Por Helen Mavichian* – O uso de dispositivos digitais, como tablets, celulares e televisores, tem se tornado uma prática comum na rotina familiar. Na primeira infância (0 a 6 anos), uma fase crucial para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social, é necessário considerar os potenciais impactos das tecnologias no comportamento e no aprendizado das crianças. Estudos mostram que a exposição excessiva e precoce a esses dispositivos pode influenciar negativamente o desenvolvimento de habilidades como atenção, linguagem e autocontrole, essenciais para a vida adulta
Pesquisas indicam que crianças pequenas possuem uma alta sensibilidade às estimulações visuais e auditivas. O contato com telas durante os primeiros anos pode sobrecarregar o cérebro em desenvolvimento, criando padrões de atenção fragmentada e respostas de recompensa imediata, ou seja, dificuldades para permanecer em uma atividade sem distrações constantes.
Para facilitar a compreensão, ilustro com uma situação que vivenciei no consultório. Os pais de uma criança de 4 anos relataram que ela ficava bastante irritada quando precisavam desligar o tablet ou a televisão, e percebiam que se distraía com muita facilidade ao realizar tarefas como montar um quebra-cabeça ou ouvir uma história. Durante essa conversa com os pais, soube que o pequeno passava cerca de 3 horas por dia no tablet. Esse é um exemplo bem comum de como o uso constante de dispositivos pode criar uma dependência de estímulos rápidos. Como os dispositivos fornecem estímulos visuais e auditivos intensos, eles acabam competindo com atividades menos dinâmicas, como brincar ou ler, que são fundamentais para o desenvolvimento da atenção sustentada.
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Outro ponto de preocupação é o desenvolvimento da linguagem, que depende da interação social e da troca verbal com os adultos. A exposição prolongada às telas pode reduzir o tempo de conversação entre a criança e seus pais, limitando as oportunidades de aprendizado linguístico. A prática de jogos que oferecem gratificações instantâneas pode interferir na capacidade da criança de lidar com frustrações e esperar.
Também é essencial que as crianças saibam lidar com frustrações e aprendam a esperar e ter paciência, habilidades que se desenvolvem gradualmente na primeira infância. Muitos jogos e aplicativos são projetados para dar recompensas imediatas, o que pode afetar negativamente a capacidade das crianças de lidar com situações que exigem calma e controle.
Diante dos impactos potenciais, a Academia Americana de Pediatria sugere que crianças com menos de 2 anos de idade não sejam expostas às telas, e que o tempo de uso de dispositivos seja limitado a uma hora diária para crianças entre 2 e 5 anos, com conteúdo supervisionado e de qualidade. Acima de 6 anos, o órgão orienta que os pais determinem a quantidade de tempo com base nas recomendações gerais, mas sempre com monitoramento dos conteúdos a que a criança tem acesso. A interação humana, com conversas diretas e brincadeiras que estimulam o pensamento e a criatividade, é a forma mais eficaz de promover o desenvolvimento infantil saudável.
Atividades fora das telas
Sim, existem alternativas práticas para pais que buscam reduzir o tempo de tela. Cito algumas atividades manuais:
- Desenhar, pintar e montar objetos ajudam a desenvolver a coordenação motora e estimulam o foco;
- Leitura compartilhada: ler histórias juntos favorece a linguagem e a imaginação, criando uma interação significativa;
- Brincadeiras ao ar livre: movimentar-se e explorar o ambiente físico permite que a criança aprenda com o mundo real, ajudando na regulação emocional e na interação social.
O uso excessivo e precoce das telas pode ter consequências que vão além do comportamento imediato da criança, influenciando a forma como ela aprende e interage com o mundo. O equilíbrio e a supervisão dos pais são essenciais para garantir que a tecnologia sirva como um complemento positivo e não substitua experiências fundamentais para o desenvolvimento infantil. Orientar os pais sobre práticas saudáveis e a importância de atividades interativas é parte fundamental para minimizar os possíveis impactos negativos e promover um desenvolvimento saudável na primeira infância.
*Helen Mavichian é psicoterapeuta especializada em crianças e adolescentes e mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP).
*Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião da Canguru News.