Meninas vestem rosa e meninos vestem azul. Meninas brincam de boneca e meninos brincam de carrinho. Meninas devem ser emotivas e meninos devem engolir o choro. Você já parou para pensar quantos padrões de gênero existem na sociedade? “Os padrões de gênero são as características atribuídas como próprias dos homens e das mulheres”, explica a psicóloga Nathássia de Medeiros, doutoranda em psicologia pela Universidade Federal do Ceará e pesquisadora da construção de subjetividades e psicologia social. Em outras palavras, os padrões dão a entender que determinadas atitudes ou objetos são “de menina” ou “de menino” reforçando a lógica machista perpetuada há gerações na sociedade.
Existem diversos padrões presentes no mundo, que são refletidos no convívio social e em desenhos, livros, filmes e músicas. No geral, “os meninos são incentivados a um lugar de coragem e determinação, e as meninas a brincadeiras relacionadas à concentração. Se você for a uma loja de brinquedos, vê uma grande diferença entre brinquedos de menina e de menino”, exemplifica a terapeuta ocupacional Mariana Lacerda, especialista em primeira infância e disciplina positiva. Garotos costumam ser estimulados a brincar com carrinhos, blocos de construção e super-heróis, enquanto meninas ganham bonecas, casinhas, itens de cozinha e roupas de princesas.
“Os meninos são incentivados a um lugar de coragem e determinação, e as meninas a brincadeiras relacionadas à concentração”, diz Mariana Lacerda.
Ainda que tais padrões pareçam inofensivos, eles não são. Essas diferenças na educação induzem a comportamentos machistas e podem trazer consequências graves à sociedade, prejudicando principalmente as mulheres, que sofrem os mais diversos tipos de violências físicas e psicológicas, representadas em casos de feminicídios, estupros ou crimes passionais, por exemplo.
Além delas, os meninos também são afetados com o machismo, ao serem tratados com frieza ou impaciência simplesmente porque “são homens”. “Quando bebês, as pessoas beijam e abraçam os meninos. Mas quando crescem, eles não são incentivados a serem carinhosos. As pessoas passam a cumprimentá-los com um aperto de mão ou tapinha nas costas”, exemplifica Mariana.
“Os pais conduzem a educação dessa forma porque consideram como naturais ou corretas essas características atribuídas ao ‘universo feminino’ ou ‘universo masculino’. No entanto, é primordial que coloquemos em discussão o fato de que os padrões de gênero que temos como referência hoje não são naturais, no sentido de que não são próprios da natureza biológica, fisiológica ou mesmo psicológica do ser humano. Esses padrões foram historicamente e culturalmente construídos”, destaca Nathássia.
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De acordo com a pesquisadora, isso significa que os padrões de gênero mudam conforme o momento histórico e a cultura. Ou seja, as atitudes adequadas para meninos e meninas hoje não são as mesmas do passado e também não precisam continuar sendo as atuais. Como pais, podemos e devemos mudar isso, cuidando para não reforçar comportamentos machistas na criação de nossos filhos, ao repetir o modo como fomos educados, estimulando hábitos e pronunciando frases que naturalizam nas crianças a repetição desse padrão.
A consciência sobre o machismo é o primeiro passo para a mudança. “A gente precisa, para ser livre mesmo, estar muito consciente e fazer exercícios diários de auto-observação. É olhar para as crianças com o mesmo olhar de respeito, de valor, de dignidade e não colocar diferenças nisso”, destaca Mariana. A seguir, veja 8 sugestões que podem ajudar os pais nesse processo.
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8 sugestões para desconstruir o machismo na criação dos meninos
1. Atenção às referências: É preciso atentar para os modelos masculinos, assim como para os modelos de relação homem e mulher que o filho tem por perto, lembrando que as crianças aprendem pelo exemplo. “Se a sociedade é machista, é improvável que sejamos pessoas totalmente isentas de tais ideias. Nós somos a sociedade também. E aí começa o pente fino que precisamos passar em nossas crenças, ações, ideias, expressões, reações”, afirma Raquel Marques, sanitarista, mestre em saúde pública e doutora em medicina preventiva, em artigo para o blog “Cientista que virou mãe”.
Nathássia também destaca a importância das referências em casa para evitar que meninos se tornem machistas. “Lembremos que a melhor forma de ensinar é através do exemplo. Ou seja, os pais precisam começar a praticar a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres dentro de suas próprias casas, entre os membros familiares”, afirma a pesquisadora.
Essa dica é vivenciada pela designer Natalia Leão, mãe do Caio (7 anos) e do Dudu (2): “A preocupação de criar meninos livre de machismos é bem presente aqui em casa. Sempre nos preocupamos com o que falamos e ensinamos, mas acima disso, eles aprendem com o exemplo”. A mãe diz que sempre fala com o filho mais velho sobre como as mulheres precisam lutar para serem valorizadas. “Conto como era no passado e como é hoje. Com isso, espero que ele desenvolva um olhar mais crítico no futuro”, pontua a designer.
