidadã. Um estudo publicado no último mês, no maior periódico americano de pediatria (Pediatrics), mostra a magnitude que a onda de influenciadores digitais pode alcançar.
Foram analisados os vídeos dos cinco influenciadores mirins mais vistos em 2019. Em 179 vídeos, havia o consumo e a divulgação de produtos alimentícios, sendo a maioria não saudáveis, e esses vídeos foram assistidos um BILHÃO de vezes.
Não se pode subestimar o poder das telas e enquanto não há regulamentação aplicável ou que seja pautada pelo menos pela ética, cabe a nós, pais e responsáveis, fazer o filtro e deixar chegar aos nossos filhos o que for bom para a sua saúde.
Não podemos assistir apáticos a essa escalada da obesidade. Não podemos continuar no caminho contrário. Converse com o seu pediatra sobre esses temas e esteja seguro de fornecer um ambiente que propicie saúde ao crescimento dos seus filhos.
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