Por Dayse Cruz* – Na educação infantil, a relação da criança com o professor está muito voltada ao cuidado em relação a necessidades básicas como higiene, alimentação, sono etc. Emmi Pikler, pediatra húngara, afirmava que os cuidados básicos deveriam ser realizados com a criança e não para ela. Isso permitiria o estabelecimento de uma relação de (auto)confiança que, por sua vez, possibilitaria o desenvolvimento da autonomia infantil. O vínculo afetivo, nesta perspectiva, constitui-se uma “chave” para o amadurecimento na primeira infância.
Pensando no “tom” dessa relação e a maneira pela qual a criança se afeta, é importante questionar:
- O ambiente no qual está inserida é bom (satisfatório, respeitoso) ou indiferente, hostil?
- Como a ação pedagógica impacta o seu desenvolvimento socioemocional?
Destaco a seguir diferentes concepções sobre a questão do afeto e a criança.
Do ponto de vista da psicanálise, o médico e psicanalista austríaco Sigmund Freud afirmou que “Os afetos e os sentimentos correspondem a processos de descarga cujas manifestações finais são percebidas como sensações”, ou seja, consistem na maneira pela qual os sentimentos são vivenciados e expressados pelo indivíduo.
Já Donald Woods Winnicott tratou da gênese dos afetos ao observar o processo de amadurecimento infantil. Para o pediatra e psicanalista inglês, nos primeiros anos de vida, o mundo seria experienciado pela criança como uma extensão de si mesma.
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Nos primeiros meses, um ambiente mãe (quando este atende de maneira satisfatória às necessidades do bebê e ele se torna, aos poucos, mais confiante) contribui para a compreensão da existência da relação eu – outro. Esta percepção, construída a partir de determinados estímulos, evitaria, em última instância, o fechamento psíquico do indivíduo em seu próprio Self. Isto pode ocorrer, por exemplo, quando as necessidades primordiais do bebê não são atendidas ou a espera pelos cuidados é repetida e demasiadamente longa, gerando uma sensação de insegurança e abandono. Nesses processos, dessa maneira, se constituiriam os afetos.
A psicogênese de Wallon, com base no sociointeracionismo, reforça a compreensão da natureza organicamente social do ser humano. A afetividade consistiria, nesta perspectiva, na capacidade humana de se afetar positiva ou negativamente por um estímulo externo. Assim, considerar as emoções na educação seria fundamental, tendo em vista a interdependência estabelecida entre professor(a) e criança, o que torna imprescindível a criação de vínculo.
Na Educação Infantil, a afetividade e o desenvolvimento caminham juntos. A mediação entre a criança e o mundo ocorre, em grande parte, através das emoções. Quando esse intermédio ocorre de modo positivo, ou seja, promovendo a autonomia e sensação de segurança, abre cuidadosamente o caminho para que a criança confie e, assim, possa conhecer e adaptar-se ao ambiente físico e social no qual está inserida. Visto isto, conduzir com respeito, considerando a maturidade e as necessidades infantis, além de atuar na (auto)educação das emoções, possibilitaria à criança expressar-se e desenvolver suas emoções de maneira saudável.
A relação pedagógica ancora-se, para além das creches e pré-escolas, na própria família. Sua confiança no processo de desenvolvimento constitui elemento fundamental para que a criança confie e estabeleça uma afetividade positiva com o ambiente educacional. Desse modo, pode amadurecer, aprendendo o autocuidado e a posicionar-se no meio social.
O filósofo e educador Rudolf Steiner, reconhecendo que o meio produz efeitos no processo formativo interior, indica, como caminho, educar com “mão firme, flexível, compenetrada de espírito e alma”. Segundo o autor, fundador da pedagogia Waldorf, se desejarmos educar seres humanos livres para cumprirem sua missão terrena, essa deveria ser uma das bases da prática que, por si, já expressa a importância da relação educativa.
*Dayse Cristina Araújo da Cruz é pedagoga e mestra em Linguagem e Educação pela USP. Especialista em Educação Infantil Waldorf, atua na área e leciona no curso de graduação em Pedagogia da Faculdade Rudolf Steiner.
*Este texto é de responsabilidade do colunista e não reflete, necessariamente, a opinião da Canguru News.