Programas de parentalidade podem mudar a forma com que os pais educam os filhos

Pesquisadoras apresentam a conexão entre ciclos de violência e o comportamento das crianças, e mostram de que forma os programas de parentalidade impactam positivamente nesse cenário

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As psicólogas Maria Beatriz Linhares e Elisa Altafim em palestra sobre programas de parentalidade
Maria Beatriz (de pé) e Elisa Altafim (sentada à direita) falam da importância dos programas de parentalidade para garantir o desenvolvimento pleno das crianças | Foto: Divulgação
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Por Isadora Noronha Pereira e Verônica Fraidenraich – “A função parental tem um grande impacto positivo no desenvolvimento da criança e é um impacto que se estende por várias gerações, podendo ser algo transformador nessa cadeia”, destacou a psicóloga, professora e pesquisadora Maria Beatriz Linhares, do departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina da USP/Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Ela foi uma das palestrantes do 2o Congresso Internacional de Educação Parental.

Na apresentação “Programas de parentalidade com dados de eficácia comprovada”, a especialista falou sobre a importância de se investir na primeira infância, fase em que se formam as bases do aprendizado que serão usados ao longo de toda a vida, e ampliar programas de orientação aos pais para modificar de forma positiva a criação dos filhos. Segundo Maria Beatriz, quando há violência na infância, isso impacta diretamente nas praticas parentais.

“Estudos demonstram que quando a minha história de vida foi permeada por maus tratos e violência, isso impacta na forma que eu cuido dos meus filhos, aumentando as chances de eles apresentarem problemas de comportamento, em especial, problemas externalizantes que envolvem agressividade e violência”, alertou Maria Beatriz, que integra o Comitê Científico Núcleo de Ciência pela Infância (NCPI).

Ela citou uma série de pesquisas realizadas pela revista científica sobre medicina The lancet, publicada no Reino Unido, que mostraram que esses ciclos intergeracionais negativos interferem no desenvolvimento da criança em varias áreas, como linguagem, cognição e socioemocional, levando também a um pobre desempenho escolar e mesmo baixo poder aquisitivo.

3 a cada 4 crianças sofrem algum tipo de violência de seu cuidador

Infelizmente, várias pesquisas revelam que práticas de violência ainda são comuns no Brasil e no mundo. Uma delas, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), indicou que 3 a cada 4 crianças, entre 2 e 4 anos, foram expostas regularmente a algum tipo de violência pelos pais ou seu cuidador na pandemia. Outro levantamento apontou que, também durante a crise sanitária, 67% dos pais brasileiros relataram dar chacoalhões, palmadas, pegar com força no braço e chamar o filho de burro ou chato. Foi citado ainda um outro estudo que constatou que 10% dos pais disseram que, em momentos de nervosismo, batiam com a mão nos filhos menores de um ano.

É como uma bola de neve – os pais cresceram em cenário adverso ­– de violência, pobreza e negligência – e, ao terem filhos, reproduzem esse cenário, afetando negativamente a criança por toda a vida.

“A boa notícia é que a qualidade com que os pais cuidam e educam seus filhos pode mudar a partir dos programas de parentalidade”, disse a psicóloga Elisa Altafim.

Elisa, que subiu ao palco do congresso junto com Maria Beatriz, dá aulas na pós-graduação em saúde mental da Faculdade de Medicina da USP/Ribeirão Preto e é especialista em parentalidade e desenvolvimento infantil da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV).

Ela lembrou que a legislação brasileira, além de contar com proibições em relação ao uso de castigos físicos nas crianças, incentiva e apoia a realização de programas de parentalidade para a conscientização de práticas positivas por parte dos pais, ajudando a levar a disciplina positiva para as famílias de uma forma mais ampla.

“Muitas vezes, os pais agem de maneira inadequada com seus filhos, porque não sabem como agir, mas quando eles aprendem, eles mudam os seus valores, por isso é tão importante investir nos primeiros anos de vida, para prevenir que crianças sejam expostas a castigos físicos e, assim, mudar esse cenário”, destacou Elisa.

Programa destaca interações positivas das mães e faz com que se sintam mais competentes na função parental

Um dos programas públicos de parentalidade que trouxe bons resultados para as famílias é o Fortalecendo laços, cujo objetivo foi o de orientar as mães quanto a interações positivas que elas poderiam realizar com os filhos entre 2 e 6 anos de idade. “As mães eram filmadas em momentos em que estavam brincando com a criança e nos tínhamos que observar quais interações positivas haviam ali – às vezes, era um sorriso, uma música cantada – que poderiam ser destacadas”, relatou Maria Beatriz. Ela disse que a partir das gravações foi feito um vídeo personalizado e entregue às mães como uma forma de valorizar as práticas positivas que elas realizavam, favorecendo assim a tomada de consciência do que poderiam fazer e a importância disso para o bebê.

“Esse programa de vídeo feedback personalizado ajudou a melhorar o senso de competência parental, ou seja, as mães se sentiam mais competentes, e isso é muito importante, pois à medida que eu me sinto mais eficaz, isso ajuda na parentalidade, diminuindo também as práticas educativas coercitivas e, consequentemente, problemas de comportamento das crianças”, destacou a pesquisadora.

O que é a parentalidade e o impacto que ela tem no cérebro

A parentalidade se refere ao papel dos pais ou cuidador em promover estímulos e interações que favoreçam a aprendizagem dos pequenos. Isso pode ser feito, por exemplo, ao falar, cantar, brincar e ler para bebês e crianças, fortalecendo assim o vínculo em família.”Quando falamos em interação, falamos de reciprocidade, responsividade. O cuidado responsivo é você responder e atender prontamente às demandas de uma criança, seja física ou emocional”, explica Maria Beatriz.

 As vivencias boas e ruins que a criança tem nesse período influenciam a formação do cérebro e impactam no sucesso que elas terão na vida adulta. Estudos constataram que 90% das conexões cerebrais são estabelecidas até os seis anos de idade. “Esse é um período de grande aquisição de habilidades, em todas as áreas, emocional, social e cognitiva, e precisamos olhar esse momento como um momento de oportunidade de vida. “Existe uma plasticidade cerebral, mas temos que ter cuidado porque ao longo do desenvolvimento, ela vai perdendo força”, destacou a professora de neurociências e ciências do comportamento da USP/Ribeirão Preto.


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