É curioso observar que parece haver, cada vez mais, crianças difíceis. Crianças birrentas e mal educadas. E também é curioso reparar que se vive cada vez pior, em sítios onde não é possível brincar, em escolas feitas de concreto, onde se grita, em famílias onde se janta às 9h30 da noite quando já se devia estar a dormir.
É curioso repararmos que, a cada dia que passa, estamos a criar as melhores condições para não termos crianças fáceis.
Na minha terra havia escolas antigas. Das bonitas. Das que tinham chão de madeira, janelas aos quadradinhos e quadros de ardósia e, por cima deles, quadros novos, modernos. Há uns anos, compraram o terreno ao lado e decidiram ampliar a escola. Mega obra, toda revestida a madeira por fora, toda modernaça. E quando se fazem coisas novas, vamos sempre na expectativa de encontrar a diferença, de dizer ‘ah, finalmente andam a fazer as coisas direitas!’ Mas não, não me devia ter iludido. É uma escola nova, toda modernaça. Uma escola de concreto. Cinzenta. Fria. Com madeira a decorar o exterior, madeira essa que não é vista do interior. Com um chão onde não dá vontade de cair porque esfolar os joelhos ali vai doer mesmo. É uma escola nova, toda modernaça, sem uma pontinha de relva, sem flores, sem árvores. Porque custa dinheiro manter a relva, a horta, a árvore e a flor.
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Queremos que os miúdos se libertem, que corram, que gostem da natureza (para a respeitarem).
Lembro-me de uma escola onde a minha filha andou e foi muito feliz. Era uma escola pequenina. Tinha um canto com uma horta e a horta era tratada pela directora da escola, pela sua irmã e também por todas as restantes colaboradoras. Era uma horta pequenina, com uma tartaruga que costumava ter a cabeça enfiada dentro da casa e se escondia dentro de uma bacia enorme de água. Quando os espinafres eram muitos, as mães recebiam um saco deles, quando iam buscar os filhos. Havia ‘vagar’, havia tempo para se ensinar a pôr as mãos na terra e cair ali não custava tanto. Também nunca foram os pais questionar à direcção da escola por que ela havia feito horta. Não se precisava de muito dinheiro para manter o espaço – tudo dependia da boa vontade e de um bom par de mãos ou dois pares para a tratar.
Não são as crianças que não sabem brincar – somos nós que não lhes criamos o espaço apropriado para tal.
O problema disso tudo qual é? Não é apenas o facto de as crianças não saberem brincar porque passam o dia dentro de escolas de concreto e de concreto se tornam. O problema está no facto de que a ausência de jardins e áreas verdes nos tira a sensibilidade e a oportunidade de entender a importância do cuidar e de como isso se faz. Quando chegar a nossa hora, e a hora deles, quem vai estar lá, para dar conforto, cuidar? Essas crianças de concreto?
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