2. Ensine o consentimento: “É importante que a criança entenda que ela não pode pegar algo que é do outro sem permissão. Da mesma forma, deve aprender a defender o que é seu, manifestando imediatamente o seu desconforto ou incômodo a alguém de sua confiança. Esse raciocínio serve desde os brinquedos até o corpo da criança”, explica Nathássia. Em relação ao corpo, é essencial que os pais ensinem às crianças que determinadas partes de seu corpo e do corpo dos amigos e amigas são íntimas. “Quando pedimos licença para tocar nossos meninos (não apenas as partes íntimas) ensinamos a eles a pedir licença para tocar o corpo de outra pessoa também”, ressalta Mariana Lacerda.
3. Mostre que as tarefas domésticas são responsabilidade da família: “Temos um lema aqui que o Caio sempre fala quando faz alguma tarefa de casa: ‘Mamãe, eu estou ajudando a família’. Com essa frase, eu tento desconstruir que as tarefas domésticas são das mulheres e os homens bons ajudam. As tarefas de casa são da família! Não tem essa de ajudar a mamãe, você ajuda a família”, conta Natalia sobre sua experiência. Mariana destaca que quando incluímos os meninos nos cuidados da casa e dos próprios pertences, eles aprendem que são responsáveis por si mesmos e também aprendem a não colocar essa responsabilidade em outra pessoa.
Uma pesquisa realizada pela Plan Brasil, ONG que defende os direitos das crianças, jovens e adolescentes, revelou a disparidade entre a distribuição das tarefas domésticas entre meninos e meninas. O estudo ouviu 1.771 pessoas de 6 a 14 anos, em todas as regiões do Brasil, e constatou que enquanto 81,4% das meninas arrumam suas camas, apenas 11,6% dos meninos realizam essa tarefa. Entre as meninas, 76,8% lavam a louça e 65,6% limpam a casa. Já entre os meninos, 12,5% lavam a louça e 11,4% limpam a casa. Outra tarefa predominantemente destinada às meninas é a de cuidar dos seus irmãos: 34,6% são responsáveis por essa função, contra 10% dos meninos.
4. Dê carinho: A demonstração de afeto não é exclusiva de meninas. Abraçar, beijar e oferecer carinho são atitudes que mostram aos meninos como é possível dar e receber agrados. É preciso desconstruir a imagem de que homens são frios e não demonstram o amor que sentem. “Quando abraçamos, beijamos, oferecemos carinho e recebemos de volta isso deles sem qualquer julgamento, mostramos que meninos podem e devem além de receber carinho, dar carinho”, afirma a especialista em disciplina positiva.
5. Permita o choro: Quando os pais permitem essa expressão, mostram que os garotos não precisam se reprimir e é uma forma de ensinar empatia a eles e fazer com que eles sejam empáticos com os outros. “Transmitir aos filhos a ideia de que meninos não podem chorar, sentir medo, demonstrar sentimentos ou mostrarem-se vulneráveis, reproduz uma masculinidade que pode ser nociva a eles próprios, uma vez que os priva de artifícios para lidar com as próprias emoções”, explica Nathássia.
6. Não diferencie brinquedos: Permitir que os meninos brinquem de qualquer coisa sem julgar o brinquedo como “é de menina”, é dar a eles a oportunidade de aprender sobre cuidados. “E, mais do que isso, de serem quem todas as crianças são antes de qualquer gênero: crianças”, afirma Mariana. Na casa de Natália, não há distinção de brinquedos de acordo ao sexo da criança. “Meus filhos sempre escutam que brinquedos são para crianças, independentemente do sexo. O Dudu ama carrinho de boneca e passear com os nenéns, sejam eles bonecas, pelúcias ou bolas”, conta a designer. Para os pais que não permitem que meninos façam “coisas de menina” ou meninas façam “coisas de menino”, psicólogos afirmam que brincadeiras, tarefas ou estilos de roupa não influenciam a sexualidade das crianças.
7. Cuidado com as expressões: “Na educação das crianças, é sempre preciso estarmos atentos ao que dizemos, às palavras que usamos. Ao dizer expressões como ‘você joga bola como uma mulher’ para um menino ou ‘você cozinha bem, então já pode casar’ para uma menina, reproduz-se padrões de gênero que reforçam o machismo”, exemplifica Nathássia. “A linguagem é algo poderoso e as palavras e expressões precisam ser frequentemente questionadas se queremos mudar o mundo”, conclui.
8. Converse sobre o assunto: Livros, filmes e notícias de TV podem servir de motivo para que os pais falem sobre o machismo com os filhos. É importante que os adultos exponham suas ideias, crenças e valores sobre o tema e mostrem-se abertos para ouvir as crianças. “Permitir que as crianças se expressem com liberdade e sem restrições ou imposições relativas ao comportamento esperado do homem ou da mulher, vai fazer com que eles cheguem mais próximos deles mesmos e que existam em todo seu potencial. Uma educação sem machismo passa pela discussão da masculinidade, o que é ser homem hoje e o que seria um bom homem para uma sociedade de paz”, afirma Raquel Marques.
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