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Papai Noel é real? Saiba como as crianças lidam com as descobertas dessa crença natalina

Atração principal nas celebrações do Natal, a crença em torno do Papai Noel é popular no mundo inteiro. Manter essa tradição em família, porém, exige estar preparado para os dilemas que podem surgir quando as crianças começam a questionar se o bom velhinho existe mesmo. Muitos pequenos se decepcionam ao descobrir a verdade sobre o assunto, e alguns ficam tristes com os pais por terem sustentado uma mentira por vários anos. Já outros agradecem por eles se preocuparem em manter a magia natalina o tanto quanto possível.
Um renomado consultor global de segurança cibernética, Jake Moore, do Reino Unido, chegou a marcar o Google em uma postagem, pedindo para que alterasse a resposta sobre se Papai Noel existe, depois que sua filha de 11 anos pesquisou o tema e leu que “não há nenhum homem no céu andando de trenó puxado por renas”, embora a publicação reconhecesse que Papai Noel “não é uma pessoa completamente inventada”.
Em um vídeo que circula no Instagram, um garoto pergunta em inglês ao dispositivo Alexa se as renas sabem voar. E ela diz que renas não voam. Já no Brasil, a Alexa está melhor orientada. Se feita a pergunta “Papai Noel existe?”, a criança ouvirá que “talvez seja melhor você saber por ele mesmo” e sugere ligar para o próprio senhor de barbas brancas. Se aceita a sugestão, ouve-se um barulho de telefone e em seguida uma voz animada atende e diz, entre outras coisas, que fará uma visita uma semana antes do Ano Novo e deseja uma “Feliz Natal”.
Apesar da popularidade de Papai Noel, há quem escolha, por diferentes motivos, não falar para os filhos sobre o assunto. Um artigo publicado em novembro no site americano Parents trata dos “lares sem Noel” e mostra os argumentos de diferentes mães e pais para essa escolha. Um deles é o tiktoker americano Matt Krueger que diz preferir celebrar o nascimento de Jesus. Ele viralizou com a postagem “Não mentimos para nossos filhos sobre o Papai Noel”.
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Cabe a cada família decidir sobre essa tradição festiva, mas, para aqueles que optam por mantê-la, “aprender a verdade sobre o Papai Noel não precisa ser uma experiência angustiante e pode até ser positiva”, disse a psicóloga Candice Mills, da Escola de Ciências Comportamentais e do Cérebro, Universidade do Texas, em Dallas (EUA). Em artigo para o The New York Times, ela destacou que usar as perguntas dos filhos como ponto de partida para a discussão e estar consciente das suas sensibilidades individuais pode ajudar a impulsionar uma exploração criativa e alegre do mundo”.
Mills desenvolve estudos sobre a maneira como as crianças aprendem com os outros e se tornam céticas ou pensadoras críticas. Um de seus ramos de pesquisa foca no Papai Noel: por que as crianças acreditam nessa tradição, quando e como elas começam a desacreditar, e como se sentem depois que descobrem que ele não é real.
“Queremos que as crianças sejam racionais à medida que envelhecem e pensem profundamente sobre as coisas. Mas com o Papai Noel em particular, às vezes trabalhamos muito para que acreditem em algo que não é real”, diz Mills, em entrevista à newsletter semanal da jornalista americana Melinda Wenner Moyer. Abaixo destacamos os principais trechos dessa conversa realizada pela jornalista.
O que leva as crianças a acreditarem no Papai Noel?
Candice Mills: Trabalhamos arduamente para convencer as crianças não só de que o Papai Noel é real, mas também fornecemos provas, ao contar histórias sobre ele, levar as crianças ao shopping para vê-lo, assar biscoitos para ele. Conversamos com outras pessoas que “sabem” que o Papai Noel é real, então, culturalmente, elas estão ouvindo que ele é real. Fornecemos presentes dele – isso é uma prova em primeira mão de que ele é real. Durante a pandemia, até o Dr. Fauci (ex-diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, dos Estados Unidos) anunciou que fez uma viagem ao Pólo Norte para vacinar o Papai Noel, para que ele pudesse viajar nas férias. Então acho que faz todo sentido que as crianças acreditem e que isso faça parte da nossa cultura.
Mas, para quem não comemora o Papai Noel, como lidar com isso com seus filhos? Tenho amigos judeus que relataram sentir-se frustrados por achar que seu trabalho é dizer aos filhos para mentirem para que as crianças que acreditam no Papai Noel não se machuquem. E penso que precisamos nos perguntar se é razoável esperar que as famílias cujas celebrações culturais não incluem o Papai Noel digam aos seus filhos para mentirem.
O que fazer quando as crianças passam a desconfiar do Papai Noel?
