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Rotinas não são para sempre
Confesso: Sou pessoa de manter rotinas. Preciso delas pela sensação de previsibilidade e segurança. Podes achar que há um pouco de controle aí e tens razão – preciso controlar e gerir tanta coisa, que manter-me fiel a essa rotina salvou a minha sanidade mental durante este confinamento. Mais do que rotina, acho que podemos falar em disciplina. Que é uma boa palavra para me definir, também. Mas agora que penso melhor, talvez o que me tenha garantido essa tal sanidade mental que falo foi a habilidade em me manter super flexível com a disciplina e rotina. Confuso? Eu explico.
Inauguramos o confinamento a uma sexta-feira, 13 de março. É fazer as contas para saberes há quanto tempo temos estado por casa – eu já parei de contar – na verdade, acho que nunca contei. Dia 13 sentamo-nos com as crianças e explicamos o que estava a acontecer, o que era o confinamento e que precisávamos de manter rotinas e bons hábitos em família, para dar tudo certo.
Fizemos um plano, assinamos o documento e o penduramos na porta da geladeira para exposição e confirmação. Nunca chegamos a cumpri-lo. Segunda-feira veio e a realidade mostrou-nos que o que tínhamos previsto não encaixava na nossa realidade – e olha que fomos nós quem decidimos o que ia acontecer. Então adaptamo-nos.
Procuramos colocar no nosso dia o que era mais importante para cada um de nós: acordar na mesma hora, sempre, tratar de nós, da casa e iniciar o dia à hora normal. Os miúdos liam, estudavam e eu apoiava o mais novo na descoberta do que é ser aluno do primeiro ano. De tarde eu podia trabalhar – ou fingir que trabalhava. Enquanto eles treinavam os acordes das aulas de música, jogavam a jogos que raramente tinham tempo de jogar, eu desafiei-me a não repetir o mesmo conjunto de roupa durante o máximo de tempo possível nem a servir o mesmo prato.
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No primeiro desafio consegui, por um mês e meio, usar quase todas as peças do meu guarda-roupa e, no segundo, não repetir pratos durante um mês e uma semana. A disciplina, o foco e o convite para usar a minha criatividade foram ótimos e um enorme balão de oxigênio. Estava motivada e a tirar o maior proveito destes dias que estavam a ser muito difíceis para muitos e sentia-me bem. Cozinhar, tratar da casa, da família, estarmos sempre juntos, trabalhar, exercitar-me, ler e todas as rotinas faziam os meus dias terem um lado de normalidade e de férias, ao mesmo tempo.
Até que chegou o final de maio e o cansaço começou a tomar conta de mim. Não sei o que aconteceu mas, do dia para a noite, deixei de ser capaz de tomar decisões.
Deixei de ter prazer em decidir o que ia haver para jantar, decidir que roupa ia vestir, decidir o que escrever no meu Instagram, decidir… tornou-se uma palavra demasiado pesada e frequente no meu dia.
Chegar a esta conclusão – que não estava mais capaz de decidir não foi óbvio, mas quando percebi, comuniquei-a.
E, no auge do cansaço, deixei que a família decidisse e fizesse, enquanto eu recuperava do meu cansaço e deixava que outros tomassem o meu lugar naquilo que eu mais gosto de fazer. Para quem gosta tanto do controle, perceber que é bom deixar que façam é muito bom, libertador e leve. Mas sim, muitas vezes tive de me dizer: fica, não te levantes. Deixa.
Dormi mais, dei-me ao cansaço, e não fiz grande coisa. Acordei renovada, dois dias depois e com necessidade de voltar a manter rotinas, para me voltar a sentir segura. Passei a incluir mais tempo de leitura, voltei ao exercício fora de casa, voltei aos passeios ao ar livre (vitamina D assim obriga), voltei a sentir-me bem.
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No final, percebi que as rotinas não são para sempre e que querer mantê-las ad etermum é pura inflexibilidade e tontice. Se até as estações do ano mudam, como é que os nossos próprios ritmos não mudam? Claro que mudam. Embora possa parecer paradoxal, rotina rima com flexibilidade e mudança porque é ela que nos permite avançar, manter o equilíbrio dos nossos dias, a previsibilidade das horas até deixar de fazer sentido e dar origem a uma nova série de hábitos. Não te enganes, somos pessoas de hábitos.
Gostaria de saber que rotinas e hábitos têm te salvado nestes dias. Deixa aqui na caixa dos comentários para nos inspirarmos e o que fazes quando estás mesmo muito cansada.
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Magda Gomes Dias
Magda Gomes Dias, 44 anos, tem dois filhos: Carmen, 12 anos, e Gaspar, 9 anos. É natural do Porto, Portugal, e fundadora da Escola da Parentalidade e Educação Positivas, onde oferece programas de certificação e especialização na área. Autora do blog 'Mum's the boss', escreveu os best-sellers 'Crianças Felizes' e 'Berra-me Baixo', além do livro 'Para de Chatear a Tua Irmã e Deixa o teu Irmão em Paz'.
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