Um estudo realizado pelo Hospital Infantil de Michigan, em Detroit (EUA) e divulgado neste mês de junho indicou um aumento de 530% na ingestão acidental de melatonina por crianças, nos últimos 10 anos. Os pesquisadores acreditam que o aumento dos níveis de estresse dos adultos americanos teria levado a um consumo maior dessa substância, e isso teria facilitado o acesso de crianças ao produto. Cerca de 94% dos casos registrados ocorreram com crianças que não utilizavam o medicamento, mas que conviviam com familiares que o usavam. A melatonina ajuda a melhorar o sono e combater a insônia causada pelo estresse e é vendida nos Estados Unidos como suplemento alimentar, sem necessidade de receita médica. Ela está disponível em gotas, comprimidos ou gominhos. Já no Brasil, a comercialização do produto foi liberada em outubro do ano passado, pela Anvisa.
O sintoma mais comum da intoxicação por melatonina é a sonolência excessiva – em alguns casos, os pais conseguiram acordar as crianças facilmente, já em outros, não, informaram os pesquisadores do estudo, que coletou dados de mais de 260.000 crianças intoxicadas. Houve crianças que precisaram de hospitalização, especialmente as menores de 5 anos. Cinco crianças precisaram ser colocadas em ventiladores e duas morreram, informou a equipe da pesquisadora Karima Lelak, responsável pelo estudo, do departamento de pediatria do Hospital Infantil de Michigan.
Caso tenham a suplementação em casa, pais devem mantê-la fora do alcance das crianças, alerta a pediatra Ana Jannuzzi. “São pontuais os casos em que é necessária a suplementação com melatonina em crianças, uma vez que estamos falando de uma substância que é naturalmente produzida por todos nós, a partir do terceiro mês de vida”, afirma Jannuzzi, que é pós-graduada em Estudos do Sono e responsável pela capacitação “Sono e Rotina”, em parceria com a Faculdade de Brasília. Ela diz que crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) podem precisar fazer uso da substância, com acompanhamento médico, por terem níveis mais baixos de melatonina.
Melatonina ajuda a regular ciclos de sono e vigília
A melatonina é um hormônio que ajuda a regular os ciclos de sono e vigília, também chamado de ciclo circadiano, responsável por ajustar o funcionamento do corpo para o dia e para a noite. A produção da melatonina começa por volta das 17 horas, e seu pico ocorre de madrugada, mais ou menos as 3 horas da manhã.
“A maioria das crianças não vai precisar usar melatonina. Se os pequenos estão com dificuldades para dormir, devem ser investigados alguns aspectos, em especial se está sendo feito um ajuste de ambiente para o sono das crianças. Como a melatonina é desencadeada pela escuridão, a produção do hormônio é interrompida pela luz”, ressalta Jannuzzi. Ela recorda que não é recomendado o uso de celulares, tablets e outros eletrônicos, pelas crianças, a partir das 18 horas, porque a luz branca e azul emitida por esses aparelhos causa uma ruptura na produção de melatonina, e consequentemente isso vai prejudicar o sono.
“Para saber se haverá ou não necessidade de suplementação de melatonina, as famílias devem procurar orientação médica adequada”, orienta.
A pediatra explica que o Centro Nacional de Saúde Complementar e Integrativa, um órgão americano que é ligado ao Instituto Nacional de Saúde, informa que o medicamento parece ser seguro para a maioria das crianças, se usado a curto prazo, mas admite que existem incertezas nas doses, administração, efeitos a longo prazo e se os supostos benefícios superam os riscos.
Sobre o estudo
Os dados coletados, de mais de 260.000 crianças intoxicadas por melatonina, foram relatados ao Sistema Nacional de Dados de Envenenamento, da Associação Americana de Centros de Controle de Intoxicações, entre 2012 e 2021. Nesse período, as intoxicações aumentaram de cerca de 8.340 em 2012 para quase 53.000 em 2021, sendo o maior aumento (38%) observado de 2019 a 2020, durante o auge da pandemia. A ingestão acidental de melatonina foi responsável por quase 5% de todas as ingestões pediátricas relatadas aos centros de controle de intoxicações em 2021, em comparação com menos de 1% em 2012, descobriram os pesquisadores.
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