Candice Mills: Quando os filhos fazem perguntas desafiadoras, vale esclarecer primeiro o que a criança está perguntando. Mais do que saber se Papai Noel é real, muitas vezes o que elas querem saber é: “O Papai Noel vai colocar um presente debaixo da minha árvore?”. Elas realmente não querem saber a verdade ainda. E assim, esclarecendo o que estão perguntando – “Conte-me mais sobre o que você está pensando” ou “Você pode dizer isso de novo, o que você está pensando?” – você pode ver um pouco mais onde estão chegando. Você pode responder a uma pequena pergunta como “Haverá um presente do Papai Noel debaixo da árvore este ano?” sem entrar em “Quem vai colocar o presente do Papai Noel debaixo da árvore?”. Se é isso que parece certo. Outros pais usam declarações genéricas, como “As pessoas dizem que o Papai Noel faz isso”. Ou usam aquela estratégia de desvio de “O que você acha?” Outros se sentem confortáveis em estar imersos em um mundo de mentira, fingindo com a criança que o Papai Noel é real. Portanto, há muitos caminhos que os pais podem seguir.
Com que idade as crianças deixam de acreditar no Papai Noel?
Candice Mills: A idade média em que as crianças deixam de acreditar no Papai Noel é oito anos. Porém, há uma grande variação – algumas crianças relatam isso por volta dos quatro ou cinco anos, outras estão perto dos 12 ou 13 anos. Portanto, a média é oito, mas a jornada de cada criança é diferente.
Como costuma ocorrer a descoberta sobre a crença no bom velhinho?
Candice Mills: Para a maioria das crianças, o processo de mudança de crenças é gradual e não abrupto. São pequenas coisas que fazem com que elas passem a reconhecer lacunas no mito do Papai Noel, como por exemplo, o fato de ele não caber em pequenas chaminés. Elas também começam a levantar questões sobre justiça, comparando o seu presente com os de outras crianças e questionando por que algumas não ganham nada. E observam, por exemplo, que o papel de embrulho que o Papai Noel usou está no armário da mãe, e o brinquedo que tanto esperam está na garagem. Às vezes, também ouvem coisas dos colegas ou dos pais, ou veem algo nos filmes que os levam a fazer perguntas. São pequenas dúvidas, que depois meio que são resolvidas, e as crianças continuam acreditando no Papai Noel por mais um pouco. Até que chegam a um ponto em que decidem que o Papai Noel não é real.
O que acontece no cérebro da criança durante essa fase de crença e descrença?
Candice Mills: As crianças estão saltando para frente e para trás. Não acho que tenhamos uma boa noção do que está acontecendo (no cérebro) quando isso ocorre. Mas acho que para algumas dessas crianças em idade de ensino fundamental – do jardim de infância até a primeira ou segunda série – elas estão obtendo muita alegria com a experiência. Portanto, mesmo que sintam que estão caminhando na ponta dos pés em direção a algum ceticismo, pode ser que a alegria e a diversão as atraia de volta por um pouco mais de tempo. Algumas crianças também não querem saber a verdade ainda. Ou estão preocupadas que não acreditar possa mudar o fato de ganharem ou não presentes. Elas não sabem o que vem a seguir, qual poderia ser a alternativa.
Um futuro sem o Papai Noel pode parecer assustador?
Candice Mills: A grande maioria olha para trás, para as celebrações do Papai Noel, com carinho. Então acho que é bom ter isso em mente, mesmo que não seja adequado para todas as famílias. As famílias que optaram por fazê-lo, em sua maioria, seus filhos olham para trás de forma muito positiva.
O que as crianças sentem quando descobrem que o Papai Noel não existe?
Candice Mills: Realmente varia bastante. Em nosso estudo, até agora, vimos que entre um terço e a metade das crianças relataram sentir alguma tristeza ao descobrirem a verdade. Há também as que disseram se sentir irritadas, frustradas ou confusas. A maioria das situações é de curto prazo – como quatro dias, ou durante o período do Natal. Um pequeno grupo relatou ter ficado arrasado com a descoberta e disse sentir que sua confiança e a de seus pais ficaram abaladas. Algumas crianças ainda relatam sentir-se orgulhosas ou felizes em saber que resolveram um quebra-cabeça. Às vezes, os próprios pais fornecem um caminho para as crianças lidarem com suas emoções, como “e agora é sua vez de ser Papai Noel”, fazendo com que se sintam especiais por agora ser a vez delas de fazer algo por outras crianças – e mesmo ensinar isso um dia a seus filhos, o que parece ser útil.
Saber a verdade sobre Papai Noel ajuda a criança com habilidades de pensamento crítico?
Não sabemos se o processo de falar e aprender sobre o Papai Noel estimula habilidades de pensamento crítico. Já ouvi pais falarem sobre isso com as crianças dessa maneira – tipo, parte do mito do Papai Noel é acreditar em algo que é maior do que você. E parte disso é aprender a fazer boas perguntas e a reconhecer quando as explicações não são muito claras, e então desenvolver essa habilidade para usar em outras situações quando você crescer. Portanto, alguns pais certamente incluirão isso na maneira como falam com os filhos sobre o Papai Noel.
Alguma reflexão final para esta questão tão complexa?
Existem muitas maneiras diferentes de comemorar feriados. Não acho que os pais devam se sentir culpados por celebrar o Papai Noel, se é isso que eles escolhem fazer, e tampouco devem se sentir culpados por não celebrar. O principal é que não haja um sentimento de culpa.
Verônica Fraidenraich
Editora da Canguru News, cobre educação há mais de dez anos e tem interesse especial pelas áreas de educação infantil e desenvolvimento na primeira infância. Tem um filho, Martim, sua paixão e fonte diária de inspiração e aprendizados.
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